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Publicado em 20 de dezembro de 2025 às 13:37
A tentativa do IPAC de enquadrar a obra de Frans Krajcberg como patrimônio cultural imaterial do Estado da Bahia trouxe à tona um debate essencial sobre os limites e responsabilidades das políticas públicas de preservação cultural. Embora apresentada como um gesto de reconhecimento, a iniciativa revelou fragilidades técnicas que exigiram correção institucional. >
Diante desse cenário, apresentei denúncia ao Ministério Público do Estado da Bahia a partir das informações constantes no Diário Oficial do Estado, apontando que o Registro Especial provisório das chamadas “expressões lúdicas e artísticas” de Krajcberg contrariava a legislação de patrimônio cultural, a Constituição Federal, o Decreto nº 3.551/2000 e a Convenção da UNESCO. A obra de Krajcberg é autoral, individual e protegida pelo direito autoral, não se caracterizando como prática coletiva viva, transmitida ao longo do tempo por uma comunidade, requisito fundamental do patrimônio imaterial.>
Obras de Frans Krajcberg
Instaurado inquérito civil, a apuração contou com análises técnicas, inclusive do IPHAN, que evidenciaram um ponto sensível do procedimento adotado: a instituição de um registro temporário sem demonstração de urgência, sem estudos técnicos prévios, sem elaboração de dossiê e sem fundamentação pública que justificasse sua adoção. Um instrumento que deveria ser excepcional acabou utilizado como atalho administrativo, gerando fragilidade técnica e insegurança jurídica.>
Como consequência direta dessas análises, o próprio IPAC reconheceu o equívoco e cancelou o Registro Especial, com revogação formal da Notificação Pública, conforme publicação no Diário Oficial do Estado da Bahia. Somente após essa correção administrativa, o inquérito civil foi devidamente arquivado, por ter sido sanada a irregularidade que motivou a apuração.>
Paralelamente, também atuei como denunciante junto ao Tribunal de Contas do Estado da Bahia. No julgamento do Processo TCE/004638/2022, o Tribunal conheceu a denúncia e a julgou procedente em parte, reconhecendo falhas no cumprimento dos encargos assumidos pelo Estado na escritura de doação do acervo, bem como problemas na gestão e preservação das obras, com determinação de medidas corretivas e plano de ação. Trata-se de instância de controle distinta do inquérito civil, mas convergente na constatação de fragilidades administrativas relevantes.>
Esse desfecho não representa perda, mas proteção. Um registro imaterial inadequado poderia comprometer a rastreabilidade das obras, dificultar a individualização de peças e enfraquecer mecanismos de controle e certificação. Em âmbito internacional, tal insegurança jurídica poderia inclusive afastar o interesse de museus, colecionadores e instituições culturais estrangeiras, que exigem clareza quanto à autoria, procedência e regime de proteção das obras.>
Ressalte-se que tramita apenas ação específica destinada a esclarecer eventuais discrepâncias quanto ao número de obras declarado ao Ministério Público, envolvendo centenas de peças, bem como a verificar o cumprimento das obrigações assumidas no termo de doação, sem relação com o mérito artístico ou autoral da obra de Frans Krajcberg.>
Preservar o legado de Frans Krajcberg exige instrumentos adequados, rigor técnico e responsabilidade institucional. Corrigir erros administrativos foi um passo necessário para assegurar que sua obra seja tratada com a seriedade que sua dimensão ética, artística e histórica exige.>
Renata Rocha é biógrafa de Frans Krajcberg>