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André Uzeda
Publicado em 23 de novembro de 2025 às 08:00
Há uma conexão direta que liga a Chapada Diamantina com Nova York, nos Estados Unidos. Essa história passa por pastores presbiterianos, a cidade de São Paulo e a Universidade Mackenzie, ainda hoje uma das mais prestigiadas (e caras) da capital paulista. >
Em 1871, um grupo de missionários presbiterianos chegou a Salvador. Eles faziam parte da mesma Junta de Missões Estrangeiras, que doze anos antes havia se instalado em São Paulo e iniciado a organização de igrejas e de instituições de ensino.>
A orientação central partia de Nova York e o objetivo era claro: difundir a doutrina protestante, com ramificações religiosas e também educacionais por todo o país. Na capital baiana, fundam a igreja da Mangueira, no bairro da Mouraria. E depois o Colégio 2 de Julho, no Garcia. >
O projeto, então, é interiorizado, com a abertura de escolas em Juazeiro, Santa Maria da Vitória e Bom Jesus da Lapa. Até que resolvem montar uma escola rural dentro de uma fazenda chamada Ponte Nova, às margens do rio Utinga.>
Estamos em 1906. Esta fazenda ficava próximo da cidade de Lençóis, na Chapada Diamantina. O período mais próspero da extração de diamantes já havia passado, a partir da concorrência desleal que se estabelece com a descoberta das jazidas na África do Sul. Ainda assim, Lençóis mantinha grande prestígio no estado, dominada pela mão pesada do coronel Clementino de Matos – tio e antecessor de Horácio de Matos.>
A fazenda vai nomear o Instituto Ponte Nova. E em torno dele vai nascer uma nova cidade: Wagner. Assim batizada em homenagem ao alemão protestante Franz Wagner, fundamental no combate à grande seca que se abateu na região por prolongados anos. >
Hoje o município tem cerca de 9,5 mil habitantes e é conhecido pela grande Festa de Vaqueiro, que tradicionalmente acontece no mês de maio.>
Nova cultura educacional na Bahia>
O instituto, tocado pelos presbiterianos, criou uma nova cultura educacional no interior da Bahia. Uma das inovações foi abolir os castigos físicos, tão enraizados no período com a prática da palmatória. >
“No Instituto Ponte Nova, apesar do seu rígido regulamento, suas normas proibiam os castigos corporais para a correção do comportamento do aluno. A professora recebia a determinação que, ao invés de castigar, deveria desenvolver suas boas tendências, ao invés de reprimir as más”, escreve Ester Fraga Nascimento, professora doutora pela PUC São Paulo, em um ensaio sobre o colégio protestante.>
Nascimento reflete também sobre como a escola vai organizar o cotidiano dos alunos e também dos pais, criando não só novos hábitos, mas também formas de controle. >
A farda era composta por blusa branca (de manga comprida), gravata azul marinho, saia azul marinho (na altura do tornozelo), meias brancas e sapato preto. Os meninos usavam calças cáqui. Maquiagens, broches, pulseiras, brincos e fitas eram expressamente proibidos. Os cabelos das meninas deveriam estar sempre presos e limpos. E os meninos tinham que cuidar para manter seus uniformes impecáveis.>
A escola invadia o tempo para além da sala de aula, numa clara tentativa de disciplinar e catequizar a vida daqueles jovens sertanejos. “Enquanto as moças eram responsáveis pela limpeza do internato, da culinária, e da lavagem de suas próprias roupas, os rapazes cuidavam dos arredores, da horta, das roças de laranja, abacaxi, banana, mandioca, feijão e arroz, movimentavam o engenho, onde produziam mel e rapadura”, pontua a pesquisadora.>
O reverendo Neemias Alexandre, ex-aluno, professor e diretor do Instituto Ponte Nova, explica que o trabalho tinha um propósito dogmático. “A escola não tinha funcionários. Quem ajudasse trabalhando tinha desconto na mensalidade. Além disso, a filosofia educacional era da antropologia bíblica, que prega a tríplice dimensão religiosa: do corpo, da alma e do espaço social onde se vive. Ou seja, era fundamental a integração no espaço onde estávamos inseridos”, conta.>
Hoje aos 88 anos, Neemias Alexandre lembra de detalhes do período que atuou na entidade. “O instituto nasce a partir da necessidade que os presbiterianos entendem de que não havia mão de obra para tocar seus projetos no interior da Bahia. Então, eles resolvem formar estas pessoas e depois utilizá-las em outras missões de evangelização”, diz.>
O adeus depois de 100 anos>
Um destes novos projetos é inaugurado exatamente 20 anos depois da implantação do instituto. É o Grace Memorial Hospital, tocado pelo médico missionário Wagner Welcome Wood. O nome, inclusive, era uma homenagem à sua esposa, recém-falecida.>
O hospital era uma referência no tratamento de catarata, acidentes e infecções bacteriológicas. Sem concorrência na região, rapidamente o Instituto Ponte Nova e o centro de saúde se tornaram espaços de referência, fazendo de Wagner um importante polo na Chapada Diamantina. Nos anos seguintes, seria ainda construída uma escola de enfermagem e um auditório, batizado com o nome de James Wright. >
A partir de 1971, justamente no ano que se completaria 100 anos da chegada dos presbiterianos na Bahia, os missionários anunciam a saída de Wagner. O reverendo Neemias explica que não houve conflitos, mas sim o fechamento de um ciclo. >
“Apesar dos missionários reclamarem muito que não recebiam apoio do governo e que o projeto era muito custoso, o principal motivo para encerrar a empreitada foi que eles entenderam que tinham cumprido a missão por aqui. Tinham impactado fortemente a região, mudado o modo de vida, a alimentação, a crença e a forma de pensar. Isso deixou um legado muito grande, que até hoje repercute. Eles partiram para outros desafios, com missões em países asiáticos”.>
A escola passaria para o controle do estado e, posteriormente, da prefeitura. O hospital ficaria ao encargo da iniciativa privada, em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS). O que prova a importância e o legado destes equipamentos, mesmo cinquenta e quatro anos após a saída dos missionários presbiterianos.>
Essa coluna é dedicada à amiga Larissa Calixto, que morou em Dubai, embora seu coração seja eternamente um livro aberto para Wagner>