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Flavia Azevedo
Publicado em 23 de setembro de 2025 às 06:00
Wagner Moura vive um momento intenso. Enquanto O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, no qual é protagonista, representa o Brasil na corrida pelo Oscar 2026, o ator retorna aos palcos após 16 anos com Um Julgamento, depois do Inimigo do Povo. A estreia, em 3 de outubro, será no Trapiche Barnabé, espaço histórico de Salvador que agora inaugura sua área dedicada ao teatro. Inspirada em Ibsen, a peça coloca o público no papel de júri: a cada apresentação, os espectadores decidem o destino do protagonista e o desfecho muda de acordo com o veredito. Entre ensaios e viagens internacionais, Wagner conversa nesta entrevista exclusiva sobre cinema, teatro, paternidade, identidade, liberdade de expressão e o preço de falar a verdade.>
Flavia Azevedo - O Agente Secreto foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil no Oscar 2026, na categoria de Melhor Filme Internacional. Isso significa que, agora, estamos em campanha. Como você vive esse momento, junto com a estreia de Um Julgamento, depois do Inimigo do Povo?>
Wagner Moura - Estamos todos em campanha, tentando lutar ao máximo em todos os lugares possíveis, mas a gente não esperava. Achávamos que o filme ia fazer um certo sucesso em Cannes, mas não esperávamos a bombação que foi. Isso antecipou muito a campanha. Ele entrou logo no circuito que faz o percurso certinho pra bater na premiação do Oscar no final do ano. Então está tudo certo, o que acontece é que eu estou fazendo a peça e não ia largar. Então o que me propus a fazer, tanto com o Kleber quanto com a Cris, é me desdobrar em 50. Por exemplo, nessa semana vou para Zurique, de lá vou para Nova Iorque, volto pra cá e dois dias depois eu estreio a peça. Vai ser assim, é loucura. Achei que ia passar dois meses ensaiando e, na verdade, foi um mês em 10 dias.>
O filme estreia nos cinemas brasileiros em 6 de novembro. Como você enxerga o desafio da recepção nacional entre crítica, público de arte e público geral?>
Eu acho que vai ser massa, que as pessoas vão curtir, acho que vai encher, vai ser sucesso de público. O tanto de gente que me pergunta quando estreia, que dia vai ser... Já teve sessões aqui em Salvador, para qualificar para concorrer ao Oscar, mas foi uma maluquice: vendeu em dez segundos, o povo ligando. Então eu acho que vai bombar. E o filme é muito bom mesmo. Esse é o melhor filme de Kleber, que é o cara, eu amo todos os filmes dele.>
Algumas críticas apontam que filmes sobre regime militar no Brasil hoje correm o risco de repetição temática. Como acha que O Agente Secreto se diferencia de outras obras sobre o mesmo tema, seja em estética, narrativa e/ou abordagem?>
É bem diferente. No filme de Kleber, meu personagem é uma pessoa como a gente e sofre os efeitos de um regime totalitário não por querer derrubá-lo, mas só por ser quem é. Ele não abre mão dos valores que tem. Quer ser do jeito que é, não se dobrar. Acho que isso fala com muita gente; é uma abordagem diferente tanto do meu filme Marighella quanto de Ainda Estou Aqui, com aquela mulher valente que correu atrás da certidão de óbito do marido. Além disso, O Agente Secreto tem o jeito de Kleber ver o cinema e os personagens, que é único. O cinema dele é muito especial. Às vezes você acha que vai acontecer algo terrível a qualquer momento, e numa cena banal, ele cria uns climas, umas coisas que são da linguagem cinematográfica dele. É um filmaço. >
Wagner Moura
AtorVocê já atravessou a barreira do cinema nacional para o internacional e tem reconhecimento fora do Brasil. O que lhe parece mais difícil: convencer o mundo de que temos produtos de qualidade ou convencer o Brasil do valor do cinema nacional?>
Convencer o Brasil do valor do cinema nacional. Infelizmente. Não “o Brasil”, mas uma parte dele. Um país que foi colonizado, primeiro pelos portugueses e depois culturalmente pelos americanos, e muitos de nós crescemos achando que o que fazemos não vale muita coisa, que somos subdesenvolvidos, e esse tipo de pensamento ainda perdura. Se deu certo, é porque há “alguma coisa errada”...>
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Em O Agente Secreto, seu personagem vive sob constante risco e encontra no filho pequeno uma âncora emocional. O que da sua experiência real como pai de três filhos (Bem, Salvador e José) você levou para construir esse vínculo na ficção?>
Ahhh, tudo! Tudo! As pessoas perguntam muito: “O que esse personagem tem a ver com você?” Eu vejo às vezes as pessoas dizerem: “Ah, a Camila é muito diferente de mim”... Mas, para mim, os personagens sou eu. Todos eles. Tudo que está ali são coisas que eu sinto. Não são coisas que vivi, mas o que eu faria se estivesse ali. Ser pai é a coisa mais importante da minha vida, talvez mais do que ser artista. A paternidade é um tema super forte em O Agente Secreto. Então, está tudo ali.>
Você e Sandra, que é fotógrafa e cineasta, criam três filhos - de 19, 15 e 13 anos - nos Estados Unidos, em um ambiente cultural muito diferente do que viveram em Salvador. Qual é o eixo central da educação que oferecem a eles, e que valores consideram inegociáveis?>
