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Da Redação
Publicado em 15 de novembro de 2016 às 08:00
- Atualizado há 3 anos
É consenso geral que a arte inspira a moda. Entretanto, uma questão ainda nos deixa a dúvida: moda é arte? Sabemos que as cores, formas e significados existentes neste mundo estão presentes em diversas expressões artísticas, como a música, a pintura, a dança. E quando esses elementos se apresentam nas passarelas em referência a um continente como a África, que possui mais de 50 países e é muito plural em diversidade étnica, cultural, estética e de ecossistema, fica ainda mais difícil a definição. Mas não é algo impossível!>
E no intuito de encarar o desafio de proporcionar essa e outras reflexões nas pessoas, o jornal CORREIO realiza no próximo domingo, Dia da Consciência Negra, a segunda edição do Afro Fashion Day, projeto que, através de um mega desfile, oficinas, feira e exposição, discorre sobre moda, identidade negra e o reconhecimento da importância das culturas africanas na formação e desenvolvimento da população brasileira. >
O evento gratuito, que em 2016 traz o tema O Grito das Ruas, começa às 9h do sábado com atividades de formação, como cursos e palestras sobre beleza, empoderamento, entre outros assuntos que se conectam as vivências de todos, como a arte e os seus desdobramentos.Renato Carneiro, da Katuka, vai desfilar, mais uma vez, suas peças no Afro Fashion Day (Foto: Angeluci Figueiredo/CORREIO)África: referências do cotidianoPara Renato Carneiro, da Katuka Africanidades, que é formado em Design de Moda e estuda Artes Plásticas na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), moda e arte dialogam sempre. “As culturas africanas não se dissociam da arte no cotidiano, presente na religião, nas peças de utilidade do dia a dia e em tudo, pois é algo transversal. Por isso, por exemplo, você tem um pote de colocar grãos que tem requinte na elaboração. Arte não precisa estar em um lugar específico, longe e produzido por alguns. Está na rotina, nas pinturas corporais, nos arranjos nos cabelos, nos panos amarrados. As próprias pessoas são obras de arte que circulam nas ruas. Esse é o grande barato”. >
Na coleção Assimetrias, trabalho que o designer levará para a passarela do Afro Fashion Day, o forte será na mistura de estampas que contemplam a diversidade do continente africano. “Assimetria é quando as coisas podem coexistir sem ser iguais, tendo uma imagem extremamente harmoniosa. A forma de combinar está embasada em uma ideologia, numa forma de compreender o mundo”, afirma Carneiro, que também luta no campo acadêmico para que a moda seja considerada uma possibilidade de expressão artística. A Afreeka existe desde 2014 com inspiração na África e na desconstrução de preconceitos através da moda (Foto: Fernando Gomes/Divulgação)Conexões mercadológicasRangell Santana, o Mobbiu, publicitário e artista da cena do hip hop baiano, conhecido tanto pelas suas produções nos segmentos da moda e da música, acredita que a arte está cada vez mais sendo utilizada em uma perspectiva mercadológica. Porém, não enxerga isso como algo negativo. “As marcas pegam produções artísticas e reproduzem. E isso não é ruim porque esses conteúdos oriundos da arte dialogam também com os sentimentos das pessoas. Um tênis com estampas de desenhos idealizados pelo Pharrell Williams para a Adidas, ou camisas com reproduções de imagens e frases de afirmação, como faz a LAB Fantasma, de Emicida e Fióti, proporcionam identificação nas pessoas”, acredita.>
O criador da Afreeka Urban Store, loja voltada para vestuário streetwear com o conceito de "vestir o mundo com as marcas da liberdade", afirma que há pouco tempo não pensaria na moda como um espaço a ser ocupado como campo artístico, mas agora sim. “Os artistas estão muito mais independentes. Pensam: posso fazer e não preciso me encaixar na indústria”.>
Leia mais sobre o Afro Fashion DayArticuladora cultural utiliza as ruas para expressar a sua liberdade poética (Foto: Angeluci Figueiredo/CORREIO)Influências urbanasA grafiteira Sista Katia, que esbanja estilo e consciência sobre cultura urbana, acredita que as as ruas têm ditado o que aparece nas passarelas. “O soft ghetto tem sido muito absorvido na indústria da moda, numa perspectiva de observar o que o gueto produz”. Para ela, o grafite possui um universo de personalidade que gera conteúdo de formas infinitas. “É como uma estampa no corpo da cidade”, ressalta.>
Sista salienta que essa “estampa” reflete o modo como enxergamos os locais que transitamos. “A cidade já absorveu isso, que tem relação com a moda, e se alguém não entende, fica ultrapassado. O grafite dialoga com o tempo e a moda prevê as tendências e como as pessoas vão se comportar através do vestuário”.Articuladora cultural utiliza as ruas para expressar a sua liberdade poética (Foto: Angeluci Figueiredo/CORREIO)Beats com conceitoPara o DJ Mauro Telefunksoul que segue este ano no comando da trilha sonora do Afro Fashion Day, com beats eletrônicos da bass music e um estilo afro contemporâneo mesclado à clássicos baianos remixados, o processo criativo de produção de uma música pode e deve “ser considerado arte”. “Ficar em uma sala de frente para um computador para criar uma música de apenas quatro minutos leva às vezes quatro dias, mas também pode surgir em quatro meses. No caso de um desfile, como o AFD, é preciso muita pesquisa, porque a trilha tem de somar. É conceitual. Uma coisa feita para impactar, ser diferente e, ao mesmo tempo, ter harmonia”.>