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Há mais de 100 anos, 'treta' entre grupos políticos fez Jequié virar capital da Bahia

Salvador virou palco de guerra civil e bombardeio destruiu parte significativa da cidade

  • Foto do(a) author(a) Gabriel Moura
  • Gabriel Moura

Publicado em 3 de março de 2024 às 07:00

Representação de Jequié em 1911
Representação de Jequié em 1911 Crédito: Revista do Brasil / Reprodução

Sessenta quilômetros de saveiro até Nazaré, desbravando Baía de Todos-os-Santos, mar aberto e rio Jacuípe. De lá, um trem percorrendo quase 100 quilômetros rumo a Ubaíra. Para finalizar, 80 quilômetros no lombo de burro até, finalmente, aportar na longínqua Jequié. Eis o trajeto percorrido pelos deputados e senadores baianos para trabalhar no fim de 1911. E o pior: após tanta baldeação, perceberam-se numa viagem debalde.

Em 22 de dezembro daquele ano, o então governador Aurélio Viana assinou um decreto transferindo a capital da Bahia para Jequié, então vilarejo no sertão com pouco mais de 10 mil habitantes. Por lá, em meio a um imbróglio jurídico, funcionou Executivo, Legislativo e Judiciário até 10 de janeiro do ano seguinte, quando um bombardeio a Salvador pôs fim ao complô sertanista.

Antes de explicar os motivos da decisão, é necessário esclarecer o cenário político da época. Quatro grupos políticos disputavam o poder no estado: vianistas, seguidores de Luiz Viana; severinistas, apoiadores de Severino Vieira; marcelinistas, partidários de José Marcelino; e seabristas, trupe comandada por José Joaquim Seabra, o J.J. Seabra. Além do quarteto, Ruy Barbosa mexia seus pauzinhos na terra natal, apesar do foco na política nacional.

“Era um cenário tenso, muito tenso, caracterizado por muita rivalidade e personalismo. Os grandes líderes baianos do período acabavam se confrontando porque faziam questão de manter uma autoridade política. Nisso, um entrava em choque com os outros”, contextualiza o historiador da Universidade Estadual de Feira de Santana, Rinaldo Leite.

A mudança de capital é fruto de um destes choques. Sentindo-se desprestigiado e sem força política, Araújo Pinho, eleito governador em 1908, renunciou ao cargo em 13 de dezembro de 1911. A lei determinava que Leôncio Galrão, presidente do extinto Senado Baiano, assumisse o cargo. Alegando motivos de saúde, ele recusou o posto, que caiu no colo de Aurélio Viana, presidente da Câmara dos Deputados.

Iniciou-se, então, um conluio para impedir que o favoritaço J.J. Seabra, queridinho do presidente Marechal Hermes da Fonseca, 'papasse' a eleição marcada para 28 de janeiro de 1912. Sob apoio de Ruy Barbosa, severinistas e marcelinistas, Aurélio assinou o decreto para mudar a capital no dia 22, ordenando que policiais ocupassem a Câmara em Salvador, impedindo o acesso dos parlamentares.

A intenção era provocar um caos político que resultasse na postergação das eleições. “A situação imaginava que essa medida também conteria a mobilização dos seabristas na capital. A ideia era que o grupo ligado aos severinistas e marcelinistas se mantivesse no poder, barrando a ascensão de Seabra ao poder”, completa Rinaldo Leite.

Jequié?

Antes de ser repentinamente alçada ao posto de capital do estado, Jequié era um entreposto usado por boiadeiros que rumavam do litoral ao sertão. Como o município só recebeu uma estação em 1927, a cidade era acessada apenas via cavalo ou embarcações pequenas que navegavam pelo Rio de Contas.

“A distância e dificuldade de acesso foram fundamentais para a escolha de Jequié como capital e reduto da resistência marcelinista. Longe de possíveis retaliações das tropas aquarteladas em Salvador, os deputados não lidariam com as consequências da Câmara ocupada na ‘antiga capital’”, narra Domingos Ailton, jornalista e secretário de Cultura de Jequié, versado na história da ‘Cidade Sol’.

Migraram para a “nova capital” apenas os parlamentares de situação, com os 15 deputados e um senador seabristas permanecendo em Salvador. Cem contos de réis foram investidos pelo governo provincial para garantir transporte e estrutura, com os deputados se reunindo no sobrado pertencente a Pedro Sessenta, na rua Félix Gaspar, enquanto os senadores ficaram com o prédio de Carlos Marota, na praça Luís Viana. Ambos os imóveis foram destruídos em uma enchente em 1914. Atualmente, casas comerciais funcionam nos endereços que um dia governaram o estado.

