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Da Redação
Publicado em 17 de outubro de 2019 às 13:04
- Atualizado há um ano
Olá carx leitor. O texto de hoje é sobre coragem, empatia e ação. Muitas coisas ocorreram nestes últimos dias e fica até difícil eleger uma pauta específica para destrinchar. Trago como condutora da minha escrita a que mais me impactou positivamente, o depoimento lúcido de Roger Machado, técnico do Esporte Clube Bahia, sobre preconceito no Brasil.
Um alento em dias tão loucos, com situações tão terríveis, como o vazamento do petróleo em praias e manguezais do Nordeste – que já está afetando a subsistência de tanta gente, sobretudo das famílias mais empobrecidas - e outras ocorrências tão chatas como a vigilância constante e desrespeitosa sofrida por Maju Coutinho. Depoimentos como o do técnico gaúcho acolhido em terras baianas é como um grande abraço e reforça como a memória de um povo pode ser a principal chave para construção de mudanças positivas.
Roger nos possibilitou algo fantástico, que é a escuta, tão necessária quanto a fala. Porque aprendemos muito quando nos permitimos a ouvir o outro. Exemplo... Rolou neste mês na capital baiana o show dos Racionais Mcs. São 30 anos de um grupo formado por homens incríveis, que traduzem toda a luta e sobrevivência de uma população criminalizada em castigo a sua capacidade de resistir e seguir existindo. Ao escutá-los, fiquei hipnotizada e pensando em como pouca coisa mudou de lá para cá, mesmo com a Constituição de 1988.
Também compreendi que isso é um processo longo para a sociedade brasileira. E sei que o medo é grande, tanto para a população negra, que sofreu e sofre com o racismo, quanto para os não negros que comungam com o racismo e não entendem de onde essas pessoas (nós) tiramos forças. Tá rolando “pânico na zona sul” faz tempo. E estas pessoas não se permitem à escuta, pois querem manter esse capital simbólico da superioridade branca forjada através do racismo que é estruturante no nosso país. Como diz a colega Maíra Azevedo, a Tia Má, os não negros precisam “tirar o sapatinho e botar o pé no chão”.
Voltando a Roger Machado, quando ele se posiciona desta forma, pegando toda a imprensa de surpresa, ele cria uma avalanche de reflexão social. Tenho confissões a fazer: eu quero ser amiga dele! Quero encontrá-lo, tomar café, e conversar sobre como a população negra brasileira é forte. Prosear sobre como nesses 131 anos de pós-abolição, uma das chaves para a melhoria da sociedade é educação de qualidade.
Aproveitando o Dia do Professor, comemorado nesta semana, gostaria de dizer muito obrigada para o técnico do Bahia. Ele deu uma aula não apenas para os profissionais na coletiva, mas para todo nosso país. Quantas vezes, nós, negros e negras com consciência racial, esperamos um posicionamento embasado e franco sobre o racismo no futebol (e no mundo dos esportes) dito por um jogador ou técnico, mas não vimos. Foram poucos. Nem todos têm a didática e leveza que Machado, mas se tivessem o ingrediente básico, da coragem, já o teriam feito.
E é muito ruim ser o único mesmo em tudo. E com posicionamento, então, “é mil tretas”. Sei bem o que o Roger e Marcão (do Fluminense), sendo únicos técnicos negros do Brasileirão, sentiram e sentem. Já fui a única negra em muitos ambientes profissionais. E é ruim. Carregar essa responsabilidade nos ombros não é fácil para ninguém, em nenhuma situação. Como acontece com a luso-guineense Joacine Katar, 37, que está em Salvador nesta semana para um ciclo de palestras. Ela venceu no último 6 de outubro, em Portugal, as eleições para deputada ao parlamento pelo partido Livre. Ela é historiadora, tem cidadania portuguesa, e lutou muito para conseguir os seus cerca de 50 mil votos. Agora que entrou, tem uma nova disputa: a de se manter no cargo. Muitas pessoas utilizam da desculpa de que ela não honra o país, que é antipatriota, ou que não nasceu em Portugal (mora no país desde os 8 anos), e ainda a ridicularizam por ela ser gaga e usam de Fake News para tentar enfraquecer a sua trajetória de vida e política.
Muitas das críticas contra Joacine foram disseminadas por um partido opositor que circulou mensagens de ódio, racismo e xenofobia. Joacine não foi a única deputada negra de origem africana eleita neste ano, outras duas também foram. Entretanto, sua altivez incomoda. Sua postura firme incomoda. Se tornar doutora em estudos sociais e ainda deputada em um país europeu, sendo uma mulher africana, incomoda demais. O racismo enquanto herança colonial é um câncer que corrói. Felizmente, a população negra possui tratamentos espirituais e estratégias ancestrais para encontrar a cura no dia a dia.
E enquanto tentam tirar o cargo dessa mulher símbolo de esperança, o que ela faz: vem ao Brasil, melhor ainda, à Bahia [risos], participar de rodas de conversas com mulheres negras do grupo Candaces/UNEB, do Fórum Marielles, da Casa Branca, e de movimentos da sociedade civil, para compartilhar sua expertise e seu afeto.
E isso cura. Estar em um espaço de troca com pessoas que nos identificamos restaura qualquer ferida e nos fortalece.
Maju, Roger, Marcão, Joacine, as pessoas que vivem da pesca no Nordeste e estão sendo afetadas com essa tragédia ambiental do vazamento do petróleo, os cantores e músicos do Racionais, e tantas tantos outros “anônimos guerreiros e anônimas guerreiras” dão força para a população negra seguir firme. Pessoas que estão na linha de frente, como Preta Ferreira e sua família, que foram presos por acusação de um crime, ao meu ver, de responsabilidade do estado brasileiro. Como bem disse Machado: “negar e silenciar é confirmar o racismo”. E como escutei a deputada Mônica Francisco, do PSOL do Rio de Janeiro dizer uma vez: “medo nós tem, mas nós não usa”. Seguimos.
Ubuntu.