Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Extra! Extra! Não sofrer no climatério também é normal!

O ginecologista - zero famoso e bem competente - concorda comigo em gênero, número e grau

Publicado em 20 de julho de 2024 às 11:00

Há um tempo, descobri uma técnica que me permitia não usar absorventes e, mesmo assim, não ‘vazar’, quando estava menstruada. Era basicamente, aumentar a ingestão de água e fazer mais xixi. Aí, em cada ida ao vaso sanitário, a mulher despeja também o sangue menstrual. É divertido e comigo funcionou bem. Só que chegou meio tarde. Aproveitei pouquíssimo porque, logo depois, aos quase 50 anos, comecei a sangrar em meses alternados e em menor quantidade.

Ao mesmo tempo, também passei a ter ondas de calor, um supercansaço e novas dores no corpo, além daquelas que já existiam na cervical. ‘Deve ser o climatério’, pensei. Mas só confirmei na semana passada, no exame clínico do ginecologista que procurei, principalmente, por medo de gravidez nessa fase em que meus ciclos devem ter alguma lógica, mas ela me escapa. Engravidar nessa idade “é raro, mas acontece muito”, segundo Mainha, e continuará sendo possível - de acordo com o médico - até daqui a cinco anos, quando se consolidará a menopausa. Cren-deus-pai.

Tenho muitos planos, mas parir outro filho não é um deles. Também não gostaria de precisar fazer meu primeiro aborto logo agora, nessa idade. Só que tô num relacionamento fixo heterossexual, nunca tomei nem vou tomar anticoncepcional, não quero usar DIU de novo e acho burrice passar por uma cirurgia de laqueadura a essa altura do campeonato. Então, como não consegui sair dessa encruzilhada sozinha, fui me aconselhar com um ginecologista. Zero famoso, claro, que eu não sou otária.

Tudo bem, já encontramos a solução que serve para o meu caso. Como essa era a única coisa que me preocupava, volto à vida normal. Em pleno climatério confirmado. Mas sem reposição hormonal, sem ‘tratamento’, sem chá de amora, sem ômega 3, sem nada que me vendem a cada post sobre o tema nas redes sociais. Também sem drama, sem comprar o peixe de que “mulher sofre demais”. Apenas vivendo minha vida, secando meus suores, lidando com os outros sintomas e achando tudo bem administrável. Inclusive, vai passar.

(O ginecologista - zero famoso e bem competente - concorda comigo em gênero, número e grau.)

(Ele, assim como muitos outros profissionais, também associa o uso indiscriminado de 'terapias hormonais' ao surgimento de cânceres. Procure se informar.)

Não odiei nem amei menstruar, todo mês, durante 40 anos. Também não tô odiando nem amando o climatério e é sobre isso que quero falar. Especificamente, sobre a possibilidade de não acreditar que precisamos problematizar e medicalizar o que é funcionamento normal do corpo humano. Isso, apesar do intenso bombardeio de ‘soluções’ que só fazem tanto sucesso porque há todo um mercado criando ‘problemas’ e ‘necessidades’, botando defeitos em corpos de mulheres saudáveis. Dizendo, mais uma vez, que precisamos de ‘interferências’. Também (e principalmente) nessa idade.

(Observe que estar no climatério, mesmo com muitos sintomas, não significa, necessariamente, não estar saudável. Se chegamos até aqui, me parece exatamente o contrário.)

É nesse ponto que perco a sua simpatia se você é uma mulher (ou pessoa com útero e ovários) que tem dificuldade real com os ciclos da idade adulta. Mas só se você parar de ler. Continuando, vai perceber que minha crítica não mira a sua dificuldade ou escolha pessoal e sim todo um ambiente que, cada vez mais, nos faz acreditar na ideia de que nossos corpos serem problemas é a regra e não exceção. Percebe o absurdo? Pois é. Incrivelmente, tem muita gente acreditando nessa embromação.

Veja: é óbvio que algumas pessoas têm questões específicas (físicas e/ou psíquicas e/ou sociais) que podem dificultar esses processos. Por exemplo, a ‘pobreza menstrual’ é um fato. Também já vi amiga desmaiar de dor, durante a menstruação, por causa de endometriose e, outro dia, soube do caso de uma mulher que tinha ideação suicida porque passava por mais de 50 fogachos por dia, durante o climatério. Sim, essas situações extremas existem e precisam de atenção.

Outras pessoas apenas não querem viver os processos do corpo que habitam, morrem de medo de envelhecer e estão medicadas para se alienar. Nesses casos, acho que uma boa psicoterapia ajudaria mais. Mas, tudo certo. Cada um é o que consegue ser. Porém, lidar bem com tudo isso, não ter problemas relacionados aos nossos ciclos naturais, também é uma possibilidade. Compreender os sintomas, viver todos os amadurecimentos com tranquilidade, respirar. Esse modo também tem lá sua graça e, para escolher um caminho, todas nós precisamos estar bem informadas.

Por exemplo, de que não sofrer no climatério também é normal. Mais do que isso, na maioria das vezes, o sofrimento é opcional. Dá pra viver esse momento com leveza, mesmo sem qualquer ‘tratamento’ famoso, moderno e caro. Mesmo sem fazer nada. Mesmo sem investir rios de dinheiro em busca da Terra do Nunca (mais). Inclusive, aproveitando o sacolejo pessoal pra atender a esse chamado que a vida nos faz. Quer ser mãe? Quer recomeçar a vida em outro país? Quer mudar de profissão? Pois, no climatério, o corpo tá avisando: “se o projeto for de longo prazo, comece agora ou não vai rolar”. Ou seja, busque se aproximar de onde - e como - o ‘para sempre’ lhe parecer mais agradável.

É uma explícita marcação de tempo. Na carne. Mesmo que quisesse, não posso mais me enganar. Pois bem mais do que os sintomas, tenho valorizado os recados. O que me diz esse novo cansaço? Não é bonito que seja menos fôlego e mais know how? Não preciso mais daquele esforço de antes pra conseguir bons resultados. As dores no corpo passam com dengos e massagens. Lindo! Bora aproveitar. E os tais fogachos que tenho percebido tão relacionados a micro emoções (devia existir um nome pro coletivo delas) que, antes, eu nem reparava?

(Um dos gatilhos dos meus fogachos é precisar me apressar. Tenho tentado me organizar pra fazer as coisas com calma. Mal não me faz.)

Sim, é normal não sofrer nessa fase, mesmo sem se anestesiar. Mesmo sem nenhuma interferência, totalmente de cara. É normal sentir tesão, transar e ter deliciosos orgasmos, sozinha ou acompanhada. Mas de outro modo, não como era no passado. Também é normal ser mais o que nascemos pra ser, ter planos meio malucos e dar muita risada. Só que podem mudar as piadas que a gente acha graça. Por exemplo, quando alguém tenta me vender que ficar jovem pra sempre é possível e, também, uma necessidade, a vontade que eu tenho é de dar uma gargalhada. Oxe, me deixe. Faz de besta, inchado.

Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo