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Gil Vicente Tavares
Publicado em 19 de dezembro de 2025 às 05:00
Acabei de ler em diversos jornais que Zezé di Camargo ganhou, até o momento, em 2025, 20 milhões de verba pública oriundos de prefeituras. Dividindo por meses, ele embolsou 1,7 milhões por mês. A média dos cachês variou de 400 a 600 mil. >
Para que e em quais condições?>
Bem, o cantor recebeu em média 500 mil reais somente para cachê. Ele subiu num palco montado pela prefeitura, com estrutura, som, luz, fumaça, equipe de segurança, produção, técnica, de um evento divulgado e organizado pela prefeitura, com um camarim bancado pela prefeitura. Tocou uma hora, ou pouco mais, saiu do palco e foi embora. Não comprou sequer uma água mineral, nem contratou nenhum serviço, ou comprou qualquer material para uso artístico. Não usou hotel, restaurante, farmácia, loja de tecidos, madeireira (e se fez algo disso, foi bancado pela prefeitura). 500 mil somente para cachês por uma apresentação única.>
Essa verba vai diretamente para ele e sua equipe. Claro que muito, bem mais, quase tudo pra ele. Não precisou apresentar orçamento, não teve comissão, não precisou enviar relatório, prestação de contas. Não gastou com nada além do próprio suor, naquelas poucas dezenas de minutos.>
Esse valor de uma única apresentação, livre de quaisquer custos, de Zezé, é o que algumas produções conseguem captar via lei Rouanet para realização de festivais e criação e produção de apresentações musicais, por exemplo.>
Com esses mesmos 500 mil reais, a produção vai precisar investir pesado em divulgação. Muitas vezes, 20% do orçamento. Isso é fundamental para que se chegue ao público. O que, no caso, cai para 400 mil reais.>
A produção vai pagar pelo aluguel do teatro, ou estrutura de palco, e pelos equipamentos de som e de luz. Uma grana pesada. Vai ter toda uma equipe de produção para fazer o projeto acontecer. Alimentação, transporte, hospedagens, material de cena, tudo incluso nos 400 mil reais. Não vou sequer detalhar outras dezenas de gastos a mais que se tem para realizar projetos assim, pois tomaria o texto inteiro. Mas basta dizer que o que se gasta de madeira, ferro, tecido e mão de obra para se fazer cenário, figurino, leva fácil mais 10% do total.>
A lei tem teto. Um artista pode ganhar no máximo 25 mil por apresentação. Sendo banda, 50 mil. Sim, 10% do valor que Zezé recebe. E na maioria das vezes fica inviável para um festival, por exemplo, trabalhar com esses valores, quando se quer mais diversidade e quantidade de convidados.>
Mas tem uma questão. Para se realizar o projeto via Rouanet, você tem que escrever um orçamento. Detalhar cronograma, todos os custos detalhadamente, e com chances de a comissão técnica identificar erros e valores fora da realidade. Após tudo isso, a verba vem pra você? Não.>
A produção, ou artista, tem que sair procurando empresas que topem pagar o valor do projeto, e muitas vezes nem dão o total, e desembolsar a grana para a realização do mesmo. Sim, a empresa entra com a grana. E o Governo Federal? Apenas irá isentar, do imposto de renda pago pela empresa, o valor concedido ao projeto.>
Com isso, só empresas idôneas, que não aceitam o “conselho meu e eu faço: sonego tudo que for possível” do ex-presidente, entram na jogada. Do contrário, seria um risco descobrir-se irregularidades, ao se conceder a isenção fiscal.>
É claro que se alguém lê na imprensa que fulano de tal recebeu 500 mil para a montagem de um espetáculo via Rouanet, a pessoa imediatamente pensa que o Governo Federal deu 500 mil reais de cachê para o artista.>
Mas isso não acontece. Os 500 mil reais muitas vezes se tornam 50 mil, ou 25 mil de cachê, de acordo com o teto da Rouanet. E pode ser bem menos, até.>
E o Governo Federal não dá um centavo sequer de dinheiro. Apenas isenta, e deixa de ganhar. E nem escolhe projeto. A análise é técnica. Qualquer pessoa que inscrever um projeto de acordo com as normas e procedimentos, fica habilitada a captar seu projeto, sem distinção, censura ou ideologia. Afora, claro, projetos que façam apologias criminosas e afins, ou não se enquadrem na lei.>
Na recente confusão de Zezé di Camargo com a emissora SBT, pulularam nas redes sociais defensores do cantor sertanejo, dizendo que ele não recebia dinheiro público, ao contrário de cantores como Chico Buarque, que viviam se fartando da Lei Rouanet.>
Esses defensores de Zezé conseguem propagar mentiras de maneira dupla. Primeiro, porque uma pessoa que ganhou 20 milhões só em 2025 consegue viver, e muito bem, só de verba pública. E segundo que Chico Buarque, por exemplo, nunca ganhou um centavo de empresa alguma via Rouanet. Ele faz apresentações cobrando valores altíssimos, é verdade, para conseguir manter suas turnês, mas com isso realizando apresentações independentes, e pagando muito bem a um músico. Por tabela, o cachê de um músico é 1.900 reais por apresentação. Chico, Bethânia e Gilberto Gil, por exemplo, pagam duas tabelas. 3.800 reais para cada músico, no mínimo, a cada apresentação realizada (dito a mim por músicos que tocam com eles). >
Pesquisem quanto Zezé paga aos músicos dele, ganhando milhões de dinheiro público.>
Por fim, acho que os bravateiros de redes sociais precisam se definir.>
Vocês defendem que prefeituras paguem cachês exorbitantes a sertanejos por uma apresentação de poucas dezenas de minutos? Algo que impacta na falta de políticas para as artes? E que impacta também na produção local e cotidiana que poderia mover a economia criativa e criar alternativas de lazer, formação e sensibilização para a população local?>
Se sim, parem de atacar artistas progressistas com insultos mentirosos e festejem a farra milionária dos sertanejos com dinheiro público.>
Se não defendem os gastos exorbitantes das prefeituras e emendas pix (sim, nem falei delas, mas procurem saber), desviem seu foco. Se há artistas que embolsam milhões com verba do governo, dinheiro que poderia ser investido em políticas sólidas para a arte e cultura, gerando empregos, renda, alimentando a economia local e a formação cidadã, com certeza não são Chico Buarque e Gilberto Gil. Gil que, inclusive, foi ministro da cultura e sempre lutou pela descentralização e melhor distribuição de recursos da pasta.>
Parem de falar bobagem sobre a Lei Rouanet. Parem de passar vergonha e bradar ofensas baseando-se em mentiras. Isso incentiva apenas uma cultura: a cultura do ódio. >