katia najara

Não, obrigada

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  • D
  • Da Redação

Publicado em 12 de março de 2023 às 05:00

 - Atualizado há um ano

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Faz tempo que o fluxo de pessoas fugindo da cidade rumo ao campo, interior e confins das botas de Judas aumenta significativamente - um movimento que cresceu ainda mais durante a pandemia.

Até aí tudo bem. Todo mundo no seu direito de ir e vir em busca de seus ideais de felicidade.

Em geral é assim: as pessoas se encantam durante uma viagem – programada ou não com essa finalidade – e a primeira e única coisa que pensam é “como seria viver aqui” ou “como ganharia dinheiro aqui”. E nessa conta rasa erra-se feio, erra-se rude. Porque não se trata de uma operação básica de adição, subtração, divisão e multiplicação, mas de complexa equação.

O primeiro erro na prova desta matemática é a cegueira. No afã de enxergar oportunidades perde-se o olho dos nativos. Eles são discretos - espalhafatosos somos nós em nossas roupas e lupas da moda, mas sim, estamos sendo vistos, principalmente quando não o percebemos. Estamos sendo vistos pelo povo do lugar, cujos ancestrais construíram e fizeram a história dali, todo aquele encanto que agora queremos também para nós. E sem a aprovação, o free pass, a bença daquele povo tão discreto que a gente não cumprimenta porque tá fazendo uma selfie ... tsc tsc tsc, não vai rolar. (Foto: Kátia Najara/Divulgação) O segundo erro na prova é a não-vivência naquele local. Não se entrega prova correndo, bom mesmo é ser a última, que nem a tartaruga que avança distraída a afobada lebre. O tempo de permanência em diferentes épocas do ano é fundamental para acertar a questão. Não convém a ingenuidade de visitar um lugar num feriado de semana santa, com toda e qualquer portinhola de comida bombando, e achar que além de feliz vai ser rica ali. Não vai. É por isso que a permanência atenta e respeitosa à dinâmica do lugar é condição sine qua non.

E outra, não caia na besteira de querer vir inovar num lugar que não pediu inovação, porque afinal de contas, o que será destes pequenos lugares de resistência onde o tempo precisa parar um pouco para que a história e a natureza sejam preservadas, se na nossa arrogância acreditamos que aquele lugar PRECISA de um sushi bar, uma steak house, uma grocery store, um wine bar, uma gelateria, cafeteria goumet, ou mesmo uma delicatessen. Precisa de nada, obrigada! Pode voltar com seu acervo empreendedor e sua pastinha do EMPRETEC debaixo do braço que as cozinheiras locais, as vendinhas e mercearias, o pão de janela, o caminhão de leite, ovos e vegetais na praça oferecem tudo o que se precisa para ser feliz neste lugar, como vive saudável, feliz e em paz toda gente daqui, por enquanto. 

Taí a foto do pê-efe de Isa do Restaurante Mangalô aqui de Igatu que não me deixa mentir. Quem precisa de bestagens gourmet com um prato de feijão com arroz, carne acebolada, farofa de couve, cortadinho de abóbora, repolho refogadinho e salada de alface rasgadinha com tomate, gente? 

Eu vou dizer o que vai acontecer com o seu empreendimento moderno: ele vai falir em menos de um ano por motivos de miopia. Não vai compensar os carretos para fazer chegar aqui os ingredientes gourmetizados porque a própria natureza protege esse lugar de dificílimo acesso  – no caso aqui de Igatu – desse arsenal de supérfulos. Porque depois que os turistas vão embora sabe quem fica? Os nativos que não olhamos nos olhos para dar bom-dia por causa da selfie e depois quando o seu negócio quebra ainda temos o acinte de dizer que a coisa é difícil poque ELES não dialogam e não querem somar. Arre égua! Que se eu fosse nativa ia ser uma onça!

O único modelo sem muito risco de frustrar as expectativas de viver e sobreviver com comida em lugares assim é o nomadismo. Ter uma estrutura móvel para ficar circulando pelos momentos “oportunos” de cada um desses lugares, que nem caixeiro viajante e artista de circo. Obviamente sem expectativa de fazer riqueza material, mas outras.

De resto, venha não!

Recolhamos a nossa arrogância, egoísmo, falta de respeito e educação junto com o nosso lixinho e deixemos tudo como está. 

As culturas e povos originários não precisam da nossa gastronomia, obrigada!

NO PÊ-EFE DE ISA, VAI 

Feijão de caldo simples

Arroz soltinho

Cortadinho de abóbora típico da Chapada que já vende assim em cubos

Refogadinho de repolho cortado beeeeem fininho

Farofinha de couve crocante cortada beeeeem fininho

Carne do sol magra acebolada

Salada de alface rasgadinha com tomate

R$ 25 (a depender da fome come-se em dois)

Kátia Najara é cozinheira e empreendedora criativa do @piteu_cozinhafetiva