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Flavia Azevedo
Publicado em 22 de setembro de 2025 às 06:00
O Carnaval de Salvador foi oficialmente reconhecido como manifestação da cultura nacional pela lei nº 15.196/2025, sancionada no último dia 8. À frente da Saltur desde 2015, Isaac Edington acompanha de perto os desafios de gerir a festa que reúne mais de 16 milhões de pessoas em duas semanas e movimenta toda a economia criativa da Bahia. Nesta entrevista, ele fala sobre o impacto do novo status da festa, os debates sobre os circuitos, o uso de tecnologia e sua visão para o futuro do carnaval.>
Flavia Azevedo - Por meio da lei Nº 15.196/2025, sancionada no último dia 8, o Carnaval de Salvador passa a ser oficialmente reconhecido como uma manifestação da cultura nacional. O que esse reconhecimento significa para a cidade e para quem constrói a festa?>
Isaac Edington - Esse reconhecimento é super importante para fortalecer ainda mais o nosso carnaval como um produto que tem um posicionamento importante no mundo. O reconhecimento oficial do governo brasileiro reforça ainda mais esse posicionamento, mostrando que de fato é a maior festa popular, o maior carnaval do planeta. Para Salvador e para o estado da Bahia, é a manifestação cultural que mais gera promoção da cidade e do estado, que gera dividendos, fortalece o turismo e desenvolve a economia. É nosso ativo, talvez um dos principais ativos imateriais que temos na cidade. Com certeza, o maior ativo da indústria criativa brasileira é o carnaval, sobretudo da indústria criativa de Salvador.>
O que torna o Carnaval de Salvador diferente de todos os outros carnavais do mundo?>
O Carnaval de Salvador é único pela diversidade de ritmos, cultura e liberdade. É democrático e popular, feito para todos os gostos e bolsos, alcançando toda a cidade, incluindo suas três ilhas. Atende desde ambulantes até grandes camarotes e reflete a alegria, descontração e paz do povo soteropolitano. Com 16 milhões de pessoas e praticamente nenhum incidente grave, é o carnaval mais organizado do mundo, apoiado por um aparato de serviços públicos que só Salvador conseguiu desenvolver ao longo dos anos.>
Nosso Carnaval também já foi reconhecido pelo Guinness como a maior festa profana de rua do planeta. Para se manter nesse lugar, imagino que sejam necessárias atualizações a cada ano. O que podemos esperar de novidades para 2026?>
O esforço para melhorar o carnaval é constante. A cada ano implementamos ajustes e novidades para que a festa continue crescendo e se aprimorando. Não posso antecipar todos os detalhes, mas podemos esperar que a inovação esteja presente em logística, operação e experiências para o folião. O Carnaval de Salvador não se repete: a cada edição ele se renova, e isso é parte do nosso compromisso em manter a maior festa de rua do mundo com excelência.>
Carnaval de Salvador
O circuito Barra/Ondina segue como um ícone, mas existem debates sobre a inviabilidade desse circuito pelo tamanho dos trios e quantidade de foliões. Como o senhor tem tratado esse tema?>
O circuito Barra/Ondina atende às necessidades do carnaval até o momento. Fizemos várias adaptações, e a prova disso foi que tivemos o maior carnaval de todos os tempos, e o circuito funcionou normalmente. Fizemos diversas adaptações logísticas na operação para que o carnaval pudesse ser cada vez mais fluido, organizado e estruturado. Certamente, o circuito Barra/Ondina ainda oferece total condição para fazermos o Carnaval de Salvador ainda melhor no próximo ano.>
Isaac Edington
Presidente da SalturMas há quem defenda a permanência na Barra e quem sugira a transferência integral do Carnaval para a orla ou até para o CAB. Como essas opiniões são tratadas dentro da Saltur?>
Foi ventilada a possibilidade não de transferência, mas de ampliação, onde os grandes equipamentos iriam para um espaço interessante na nova orla de Salvador, e o espaço da Barra/Ondina seria transformado num formato mais intimista. Porém, não houve consenso entre os próprios operadores do carnaval, artistas e algumas entidades discordaram da proposta, e o projeto demorou a ser concretizado. Com o tempo, acabou não sendo realizado. Conseguimos realizar, depois dessa discussão, o carnaval no circuito Barra/Ondina sem nenhum problema. Portanto, essa discussão fica suspensa neste momento, para o futuro, quando houver necessidade de ampliar o circuito.>
Além da festa em si, como o Carnaval atua na economia de Salvador durante todo o ano?>
O carnaval tem outra característica importante: o envolvimento é tão pujante que existe um ecossistema inteiro ligado a ele, beneficiado não apenas durante a festa, mas o ano inteiro. Além disso, é um dos maiores exportadores da nossa cultura e arte para o mundo e para outras cidades brasileiras. Gera emprego e renda para todo o ecossistema que vive de atividades direta ou indiretamente ligadas ao carnaval. É uma atividade econômica de extrema importância para a geração de emprego e renda das pessoas, das organizações e dos empresários de Salvador. >
