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Publicado em 10 de junho de 2024 às 11:19
Nem é preciso esperar as águas de março fecharem o verão. A cidade do Salvador, per se, não dá suporte ao funcionamento de atividades que requerem um consumo de ticket mais elevado. Restaurantes, bares, espetáculos, eventos, entretenimento, lazer e diversas instalações comerciais, aqui funcionam normalmente como se fossem de temporada, apenas de quarta a sábado ou quinta a domingo, por conta de um PIB insuficiente e da baixa renda per capita da cidade. O funcionamento intermitente reduz os custos operacionais, mas alonga, no tempo, a recuperação dos investimentos. >
Muitos estabelecimentos novos até surgem, mas, esgotado o período da novidade, terminam fechando por falta de clientela. No ramo de alimentos e bebidas, não é incomum abandonarem as suas propostas para converterem-se em vendedores de cerveja e caranguejo, para sobreviverem atendendo a consumidores de renda abaixo da projetada.>
A cidade perdeu, por exemplo, a churrascaria Fogo de Chão, uma internacional brasileira, sociedade de capital aberto, que não alcançou aqui os resultados estabelecidos pela rede.>
Este é um desafio para o qual ainda não despertaram os poderes públicos, os agentes políticos, as entidades empresariais e nem sequer tem dado atenção a academia. Mas este constitui o principal e mais grave problema de Salvador: a necessidade de criar uma sólida base econômica urbana.>
Vista de fora, uma metrópole de 2,5 milhões de habitantes, hipoteticamente consumidores. In loco, um mercado de cerca de 500 mil pessoas. O restante da população consome somente bens essenciais, boa parte dependente, que é, do bolsa-família. >
Ao longo dos anos 1970, a chegada do Polo Petroquímico de Camaçari promoveu a expansão e modernização do comércio – com a instalação do primeiro shopping center – além de dinamizar o mercado imobiliário, compensando os impactos negativos do gigantesco fluxo migratório rural-urbano, quantitativamente mais forte. >
Hoje, meio século depois, verifica-se que os efeitos positivos do polo industrial foram absorvidos, enquanto persistem, resilientemente, os impactos negativos da chegada de um imenso contingente populacional sem renda, com baixo nível de instrução, desprovida de capacitação para o trabalho urbano e que ainda não foi, de fato, incorporado pela cidade, embora já constitua uma segunda geração. >
Com a indústria direcionada para o CIA, em Simões Filho e Candeias, ou o COPEC, em Camaçari, a cidade perdeu, por relocalização, a indústria que existia no Lobato e em Itapagipe, tendo se tornado quaternária por decreto.>
Desde então, não se formou em Salvador uma economia capaz de dar suporte a uma metrópole nacional, apesar das fortes transformações por que passou e passa a economia global, reservando papel relevante para as cidades. >
A aposta se concentrou quase que exclusivamente no turismo, ainda assim, em um processo submetido a descontinuidades. Vários anos sem um centro de convenções de grande porte, e sem outros equipamentos que caracterizam um grande destino turístico, causam muito mal à economia, deixando de complementar a demanda local.>
Somente agora começa a tomar forma um vetor de turismo mais qualificado, destinado a elevado poder de consumo. A formação de um cluster turístico de mais alta renda, ao longo da rua Chile, na Cidade Alta, constitui uma perspectiva alvissareira. Mas será necessária a criação de produtos turísticos correspondentes e é indispensável uma consistente ação promocional, principalmente no exterior, para atrair visitantes capazes de sustentar esse novo vetor. Caso contrário, veremos desmoronar o que agora apenas se esboça.>
Ainda assim, nem só de turismo haverá de viver a cidade do Salvador. Outros setores econômicos estão a aguardar sua vez, numa cidade que apresenta excelentes condições naturais e culturais para as pessoas viverem as suas vidas.>
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.>