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Gil Vicente Tavares
Publicado em 12 de maio de 2025 às 05:00
Participei, mais uma vez, de um encontro com gestores vinculados à Secretaria de Cultura da Bahia. Virtualmente, pessoas do interior participaram, e mais uma vez uma demanda foi colocada em questão. O interior da Bahia é completamente carente de ações formativas para as artes; no caso, o teatro. >
Os artistas do interior estão cobertos de razão e é inclusive admirável que se bata nesta tecla, porque não há nada pior do que a falsa ilusão de uma autossuficiência endógena. Os grandes centros de criação do mundo estão recorrentemente em busca de outras técnicas, estéticas, conceitos e culturas para sua criação, e o fato de nunca estarmos prontos, o que poderia ser angustiante, é ótimo. Isso obriga-nos, a nós, artistas, a nos reciclarmos, corrermos atrás do prejuízo, e com isso ampliamos nossos horizontes, referências, técnicas, conhecimentos, modos de fazer e criar.>
Infelizmente, ações pontuais, tímidas, inconsistentes e irregulares não formam ninguém. Oficina de uma semana, workshop de três dias é balela. O interior precisa e merece formação sólida e continuada; não é à toa que sempre se aponta a mesma lacuna. >
No entanto, a demanda de artistas do interior esbarra numa questão que amplia-se em diversos outros problemas. O Governo do Estado jamais conseguirá dar conta de ações formativas efetivas nos 417 municípios da Bahia. E olhe que se formos ampliar isso contando certos distritos pulsantes, esse número pode até duplicar, no mínimo.>
Vou falar o milagre, mas não vou dizer o santo. Uma prefeitura da Bahia, recentemente, de seu orçamento de 14 milhões para a área da cultura, gastou 2 milhões com custeios próprios e: tcharararam! 12 milhões com o São João!>
É imoral. Ilegal, não é, mas deveria ser. Com 10% do valor investido no São João, 1,4 milhões, tenho certeza que a cidade daria um salto no setor artístico; e essa porcentagem nem de longe estaria próxima do justo. Imagine se esse orçamento fosse estruturado de maneira coerente.>
Num plano nacional, num pacto federativo, num sistema nacional de cultura, sei lá que nome ou mecanismo público, seria fundamental que houvesse porcentagens máximas e mínimas de investimento em determinadas áreas das artes e da cultura. E uma “regra” mais lógica em que cada instância pudesse assumir determinados elos da cadeia produtiva.>
Parece-me mais do que óbvio que as prefeituras deveriam arcar com a produção local de seus artistas, por exemplo. >
Nenhum edital do Estado seria capaz de contemplar 417 municípios, mas os 417 municípios podem, sim, contemplar a criação local. Por menores que sejam, aqui na Bahia, e menos arrecadação que tenham, basta dar uma olhada na programação do São João ou São Pedro, com a contratação de artistas com cachês astronômicos, e percebe-se que dinheiro, mesmo pouco, tem. O que falta é um comprometimento municipal com uma política para as artes, uma câmara municipal com uma vereança que crie leis que contemplem seriamente a área cultural e artística, e uma população mais consciente de seu voto e dos deveres do legislativo e do executivo em sua cidade, para poder cobrar devidamente ações para o setor.>
“Ah, Gil, esquece, prefeitura faz evento grande porque está preocupada com voto!”>
“Ah, Gil, povo do interior só quer saber de festa, tá nem aí para uma real formação cidadã!”>
“Ah, Gil, vereador quer beneficiar seus nichos de eleitores distribuindo verbas numa eterna campanha eleitoral!”>
Bem, se formos partir do princípio de que todo candidato a prefeito é apenas um aproveitador do erário que joga com verba pública em benefício próprio, que todo cidadão do interior é ignorante e desinteressado, e todo vereador é um oportunista que tenta manter seu cargo como um emprego em que beneficia pessoas do seu interesse, estaremos equivocadamente transitando numa zona de alto e perverso preconceito, desesperança, e pensando ser insolúvel a situação do interior do Estado.>
Eu prefiro acreditar que haja políticos que pensem numa formação cidadã que tem na educação, na cultura e nas artes três eixos sólidos de pensamento crítico, formação intelectual e consciência de pertencimento e cuidado com as tradições e sensibilidades de sua população. E que existam cidadãos e cidadãs que querem sempre que sua cidade melhore e amplie suas perspectivas intelectuais e culturais. A começar por seus artistas.>
O orçamento do Governo da Bahia é ridículo para o setor. Um mínimo de 1%, que é o recomendado, nunca sequer é aventado. Vimos sofrendo há anos com uma destruição do setor das artes que tem sido violenta e desesperançosa. Erros, problemas, entraves e equívocos são recorrentes na instância estadual, e eu tenho apontado aqui e acolá questões sobre.>
Por isso, também, me sinto confortável em falar que muitas das demandas que são jogadas nas costas do Estado deveriam cair no colo dos municípios. Pouco ou muito recurso, com alta ou baixa arrecadação, a realidade é que as prefeituras em sua maioria esmagadora têm lavado as mãos quanto às políticas para as artes. Inclusive, o município tem como conhecer melhor as demandas e necessidades das artes e artistas locais. >
Nada é pensado a sério, de maneira estruturante, e alinhado com os tímidos avanços das outras esferas; ao menos em nível de ideia (porque o que mais se faz nas pastas da cultura é debater, discutir, apresentar ideias, debates, escutas públicas, e os mandatos acabam sem nada de concreto feito).>
Eu amo as festas populares, como a junina. Dependendo de mim, vou a cada ano para uma cidade diferente do interior. Mas nem por isso deixo de perceber a imoralidade dos gastos públicos com essas efemérides. A balela de que elas movimentam a economia da cidade e cumprem uma função cultural suficiente são engodos do discurso público. A economia criativa é aquela que faz circular regularmente o capital pela cidade. É emprego, distribuição de renda, e investimentos em formação e estruturação do setor. Cinco, sete dias de festa com gente mijando na rua, jogando latinha no chão e ouvindo música que exaustivamente já se ouve, e até se pagaria para ouvir, não é uma formação cidadã para ninguém. Não é política para as artes.>
É urgente que sejam criados mecanismos republicanos e democráticos, no entanto sérios e firmes, para que os municípios tenham suas responsabilidades e seus deveres nas políticas para a cultura e as artes.>
Tenham certeza que o interior daria um salto qualitativo e necessário. Porque, mais do que viajar para um São João, adoraria rodar pelo interior do Estado ao longo de todo o ano, aprendendo ou ensinando, assistindo teatro ou sendo assistido, por cidades das mais diversas e distantes possíveis dessa Bahia tão rica, cheia de talentos e belezas oprimidas pela falta de visão política; que nos empurra sempre para os piores índices do país.>
Secretarias de cultura e Minc; conversem. Alinhem-se. Estabeleçam metas e responsabilidades para cada instância.>
E que a distribuição de recursos seja para as artes, e não para os votos e interesses escusos que tanto atravancam este rico país, que tinha e tem tudo para dar certo. >
Mas somente se for levado a sério. Mas somente se for levado com Arte. >