Empatia, olhar para as pessoas como pessoas. Respeito, acima de tudo, às mais velhas. Ser gentil com as pessoas, com as mulheres. Eles são três meninos, e existe uma onda muito forte de misoginia na internet. Outro dia eu vi a série Adolescência e fiquei, tipo, car@lho! Então, ficar atento a isso, não deixar essas coisas entrarem no dia a dia deles.>
Vocês estão conseguindo?>
Sim, eles são bons meninos. Meus filhos são muito bons meninos. Eles nos ensinam muita coisa, porque são de uma época diferente da minha. Eu cresci em um mundo muito machista, no sertão da Bahia e depois em Salvador. As próprias mulheres assumiam o machismo como normal. Hoje, meus filhos me ensinam sobre machismo e homofobia. Por exemplo: meu filho do meio tinha um crush numa menina, no ano seguinte ela virou um menino e esse menino virou melhor amigo dele. Na minha época, isso não existia. Então aprendo muito com eles sobre o mundo.>
Você fez críticas públicas ao governo Trump e, como consequência, recebeu ataques e até sugestões de que poderia perder o visto. Morando nos Estados Unidos, como equilibra a liberdade de expressão e o risco de represálias nesse terreno minado?>
O terreno é minado. A liberdade de expressão nos EUA está em perigo. Com Trump dizendo que toda opinião contra ele terá consequências, o que é isso? Eu não acho que disse nada de outro mundo, apenas observei os fatos e exerci meu direito de falar. Quando protestamos contra discurso de ódio, dizem: “Não, tem que ter, porque as pessoas têm que se manifestar”. Eu não manifestei discurso de ódio. Fiz uma observação factual. Se me punirem por isso, vou lutar contra, mas não vou deixar de dizer o que penso.>
Wagner Moura
AtorA peça tem a ver com isso de falar a verdade.>
Exatamente. A peça é sobre você dizer o que tem que dizer e aceitar as consequências. A verdade não vem sem consequências. Nunca vem.>
As universidades federais brasileiras, inclusive a UFBA, vivem um ambiente marcado por disputas ideológicas e identitárias. Você acompanha isso?>
Não tenho acompanhado muito. Imagino que as pautas identitárias devam estar fortes, e acho isso importante. Mas como sou uma pessoa de esquerda mais antiga, acho que não podemos perder a perspectiva da luta de classes. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. As pautas identitárias devem seguir, mas sem esquecer que vivemos num país desigual, e essa luta é muito importante.>
Wagner Moura
AtorVocê acha que, para alcançar o sucesso, além do trabalho, é necessário também acreditar que se merece esse sucesso? Você já duvidou?>
Acho que todos vivemos isso. A cada peça, penso: “é agora que vão descobrir que eu sou uma fraude total” (risos). Mas isso passa com o tempo. Não pelo sucesso ou visibilidade, mas pelo amadurecimento de vida. Vou fazer 50 anos, não dá mais para passar tanto tempo duvidando de mim. Também tenho menos expectativas. Dou o que tenho, e é isso que me acalma. Esse processo de viajar muito me ensinou: queria ter dois meses só pra ensaiar, mas não tenho. É o que é. Então vai ter que ficar bom assim, e será do jeito que é. Você ganha isso com experiência de vida, não com notoriedade. >
Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida>
Sobre a peça:>
Um Julgamento, depois do Inimigo do Povo é uma releitura contemporânea do clássico de Henrik Ibsen, desenvolvida por Christiane Jatahy e Wagner Moura. A trama acompanha Thomas Stockmann, médico e cientista que descobre a contaminação das águas do Balneário Termal de sua cidade e, ao tentar alertar autoridades para proteger a população e turistas, enfrenta a condenação como “inimigo do povo”, acusado de prejudicar economicamente a cidade e desconsiderar a opinião da maioria. Mesmo mais de um século depois de sua criação, a narrativa mantém sua pertinência, abordando temas como verdade, fake news, ciência, democracia, ecologia e cancelamento, e explorando o conflito entre integridade moral e interesses econômicos. No elenco, Wagner Moura interpreta Stockmann, ao lado de Júlia Bernat como sua filha Petra e Danilo Grangheia como seu irmão Peter, com participações audiovisuais de Marjorie Estiano, Jonas Bloch, Tatiana Henrique e dos filhos de Wagner, Salvador e José Moura. A direção de Jatahy, em colaboração com o roteirista Lucas Paraizo, se apoia na cenografia e iluminação de Thomas Walgrave, nas projeções de Julio Parente, no figurino de Marina Franco e na fotografia de Paulo Camacho, criando uma experiência que mescla teatro e cinema e convida o público a refletir sobre ética, poder e responsabilidade.>
Local: Trapiche Barnabé (Av. Jequitaia, 5 – Comércio, Salvador)>
Datas: 3 a 12 de outubro de 2025>
Horário: consultar programação no Sympla>
Ingressos: R$ 30 (inteira) | R$ 15 (meia)>
Venda online: sympla.com.br>
Elenco: Wagner Moura, Julia Bernat, Danilo Grangheia, com participações audiovisuais de Marjorie Estiano, Jonas Bloch, Tatiana Henrique e dos filhos do ator, Salvador e José Moura>
Direção: Christiane Jatahy>