Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

As mulheres de Pantanal continuam cozinhando, fofocando, correndo atrás de homem e só

  • D
  • Da Redação

Publicado em 20 de agosto de 2022 às 11:00

. Crédito: .

Dizem que tiveram toda a liberdade do mundo pra adaptar essa novela aos tempos atuais. Então, fizeram o que acharam importante para que tudo ficasse mais crível. Botaram internet nas fazendas, trouxeram a preocupação com o meio ambiente, incluíram personagens negros, tratam a questão da homofobia e deve ter mais um monte de atualizações necessárias que, como não assisto todo dia, posso não ter visto.

A ideia é você acreditar que aquilo tudo acontece hoje em dia e não há "hoje em dia" possível sem o reposicionamento em relação ao que éramos há 32 anos, quando a primeira versão de Pantanal foi ao ar. Porque evoluímos, em muitos aspectos. O pensamento humano, felizmente, não fica no mesmo lugar. Modos e costumes mudam. Não seria possível reapresentar essa obra, pretendendo contemporaneidade, sem uma revisão de enredos paralelos, discursos e personagens.

Nesse movimento de atualização, há até a inclusão de falas, digamos, feministas. Da boca daquelas mulheres fictícias saem ideias contemporâneas, claro. Mas, nesse assunto, o discurso segue apartado da prática. Não se mexeu um milímetro no lugar ocupado pelo feminino que segue sendo apoio, enfeite, "coadjuvância", área de serviço, cama e cozinha. Ainda que, num primeiro olhar, elas pareçam, também, reposicionadas, veja: na prática, assim como na primeira versão, as mulheres de Pantanal continuam cozinhando, fofocando, correndo atrás de homem e só.

Ou seja, em 2022, a ficção tá aí provando que - diferente de temas como racismo, homofobia e meio ambiente - o lugar social da mulher não mudou quase nada. A novela é um sucesso, atualíssima, e apenas reflete a realidade do que se espera de mulheres. A prova disso é que sequer há um estranhamento da audiência que lida na maior naturalidade com indivíduos do gênero feminino transitando, exclusivamente, nos ambientes que sempre nos foram "permitidos". De um jeito mais contemporâneo? Pode ser. Mas no mesmíssimo lugar.

Seja "apaixonadas", seja cuidando do conforto doméstico deles ou dando opinião na vida deles ou até brigando com eles, é sempre como se a vida deles fosse a coisa mais importante na vida delas. Todas são coadjuvantes. A única que tinha uma vida própria era a amante de Tenório - que, pelo menos, cuidava da profissão dela em São Paulo - mas também acabou que se enfiou na fazenda. Outro dia, tava preocupadíssima em aprender a mexer no fogão a lenha e mostrar que é "boa de cozinha". Agora, parece descontente e ensaia uma cumplicidade com a ex dele, injustiçada.

Naquela fazenda, Guta que é a "feminista oficial". Mas o "feminismo" dela é só dizer que "não sei cozinhar" e mandar uns discursos de "empoderamento" e defesa da mãe. Porém, quando a mãe foi enxotada de casa, ela ficou com o pai. Não trabalha, não se interessa pelos negócios, não faz nada. Os irmãos que acabaram de chegar já estão mais inteirados. Nem pra aprender a pilotar o avião da família ela se anima. Uma coisa que é simples, na novela. Joventino mesmo, que é até lerdo, aprendeu em uma semana. Mas ela não. Nem pilota nem faz absolutamente nada além de lamentar (de longe) pela mãe e suspirar por macho. Isso tudo, na aba do pai. Ou seja, nada de novo. Mesmo lugar.

Maria Bruaca que é a "heroína" da novela. Mas a trajetória insurgente, que precisava (muito!) ser redesenhada, passa, em todos os momentos, pela relação dela com homens. Abusada pelo marido, se vinga transando com os peões. Errada não estava, a pessoa precisa de diversão. Daí, é expulsa da fazenda e encontra algo pra chamar de "liberdade" no ir e vir da chalana. Só que é acompanhando outro homem, na profissão dele que é pilotar aquele barco. Da chalana, volta pros braços de Alcides que é quem vai "resolver" o problema dela (do jeito deles lá), matando Tenório porque nem o tiro ela acertou dar. Entenda, ela não decidiu por não atirar. Errou o tiro. A dois metros do alvo. Pense.

Juma - assim como Zuleica - começou num caminho bom na amotinação dela que, pelo menos, foge para a tal "tapera" e fica com "reiva" de quem quer mandar nela. Aí, a audiência rejeita "a mulher selvagem", evidentemente. Danam a falar mal, acham "chata". Talvez gostem quando ela aceita os conselhos do Velho do Rio que até mandou ela ir casar e ela foi. Homem no comando. De novo.

O povo também deve ter gostado de quando ela botou Zé Lucas na tapera e ele tava consertando a casa e "protegendo" ela, ainda que ela conheça aquelas terras mais do que ninguém. Ele ficou com "o trabalho de homem" e Juma foi para a cozinha. Agora, que ela tá hospedando Maria, as duas só fazem cozinhar e comer. Que é o que mulher faz, né? As paredes continuam precisando de reboco até hoje.

Zé Lucas, então, sai do meio do mato, vai pra a cidade grande e vira a menina dos olhos de um tal partido que quer que ele se torne político. Ideia do pai da moça que disse que ia tirar umas fotos no Pantanal, mas o que fez foi só transar e engravidar de Zé Lucas. Coadjuvante o tempo todo, ela. Tá ali só mesmo apoiando a trajetória do personagem de Irandhir Santos que é ótimo. Ela com nenhuma relevância. Esqueci até o nome da menina.

Também não lembro o nome da idosa da casa de Zé Leôncio. O que ela faz é apenas dar palpite. De Irma não se sabe nada além de que ela já foi apaixonada por Zé Leôncio, já quis pegar Zé Lucas e acabou prenha de Trindade. Essa pessoa vivia como, antes de ir pro Pantanal? Fazia o que da vida, gente? Aí, tem a Muda esfregando uns panos e cortando uns temperos, Filó grata que o fazendeiro tirou ela "da vida" e assim se acabam as histórias das mulheres da novela. Nada que interesse.

Não tem mulher em comitiva, nenhuma pega marruá. Não tem uma fazendeira na região. Dizem que Maria vai assumir a fazenda, no final, como triunfo. Grandes coisas. A fazenda já é dela desde o começo, mas ela só sabia que era dona do fogão. Nenhuma pensa em nada além dos assuntos domésticos e "amorosos', não tem uma conversa que não inclua homens.Nem uma viola tocam, nem cachaça bebem, nem um cigarro de palha fumam, nem uma festa boa são capazes de dar. Todo mundo acha isso normal. Por isso que tá assim lá.

Agora, faça um exercício: transforme, na sua cabeça, todos os personagens masculinos em femininos e vice-versa. Mantenha o enredo inteirinho. Aí, me diga, honestamente, se, com essa troca de cadeiras, a novela continuaria fazendo sentido. Não continuaria. É impensável que homens estejam nesses lugares que parecem naturais quando são vidas - ainda que fictícias - de mulheres. Ninguém acreditaria na novela. Porque não são vidas. São apêndices de vida alheia é, por mais que o tempo passe, ninguém estranha nada. São apenas mulheres, afinal. Que ano é hoje? Os autores sabiamente entenderam que, no que se refere ao feminino, a vida real é "de época", cafonérrima e ainda demora a melhorar.