Isaac Edington
Presidente da SalturAo longo do tempo, vimos o surgimento dos “portais” e outros recursos tecnológicos na festa. De que forma a tecnologia pode transformar ainda mais a experiência do folião, seja em logística, segurança ou mobilidade?>
A cada ano implementamos ainda mais tecnologia para melhorar o carnaval. Já pelo segundo ano consecutivo utilizamos inteligência artificial para nos ajudar, e é o único evento no Brasil com esse mecanismo para auxiliar no fluxo de controle de público. Dispomos de monitoramento 24 horas por GPS em todos os equipamentos do circuito, acompanhados por nossa equipe em tempo real. Temos uma equipe de logística dedicada 24 horas para todo o processo tecnológico e de movimentação dos equipamentos, que é muito complexo. Na área de mobilidade urbana, há inovação com os portais, onde existe um controle tecnológico automatizado de acesso aos circuitos, feito com adesivos e chips que ordenam a movimentação de veículos nos bairros do entorno. Existe muita tecnologia embarcada que só o Carnaval de Salvador proporciona, garantindo mais conforto ao folião, além de todos os serviços públicos da festa que movimenta 16 milhões de pessoas durante 14 dias.>
Por trás da festa grandiosa, pesquisas apontam desigualdades, segregação de espaços, precarização do trabalho, impactos ambientais e problemas de segurança. Como o senhor enxerga esses pontos e o que pode ser feito para enfrentá-los Carnaval?>
Existe uma preocupação muito grande da prefeitura com relação aos serviços realizados no carnaval. Fazemos vultosos investimentos para atuar na proteção ambiental e nos processos de reciclagem. Somos a única cidade do Brasil que consegue mitigar os efeitos estufa de todos os equipamentos, trios elétricos, grupos geradores e veículos que trabalham a serviço do carnaval da prefeitura. Todos esses equipamentos, grupos geradores dos portais e bairros são neutralizados com crédito de carbono. Além disso, há preocupação social: temos aparatos que beneficiam ambulantes, catadores, filhos de trabalhadores, com centros de acolhimento e alimentação. Existem espaços acessíveis para cadeirantes, idosos e para que todos possam participar. Esses serviços são aprimorados a cada ano, e neste ano teremos ainda mais avanços para melhorar todos os processos relacionados à promoção social e acolhimento durante o carnaval. >
Isaac Edington
Presidente da SalturMuito se fala sobre a necessidade de um Plano Diretor do Carnaval. Essa ideia está no horizonte da Saltur? O senhor acha que há essa necessidade ou que o que temos de regulamentação já é suficiente?>
Já existe o master plan do carnaval, com equipe dedicada à operação, trabalhando 24 horas, monitorando tudo o que acontece, fotografando espaços e estruturas, catalogando processos. Após o carnaval, esse levantamento é concluído, revalidado e reiniciado para efetuar melhorias no circuito e controlar tudo que interfere na operação. É um projeto muito bem-sucedido, com uso de tecnologia e geoprocessamento em parceria com a Secretaria de Acolhimento e a SEDUR. Salvador é a única cidade do Brasil com esse processo completamente estruturado, tanto na infraestrutura quanto no pré-planejamento do conteúdo e atrações. Temos orgulho em dizer que o Carnaval de Salvador é o evento de grande porte mais organizado do Brasil.>
Se pudesse projetar o futuro, como imagina o carnaval de Salvador em 2036?>
Não tenho dúvida de que o Carnaval de 2036 terá ainda mais avanços, melhorias em todas as áreas, aprimoramento dos serviços públicos e do fluxo. Será um carnaval mais organizado, estruturado e ampliado, capaz de dar vazão ao crescimento anual. Com certeza irá gerar ainda mais desenvolvimento econômico, melhorar a qualidade de vida da cidade e continuar servindo como grande instrumento de promoção e atração turística para Salvador.>
QUEM É - Isaac Edington é Administrador de Empresas, pós-graduado em Psicologia Organizacional, com formações executivas em Gestão Responsável para Sustentabilidade (Fundação Dom Cabral) e Estratégia de Negócios para Sustentabilidade (Stanford Business School). Desde 2015, é presidente da Saltur, responsável pela gestão da Plataforma de Eventos de Salvador, incluindo Carnaval, Festival da Virada, Primavera Salvador, Maratona Salvador e Festival da Cidade. Entre 2013 e 2014, foi Secretário da Copa do Mundo da FIFA 2014 em Salvador. Atualmente, integra conselhos municipais e estaduais de turismo, mobilidade e sustentabilidade, é curador do Fórum ESG Salvador e coordenador do Movimento Salvador Vai de Bike.>
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