Charge dos parlamentares se deslocando até Jequié Crédito: Revista do Brasil / Reprodução

Por lá, os congressistas aliados do governador permaneceram por uma semana, mantendo a rotina de sessões na Câmara e Senado, explica Domingos Ailton.

Entretanto, todas as deliberações estabelecidas em Jequié foram anuladas pelo juiz federal Paulo Fontes após ação aberta pelo deputado seabrista Arlindo Leone. O governador Aurélio Viana – que a esta altura já era chamado de Aurélio Jequié pela imprensa oposicionista – desobedeceu a ordem judicial, alegando que a esfera nacional não deveria intervir numa decisão local.

Salve Salvador

Estabelecido o impasse jurídico, o grupo seabrista adotou a política com pouca saliva e muita pólvora. Aliado de J.J. Seabra, o presidente Marechal Hermes da Fonseca ordenou que o inspetor da 7ª Região Militar, general José Sotero de Menezes, instalasse uma “intervenção federal” para garantir o cumprimento da decisão do juiz Paulo Fontes.

Às 13h30 do dia 10 de janeiro de 1912 começou a circular pela Cidade Alta o seguinte boletim:

"O general Sotero de Menezes, inspetor da 7ª Região Militar, faz saber que, tendo o governo do estado se recusado terminantemente a obedecer o habeas corpus concedido pelo exmo. sr. juiz seccional, para que possam funcionar livremente, no edifício da Câmara dos Deputados, os congressistas convocados pelo exmo. sr. barão de S. Francisco, presidente em exercício do Senado, cumpre-lhe, em obediência à requisição do mesmo juiz federal com poderes competentes da República, fazer respeitar a execução dessa ordem, pela intervenção da força sob o seu comando, intervenção a que dará início dentro de uma hora."

Imediatamente o comércio, repartições públicas, consulados e até centros médicos foram evacuados. 13h40, o Forte São Marcelo disparou dois tiros de pólvora seca. 14h, a cidade de Salvador começou a ser bombardeada.

Foram atingidos o Palácio Rio Branco, que incendiou-se, Câmara de Salvador e Casa dos Governadores. O fogo atingiu a centenária Biblioteca Pública da Bahia, danificando mais de 30 mil volumes, incluindo livros raros e os primeiros jornais publicados no estado. O antigo Teatro São João e uma série de sobrados centenários da rua Chile também foram alvo dos disparos, que duraram aproximadamente 20 minutos.

Já canhões do Forte São Pedro dispararam durante quatro horas contra a sede da Cavalaria da Polícia Militar, nos Barris. Após a artilharia, a guerra civil seguiu com militares entrando em confronto contra policiais e guardas civis, provocando uma série de mortos e feridos. O Exército, por fim, conseguiu ocupar o Palácio do Governo.

Um dia depois, 11 de janeiro, Sotero de Menezes se reuniu com o governador Aurélio Viana “sugerindo” a renúncia do governador, que ocorreu às 14 horas daquele dia. Bráulio Xavier da Silva Pereira, presidente do Tribunal de Apelação e Revista, assumiu o governo. A primeira medida no poder? Transformar Salvador novamente em capital da Bahia.

Poema ironizou deputados que foram até Jequié; autor desconhecido Crédito: Reprodução / Hemeroteca Digital

Os dias seguintes foram marcados por protestos, conflitos e mortes. Aurélio chegou a se refugiar nos consulados da Venezuela e França, enquanto manifestantes pró-Seabra arremessavam dinamites na sede do Diário da Bahia, jornal pertencente a Severino Vieira, cujo edifício tombou.

Apesar do grande esforço político, viagem para Jequié no lombo de burro e bombardeio, a eleição ocorreu normalmente no dia 28 de janeiro de 1912. José Joaquim Seabra venceu a disputa como único candidato após marcelinistas e severinistas retirarem o nome de Domingos Guimarães do pleito de última hora.

J.J. assumiu o posto até 1916, em primeiro mandato. Posteriormente, governou entre 1920 e 24. Seabra atualmente dá nome a avenida em Salvador e a uma cidade, ironicamente, mais distante que Jequié.

Correio da Manhã narrando o bombardeio na edição de 12 de janeiro de 1912 Crédito: Reprodução / Hemeroteca Digital