Mãe não entra

Cadê a creche nas grandes empresas? Cadê a licença paternidade estendida, para que o homem possa exercer seus vínculos com a criança como é devido, e dividir as tarefas do puerpério com a mãe?

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  • Mariana Paiva

Publicado em 18 de fevereiro de 2024 às 15:06

Tem coisa que tem pesquisar pra confirmar, mas nem precisa (mentira minha: precisa sim, porque sempre tem um espírito de porco pra dizer que não é bem assim). Basta dar uma olhadinha ao redor e a gente logo vê que é aquilo mesmo, sem mudar nada. Ou você não tem nenhuma conhecida ou amiga que foi demitida logo depois de voltar da licença maternidade?

​Apois. Claudia Goldin, economista de Harvard, vencedora de um prêmio Nobel, decidiu botar em números e estatísticas o que a gente já sabe “há séculos e seclórios”, como diria minha avó: a cada filho que nasce, as mulheres são mais e mais excluídas do mercado de trabalho. Tipo assim: nasceu mais um Enzo, ou Valentina abriu o olhinho pra esse mundo, os rendimentos da mãe caem 4%. Já o pai, esse – veja bem que interessante – passa a ganhar mais 6%. Porque aos olhos da sociedade, ele se torna mais responsável, enquanto ela, mais emotiva. Me deixe, viu?

​Desculpa aí: se eu errei em qualquer coisa, é que não tem mais Enzo e Valentina nascendo – agora é só criança com nome do tataravô de 1890, bem verdade. De resto é a tosquidão humana gritante que se solta rapidinho depois de duas cervejas no fim de semana: gente dizendo que prefere contratar homem porque não tem licença maternidade, que não sai correndo pra levar filho no médico, que não precisa ficar em casa porque o neném tá com catarro preso. Se tivesse botão pra desouvir, era essa a hora de apertar.

​Mais gente botando a culpa num sistema que oprime em vez de pensar em como pode acolher e abrir espaço para as mães em suas próprias empresas. Sim, porque todo mundo ama contar aquelas histórias bonitas e românticas de passado, de quando “mamãe se sacrificava todo dia pra sustentar a família”, tantas vezes sozinha (mesmo com alguém do lado: acontece muito! “Procure saber”, como diz Gilberto Gil). Mas cadê que ajuda? Cresce e entra na fila pra ser mais um matador de mães no mercado de trabalho. Assim caminha a desumanidade.

​Cadê a creche nas grandes empresas? Cadê a licença paternidade estendida, para que o homem possa exercer seus vínculos com a criança como é devido, e dividir as tarefas do puerpério com a mãe? Estamos em 2024 e ainda tem gente perguntando em processo seletivo com quem a mulher vai deixar o filho para trabalhar. Nunca ouvi qualquer relato de um homem candidato a emprego que tivesse sido questionado se era pai, se tinha vontade de ser, com quem deixava a criança. Nunca. Mas já abracei uma mulher que veio me dizer sem que eu tivesse perguntado que tinha uma filha pequena mas que tinha rede de apoio, e eu respondi que aquilo não era de minha conta, que para mim importava apenas o trabalho que ela podia fazer. Ela chorou. Um choro de cansaço de quem está procurando emprego e sente medo de não ser escolhida por ter um amor com o nome tatuado na pele. Um amor que faz festa quando ela chega em casa, um amor sorridente, uma criança. Onde foi que nos perdemos enquanto gente? Ela foi aprovada na entrevista por seus méritos profissionais, e seguiu fazendo um excelente trabalho.

​É que às vezes quando tudo acontece diante da gente não dá muito tempo de pensar muito, mas o fato é que se tem escolha. Sempre. A contramão de tanta indiferença está sempre ali, meio desabitada, com o mato crescido, de tanto que falta pé pra passar. Mas se uma mãe abriu caminho pra nossa vida passar, também havemos de saber abrir espaço para outras mães, no lugar que estivermos, seja quem formos nós.