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Com mais de meio século de atraso, só agora Salvador descobriu que existe o samba junino

Ritmo é uma variação do samba de caboclo e nasceu dentro dos terreiros de candomblé. Tem festival, premiação e rivalidade entre bairros

  • Foto do(a) author(a) André Uzeda
  • André Uzeda

Publicado em 21 de junho de 2025 às 05:00

O samba junino é uma variação rítmica do samba convencional
O samba junino é uma variação rítmica do samba convencional Crédito: Divulgação - Fundação Gregório de Mattos

“Mas eu nunca tinha ouvido falar disso antes” é a expressão quase-automática de muitos soteropolitanos (boa parte, metidos a besta) quando descobrem a existência do samba duro, também chamado de samba junino.

O movimento cultural existe há mais de meio século em Salvador, arrastando milhares de pessoas nesta época do ano. Em 2018, foi reconhecido pela Fundação Gregório de Mattos (FGM) como Patrimônio Imaterial da cidade.

O samba junino é uma variação rítmica do samba convencional, tocado em uma velocidade muito mais acelerada (tipo um 2x do WhatsApp). Os instrumentos base são: timbal, tamborim, surdo, pandeiro, ganzá e um singelo megafone.

Por regra, todos os integrantes da banda cantam. Um puxador traz o primeiro verso e os demais respondem, sempre na batucada acelerada e em constante movimento. Não é um ritmo para ser escutado (muito menos tocado) parado.

O requebrado também é peculiar. Na perfeição sincronizada, é preciso sacudir o quadril, o tronco, pular e caminhar – tudo ao mesmo tempo.

Os músicos, assim como os dançarinos e os fiéis seguidores, costumam usar roupas que remetam às quadrilhas de forró, como chapéus de palha e camisas quadriculadas. As letras não escapam muito do samba convencional, trazendo histórias de amor mal resolvidas, morenas faceiras, traições, louvações ao próprio ritmo e o orgulho da comunidade na qual estão inseridos.

Os músicos, assim como os dançarinos e os fiéis seguidores, costumam usar roupas que remetam às quadrilhas de forró,
Os músicos, assim como os dançarinos e os fiéis seguidores, costumam usar roupas que remetam às quadrilhas de forró Crédito: Divulgação - Fundação Gregório de Mattos

Os bairros mais fortes do samba duro são o Garcia, Engenho Velho de Brotas, Federação, Matatu, Tororó e Canabrava. Cada local tem seu próprio grupo, alimentando uma certa rivalidade artística entre eles.

É na Praça Marquês de Olinda, no fim de linha do Garcia, que a disputa se revolve. Lá, acontece o Festival Samba Junino Salvador, premiando os principais conjuntos. Este ano, o evento acontece no dia 29 de junho (domingo), dia de São Pedro, a partir das 15 horas.

Os vencedores dividem R$10 mil em prêmios, em quatro categorias diferentes – melhor grupo, música, rainha e indumentária. A organização é da Liga do Samba Junino (LSJ), que estrutura o calendário das festividades.

É no Sábado de Aleluia, durante a tradicional queima de Judas, que os primeiros toques no timbal alertam para a abertura dos trabalhos. A temporada se estende até o dia 2 de julho. Neste dia, na Praça da Capelinha, no Engenho Velho de Brotas, acontece o desfile dos campeões.

Assim como no carnaval carioca, cada conjunto traz um tema, roupas e uma rainha – responsável por ditar a velocidade do requebrado. O ‘Leva Eu’ (do Engenho Velho de Brotas), este ano, vai homenagear Maria Felipa. Já o ‘Gira D’elas’, grupo feminino, vai reverenciar Maria Bonita, a rainha do cangaço.

O extinto Peão Doido era ocupado por trabalhadores da construção civil, que traziam à baila questões sobre racismo e opressão policial. Eles desfilavam com picaretas e carrinhos de mão para simbolizar a relação entre a denúncia e o trabalho exercido.

Uma das explicações que sustentam o desconhecimento do soteropolitano sobre o samba junino é a relação umbilical do ritmo com o candomblé.
Uma das explicações que sustentam o desconhecimento do soteropolitano sobre o samba junino é a relação umbilical do ritmo com o candomblé Crédito: Divulgação - Fundação Gregório de Mattos

Candomblé e o mistério do desconhecimento

Uma das explicações que sustentam o desconhecimento do soteropolitano sobre o samba junino é a relação umbilical do ritmo com o candomblé.

O samba duro nasce dentro dos terreiros, tributário do samba de caboclo – aquele tocado nos atabaques para trazer orixás, encantados e entidades místicas tanto no candomblé, quanto na umbanda.

Como o atabaque é um instrumento sagrado nas religiões afrobrasileiras, quando o ritmo foi incorporado para o espaço profano, o batuque teve que ser adaptado no timbal.

No fim de linha do Garcia, onde acontece o festival, antes das bandas saírem num arrastão pelas ruas do bairro, é servida a tradicional feijoada de Ogum – o orixá guerreiro do ferro e da tecnologia.

Seguindo à risca a tradição de terreiro, o feijão é inicialmente colocado em 14 cumbucas para 14 homens diferentes, que devem comer de mão. Só depois disso outros homens, mulheres e crianças podem desfrutar da iguaria, aí sim usando talheres.

O fato do samba duro se encerrar no dia da comemoração da Independência do Brasil na Bahia também tem relação com as religiões de matriz africana. Embora seja um festejo cívico, o 2 de julho é também uma festa de caboclo e cabocla.

Ele sempre esteve lá

Apesar de só agora o samba junino ganhar mais reconhecimento como uma vertente cultural autônoma, ele sempre esteve lá, influenciado a estética da música baiana.

Conta-se que, no começo da década de 1990, quando Carlinhos Brown foi montar a banda Timbalada (que tem justo no timbal o instrumento protagonista), ele trouxe o pessoal do samba duro – os especialistas no batuque acelerado.

Outra contribuição recente do ritmo é o megafone. Assim como aconteceu com o trio elétrico, com Dodô e Osmar, o uso deste amplificador veio pela necessidade de se fazer ouvir, a partir do momento que samba junino passou a arregimentar multidões.

O cantor Márcio Victor, quando surgiu no comando da banda Psirico, usava um megafone. O vocalista nasceu no fervilhante bairro do Engenho Velho de Brotas – um dos berços do ritmo.

Antes de lançar o Psi, Márcio Victor fez carreira na Timbalada (ainda moleque) e foi percussionista de Caetano Veloso, no álbum ‘Livro’, de 1997. Até hoje, no mês de junho, Márcio Victor promove um arrastão nas ruas do bairro em que nasceu, tocando samba duro.

Esta coluna é uma homenagem aos amigos Getúlio Carneiro, Rafael Alvim e Claudio Leal, três profundos conhecedores do samba junino.