César Romero: Engenhos do barro

No Museu Carlos Costa Pinto, Corredor da Vitória, a individual de Osmundo  Teixeira, composta de vinte e um trabalhos entre oratórios, presépios, Nossas Senhoras e Lapinhas, peças em cerâmica que surpreendem pela perfeição das formas e movimentos, leveza e poder encantatório. Fica em cartaz até 27 de fevereiro de 2012. A curadoria é de Veranice Gornik, da Galeria Prova do Artista, que estabelece como Museu uma parceria oportuna. A exposição leva o nome de O Mundo de Osmundo e nos revela um universo curioso, criado a partir de sua inventiva técnica, batizada de “casa de abelha”, que tem tradição secular e dispensa o uso de fôrmas. Nascido em Itabuna, em 1954, Osmundo não migrou. A cidade é seu laboratório, seu ponto referencial, sem esquecer que seu trabalho pertence ao mundo e que nele circula.

Iniciou-se em 1971 de forma autodidata, para depois entrar na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, diplomando-se em 1978. Antes,   estudou o barro brasileiro com Eduardo Etzel e fez curso ministrado pelo professor Valentin Calderón sobre Escultura Barroca, no Museu de Arte Sacra de Salvador. Depois de muita leitura e compulsão por conhecer o contexto cultural em que se criou o barroco, Osmundo é referência, funcionando, muitas vezes, como consultor no assunto.Um especialista nos preceitos da imaginária luso-brasileira. Conhecedor e  estudioso das técnicas de fabrico de terracotas. Osmundo Teixeira tem grande domínio na modelagem e técnicas de cozimento. Dedicação absoluta em busca  de qualidade na fatura, no desafio à gravidade e no elo entre o agora e nosso passado. Todo fazer em sua essência tem uma saudade, aquela lembrança nostálgica ou festiva das vivências antigas, que nos chegam aproximando  séculos décadas, anos e dias. A natureza  das coisas é sua essência, Osmundo aproxima essa premissa, trazendo o que foi, sua gênese, a outra realidade que vive no hoje em seu  trabalho. Testemunhas transportáveis de nossas tradições.O Criador deu forma ao homem do pó do solo, inspirou-lhe no rosto o fôlego da vida e o tornou ser vivente. Numa modelagem divina, Osmundo Teixeira dá ao barro da terra, no gesto engenhoso, imagens, conjunto delas, frontões, retábulos, oratórios, tanto em pequenas e médias dimensões como em  monumentalidade. Aperfeiçoou-se na fundação Gulbenkian, comestágio na   Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego, em Lisboa, Portugal. Concluído o curso, Osmundo morou em Portugal por oito anos. Surgindo em Roma, cultivado comesmero na Península Ibérica, o barroco atravessou o Atlântico nas tantas caravelas que vinham ao Brasil a partir de 1.500, trazido pelos colonizadores. Aqui se abrasileirou, tornou-se prolífero na Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O barroco brasileiro foi a manifestação inicial, nosso núcleo de formação de um patrimônio artístico e histórico, que deu uma identidade particular ao país. Assim, tornou-se de grande significado na cultura universal, testemunho eloquente da criatividade brasileira.Osmundo Teixeira é filho dramático do barroco. Traz novas proposições e novos cenários ao que antes era dado como definitivo. Sua contribuição se estabelece num neobarroquismo, na teatralização das releituras, nos acréscimos propositalmente beirando o desmedido. São coreografias compostas de encadeamento de movimentos, gestos, passos, torções, expressões faciais e  corpóreas, e profunda dramaticidade de panejamentos.As figuras, sacras ou não, têmmeticuloso plano arquitetônico. Anatomia  baseada em rigoroso estudo de proporções. Não há no trabalho de Osmundo Teixeira um sentimento intrínseco de religiosidade, mais transfigurações de sentido estético em renovadas releituras. Ele zela pelo bem feito, artesania impecável e constante desafio à gravidade. Cuida das minúcias, detalhes que por vezes passam despercebidos, mas de vital importância para ele, conhecedor de seu ofício. Todo seu imaginário é de poderosa sedução, estabelece imediata empatia como público, causando em todos o  encantamento.Uma energia vibrante que emociona nosso olhar.