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Sobre futebol, arte, profissão e políticas culturais

Sempre acho que há confusão quando se discute democratização

  • Foto do(a) author(a) Gil Vicente Tavares
  • Gil Vicente Tavares

Publicado em 19 de dezembro de 2022 às 09:30

 - Atualizado há 2 anos

A derrota da Seleção Brasileira fez pulularem opiniões nas redes sociais. Todas elas apontavam para problemas que tinham a ver com escolhas do técnico. Portanto, problemas de técnica.

Vamos amargar no mínimo mais 24 anos sem um título, a despeito de todos nossos talentos, porque os esquemas táticos não são bons, os jogadores não rendem e os técnicos convocam e escalam mal. Seleções como a da Croácia, com apenas um craque, vem conquistando melhores resultados que a gente, porque há técnica e tática, esquema tático e técnico competente. É o chamado futebol profissional. E os melhores profissionais ganham os melhores títulos. As zebras são exceções que confirmam a regra.

Messi e Modric, por exemplo, não seriam quem são se não tivessem treinado, sido preparados em seus clubes, com acompanhamento médico, fisioterapêutico e muita noção de fundamentos do futebol. Se ficassem numa várzea até os 18 anos, em seus países, e jogando com bola de meia, não conseguiriam chegar onde chegaram, porque talento só não basta. E no melhor meio profissional, o melhor se destaca como deve. 

Esta será minha última coluna em 2022. Quando eu reaparecer por aqui, já será 2023. A Bahia terá provável nova equipe à frente da Secult e o Ministério da Cultura voltará a existir. Tanto em nível estadual quanto federal, há discursos bonitos sobre o valor e a importância da cultura, bem como a intenção de se investir mais e melhor na área.

As especulações são muitas, a demanda reprimida é gigante, e os conceitos de cultura são tão abrangentes quanto diversos. Por isso mesmo, queria falar um pouco sobre arte, especificamente Notadamente a profissional; e inspirado aqui por um mea culpa feito por Juca Ferreira, quando de sua posse como ministro em Dilma-2. Ele admitiu ali que o Minc não havia dado a real merecida atenção às artes; e o golpe não nos deixou ver se realmente haveria melhor investimento nisso.

Sempre acho que há confusão quando se discute democratização. Ninguém fala em democratizar o acesso a vagas de neurocirurgiões, e sim em democratizar o acesso a neurocirurgias. É óbvio que a população quer ter acesso aos melhores profissionais do ramo, para se ter segurança e qualidade no serviço. Portanto, o edital, concurso - seja qual for o acesso - à vaga de neurocirurgião deve ser através de uma seleção criteriosa, onde se ateste a competência, experiência, e qualidade prática do ofício em questão. E claro que precisamos de educação pública de qualidade para os que quiserem ser neurocirurgiões, que o possam ser e disputar espaço em pé de igualdade com qualquer concorrente; e as cotas e o Prouni são exemplos bem sucedidos que apontam pra isso.

Acho fundamental que tanto o Minc quanto a Secult-BA destinem um setor para cuidar especificamente da arte profissional. Há quem arrisque dizer que a Funarte possa ter este fim, e com a retomada do Minc, espero que seja assim. A Secult-BA já arriscou, algumas vezes, deixar a cargo da Funceb a gestão das artes. Mas o que vimos pareceu mais um projeto de abandono do setor do que necessariamente de atenção ao mesmo. Não adianta nada as instituições formarem centenas de jovens na área das artes, se não houver um mercado para absorvê-los. Qualquer projeto de inclusão deveria pressupor um pensamento que estruturasse toda a cadeia.

Não adianta nada empurrar para o mercado profissional, também, e aprovar, em editais, projetos amadores, artistas inexperientes e sem currículo sólido. Tampouco pulverizar uma verba que já é pouca, botando no mesmo balaio de gato, por exemplo, um profissional com 50 anos de carreira, reconhecido internacionalmente, e um grupo jovem e recém formado.

A formação é fundamental, justamente para que tenhamos cada vez mais artistas qualificados. Incentivar iniciantes também é crucial, pois artistas em início de carreira precisam de algum incentivo para começar a entrar na área profissional.

Mas é fundamental que tenhamos uma política específica para os profissionais. Recursos, programas, editais que tenham como critérios de seleção o currículo do/a artista ou grupo, o que compreende a quantidade de espetáculos, premiações, temporadas, frequência média de público, festivais, carreira. Estimular quem faz a ter condições de continuar fazendo.

A pandemia jogou por terra qualquer ambição de um mercado profissional para as artes; notadamente na Bahia, onde pude ver de perto a desestruturação do setor. O que vinha capenga, tropeçou e não se levantou mais. Urge que haja gestores que pensem projetos, programas, com metas, objetivos, a partir de indicadores, para que o mercado se reaqueça.

Um mercado aquecido é como uma bola de neve. Uma produção puxa outra, um sucesso de bilheteria puxa outro, as demandas aumentam, o público se aquece, e a necessidade de mão de obra especializada aumenta enormemente. 

Existe uma praga chamada projeto de edital, que mudou também a cara da Bahia. Gente que inscreve seu projeto para cumprir as apresentações indicadas no projeto, e depois abandona-o por uma nova aventura. Temporadas longas têm sido raras, e até mesmo os teatros começaram a picotar as pautas para suprir a demanda de projetos que são mais eventos e que, profissionalmente, se tornam insignificantes. Não se pensa em retorno de bilheteria, carreira da peça, e isso mesmo deveria ser um critério de avaliação sobre o/a artista ou grupo inscrito. Há muitos vícios e erros que precisam ser corrigidos, e isso depende de gestão com visão e coragem para enfrentar o problema.

Com um mercado aquecido por longas temporadas, boca a boca, casas cheias, retornos de bilheteria e possibilidades de projetos mais robustos, artistas formados em cursos, universidades, oficinas, escolas, serão incluídos profissionalmente, podendo ter a chance de viver de seu ofício. Os talentos que pululam poderão ser valorizados.

Tom Jobim dizia que a saída para o artista brasileiro era o aeroporto. De alguma forma, ainda é um pouco assim quanto aos jogadores de futebol. Raramente são convocados jogadores que jogam aqui no país. Isso tem mudado, com um maior investimento nos clubes nacionais. Quanto mais se investir no futebol profissional brasileiro, melhor teremos nossos campeonatos. Mais seguraremos nossos talentos, e traremos outros de fora. Mais haverá gente nos estádios para ver grandes jogos. Mais patrocínios, mídia e publicidade o futebol brasileiro vai ganhar, podendo ter melhores profissionais que consigam se equiparar aos grandes centros de futebol do mundo, atualmente.

Com as artes é o mesmo. Quanto mais os governos investirem no profissional, mais o mercado vai se aquecer, mais mão de obra vai ser absorvida, a economia criativa então fará girar bem mais recursos, melhorando índices de emprego e qualidade de vida, portanto melhorando a economia, os indicadores sociais e, para além de tudo, enriquecendo com arte cada vez mais gente; gerando cidadãos com visão mais crítica, mais complexa, diversa e plural; e inserindo arte e cultura no cotidiano do cidadão. Algo fundamental para que tenhamos um Brasil melhor. Não à toa, os países com melhores índices de qualidade de vida, são os que mais investem em arte e cultura.

Investir no profissional das artes é investir no melhor para o país em termos econômicos, sociais e intelectuais. Do contrário, estaremos sempre reclamando das questões técnicas e táticas, com profissionais à míngua, levando uma goleada diária da vida, numa grande partida onde perdem todos, no país.