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A eleição da violência

  • D
  • Da Redação

Publicado em 12 de setembro de 2022 às 05:09

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Período de eleição. Sete de outubro de 2018. Moa do Catendê recebe 12 facadas de um bolsonarista por discordâncias políticas.

O candidato que falava que preferia ter um filho morto a ter um filho gay, que ter filho gay é falta de porrada, que falava em fuzilar a petralhada, que disse que não estupraria uma deputada porque ela era feia, que o erro da ditadura foi torturar e não matar, e que dedicou seu voto pelo impeachment de Dilma ao general que enfiava ratos nas vaginas de mulheres ganhou a eleição.

Seu gesto mais famoso? Fazer arminha com as mãos. Um dos pilares de sua política pública: liberar armas para os cidadãos se defenderem. Mas não qualquer cidadão. Ele jamais pensou em armar quilombolas, pessoas sem terra, posseiros ou indígenas para se defenderem de garimpeiros, grileiros, pistoleiros, capangas, madeireiros ilegais.

Na verdade, são estes últimos que chegam ao final de seu governo mais armados, com mais casos de ameaças, invasões, assassinatos, queimadas e violências no campo contra quilombolas, pessoas sem terra, posseiros e indígenas.

Não é de hoje que a cultura do medo, como escrevi em meu penúltimo artigo, incita as pessoas à violência como defesa contra fantasmas dos mais fantasiosos. São a ameaça da volta do comunismo, da guerrilha no campo do movimento sem-terra, que invade e ameaça os latifundiários bons pais de família, a ameaça do fechamento de igrejas, da imposição da homossexualidade, do aborto, da educação sexual pervertida de crianças, da doutrinação esquerdista de professores, dentre outras tolices que assustam os mais conservadores e desinformados.

A melhor defesa, dizem, é o ataque. Assim se defendeu o atual presidente durante toda a pandemia. Dizendo não ser coveiro, que a covid era uma gripezinha, que não podíamos ser um país de maricas, que tinha idiota que dizia pra ele comprar vacina, ao que ele respondia: “só se for na casa de sua mãe”. E funcionava.

Enquanto, parte considerável do mundo ficava estarrecida com a falta de humanidade do presidente que imitava doentes com falta de ar, seus apoiadores viam nisso uma imposição de macheza. Falar grosso, bater o pau na mesa, dar esporro, ofender, ironizar, contra-atacar, levantar a voz, todos esses recursos utilizados pelos machões com suas esposas, seus filhos e filhas, seus empregados, seus subalternos, demonstram uma macheza, uma firmeza de postura;  mesmo que, na prática, ele não resolva nada, não responda nada; como no caso em que uma repórter perguntou ao presidente sobre sua imitação de falta de ar, e ele, em vez de responder uma evidência clara, acusou a jornalista de mentirosa, falando agressivo, reativo. Mentindo, mas jogando para sua torcida que acata qualquer sandice.

O mérito está na violência da reação. É vencer no grito, mesmo que vazio. Defender a mentira, o erro, mas manter o é firme e não assumir erros como demonstração de fraqueza. E não aceitar um pensamento diferente. Se eu penso de um jeito tal, tenho que impor meu pensamento, pois eu não posso ceder nem aceitar o diferente. Como o atual presidente falou, “as minorias têm que se curvar à maioria”, aos violentos, aos que possuem armas, aos que têm o poder, aos que gritam e coagem.

A admiração vira exemplo. A pessoa se sente empoderada. Num país que incita o ódio e as armas, é natural que a junção dos dois gere mortes. É natural que alguém atire no outro por este ser um opositor. Invada um aniversário e mate o aniversariante na frente da família. Empunhe uma arma em meio a um comício, ou panfletagem, de forma ameaçadora, como relatou Boulos, agora. E os mais triste, além de tudo, é que confrontados com atos de violência dos seus pares, as pessoas, em vez de lamentar, buscam logo algum exemplo do “outro lado”, procurndo uma falsa simetria para dizer que ambos os lados são igualmente assim.

Período de eleição. Sete de Setembro de 2022. Benedito Cardoso dos Santos recebe 15 facadas de um bolsonarista por discordâncias políticas. O bolsonarista perdeu a cabeça, mas foi a do seu opositor que ele tentou arrancar.

O país precisa voltar a pôr a cabeça no lugar. E não será abraçando o ódio, a violência e a intolerância que chegaremos a lugar nenhum. Na minha peça Os Javalis, há uma fala que diz: “isso não é mais uma questão de política, é uma questão de sobrevivência”.

Uma das coisas mais incompreensíveis para mim é ver gente que cita Jesus, mas apoia o ódio, a mentira e ferramentas de morte. Que aplaude quem elogia torturador, tendo sido Jesus cruelmente torturado. Gente que apoia os que atacam quem pensa diferente, sendo que Cristo foi crucificado justamente por isso. Tem muita gente mais preocupada com os fantasmas e demônios que são inventados para que se cultive o ódio e a morte, do que preocupados em pregar a tolerância ao diferente e o amor ao próximo.

Vivemos numa democracia e todos têm o direito de abraçar as pautas, as posições políticas, as prioridades que lhe aprouverem. Por isso citei minha peça. Não é questão de política.

Quando o medo vence a liberdade, quando o ódio vence a esperança, quando o antagonismo leva à violência e à morte, todos nós perdemos a eleição. É questão de sobrevivência.