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Da Redação
Publicado em 20 de dezembro de 2021 às 05:03
- Atualizado há 2 anos
Há tempos penso em escrever sobre Itabuna. Das minhas idas mais constantes à cidade, notei que durante anos o município ficou sem nenhum teatro ou cinema. E sem que isso incomodasse a população. A cidade de grandes atores, poetas e escritores, centro comercial da região grapiúna, resumia sua noite a cultos, bares ou shopping. >
Recentemente, foram abertas salas no shopping e a prefeitura investiu milhões num teatro imponente, mas cheio de problemas estruturais – espaçamento absurdo entre cadeiras, sem bilheteria, dimensão descabida – e sem pensar em sua funcionalidade para além de trazer grandes espetáculos de fora, e ser auditório ou palco para mostras de escolas de balé e afins. Um espaço longe do centro, que não dialoga com a cidade, bem distante de um teatro municipal que pudesse fomentar formação, produção e difusão regularmente como política pública de cultura e arte. Mas multiplicaram-se ainda mais, em qualquer rua, igrejas e mais igrejas. >
Curioso pensar sobre os países com melhor qualidade de vida do mundo, onde mais igrejas são transformadas em museus, bibliotecas, espaços culturais. Lugares que brasileiros visitam, como Holanda, Áustria, Suíça, e voltam deslumbrados pelas opções culturais. Mas voltam a Itabuna, por exemplo, e não sentem falta de museu, teatro ou cinema. >
A arte não faz parte da prática cotidiana de muitas cidades pequenas e médias. E de muitas cidades grandes, o que é o caso de Salvador. >
Devido ao nosso passado escravocrata, aristocrata e desigual, seria natural que entre as famílias abastadas a arte e a cultura pulsassem como num mundo à parte. Ao contrário, como já repeti por diversas vezes, parece que quanto mais abastada, mais abestada. Bairros tidos como nobres, em Salvador, como Pituba e Graça, não têm teatros nem cinemas (exceção feita ao Teatro Módulo, já quase Costa Azul). No Itaigara e na Barra, os shoppings da região salvam a falta de cinema. Mas vai-se falar em centros culturais, museus, e não se conta nos dedos de uma mão as raras opções em áreas ditas nobres. >
Se onde o dinheiro corre e os privilégios permanecem desigualmente há um vazio cultural, imaginem em bairros populares? Bem, há as igrejas crescendo, cada vez mais, para não ser injusto. >
Salvador tem na Avenida Sete, que vai da Barra à Praça Castro Alves, uma espécie de corredor cultural. Não é um corredor, assim como não é propriamente uma avenida, sendo uma forçação de barra que aceitamos sem pensar. Mas começa com o espaço do Instituto Cervantes, depois, Teatro Molière, passa pelo Teatro ACBEU, o Teatro do ICBA, para chegar ao Campo Grande e seguir com Teatro Vila Velha, Gamboa, o Martim dobrando pro Canela, o complexo do TCA... Bem, começava. O real corredor dos teatros ligados a institutos de línguas foi mutilado com a demolição do Teatro ACBEU. >
Um dos espaços de mais história na cidade, que ainda possuía biblioteca e galeria de arte, deixou de existir no Corredor da Vitória, zona nobre de Salvador; que pareceu nem se afetar. Lá, vi muito do que me formou, do que me encantou. >
Não deixa de ser um reflexo do momento do país. Onde há gente que persegue e renega artes, cultura, educação. Admira tanto a Europa, essa gente, mas quer seu país na sombra. >
Em meio ao caos, à descrença em políticas públicas para a cultura, e à letargia de um povo que se aceita mais inculto e sem arte, domado pelo sistema de entretenimento do capital, vai junto aos escombros do Teatro ACBEU mais um pouco de nossa esperança numa cidade melhor. >