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Depressão em céu azul

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 11 de maio de 2019 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Afaguei a tristeza por tanto tempo que ela se apegou a mim, assim como fazem os cães mais solitários. Devo ser agora responsável se a cativei? Observo como segue o meu itinerário, ressentida de afagos, quando estou feliz. Olhos pequenos a espreitar melancolias, minha amiga imaginária aguarda o dia em que ouviremos Karen Dalton outra vez. E, algumas noites, a sós, pensarei que eu lhe devo algo.

Esse poema nasceu daquilo que a tristeza fez, rumina em silêncio o equinócio. Veio de certo pesadelo breve, no qual a vida parecia não fazer sentido. Folheio o livro. A casa pequena da infância no desvão do peito, com suas delicadezas e monstros, oscilando perigosamente entre o solo e o abismo. Vivemos esse dilema juntas, isso eu sei. E não tem sido fácil deixar que se desfaça o nosso vínculo.

Mas a verdade é que, aos poucos, já me pego rindo. E é como se, traindo um animal ferido, a minha alma farejasse novamente o ciclo das estações. Amores que duram séculos pedem empenho exaustivo. Somos deuses apolíneos, a rolar pelas ruas do bairro pneus de caminhão de 80 quilos. Até que os músculos desistam desses exercícios, ingênuos Sísifos, reinventaremos percursos heroicos sob o Sol.

A tristeza é como aqueles amores antigos, que nas reuniões do colégio não resistem cinco minutos. Resta intacto, quando muito, o riso, emoldurado por cabelos brancos que denunciam, qual Narciso, o reflexo do que olhamos. O encontro. E voltamos para nossas casas cantarolando alegremente, com Nina Simone, a canção que fala sobre a arte de levantar da mesa quando o amor não está mais sendo servido.

A arte de perder não é nenhum mistério, recita Bishop, o meu verso predileto. E entendo finalmente o poema de Cecília Meireles e seu motivo. Nem alegre e nem triste, atravesso as noites e os dias. À tristeza, digo: já não é possível sonhar com um final feliz para nós. Estando hoje a nu sob o céu, sem pai ou mãe, vou descobrindo. Pouco importa onde fica vênus em meu signo ou qual ascendente tornaria mais leve ter nascido com o Sol em Capricórnio. A tristeza não combina mais comigo.

A tristeza não combina mais comigo. Repito para ter certeza de que não minto. Confesso que duvido. E ouço Something on your mind outra vez. Enquanto escrevo, em busca de vestígios, imagino tudo que se foi. Temo que ela tenha levado a poesia consigo, algumas separações revelam toda espécie de pequenez. Mudo o disco. “Não preciso que me digam de que lado nasce o Sol, porque bate lá meu coração”.