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Miro Palma
Publicado em 20 de março de 2020 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
A pandemia do coronavírus que se espalha pelo mundo está mudando a rotina de todos. Para garantir a segurança coletiva, todos os esforços estão concentrados na prevenção da contaminação, especialmente através do isolamento. A quarentena voluntária ou obrigatória já é uma realidade em muitos países, como o nosso, por exemplo. Aulas estão suspensas, atividades e trabalhos transferidos para dentro de casa e eventos, sejam privados ou públicos, culturais, políticos ou esportivos, foram adiados ou cancelados.>
Todas essas medidas, por mais difíceis que sejam, são necessárias para que o avanço da Covid-19 seja contido. Mas, em determinados setores, ainda é muito difícil despertar a consciência coletiva em detrimento a outros interesses como o financeiro, por exemplo. Se tratando do esporte, os eventos ganham proporções muito maiores e que envolvem valores astronômicos. Daí, a dificuldade de alguns gestores de sacrificar negócios por conta de uma doença.>
Aqui no Brasil, alguns clubes de futebol precisaram protestar para que os campeonatos fossem suspensos pela CBF e federações estaduais. Surpreendentemente, para mim, o órgão nacional não demorou a tomar uma atitude e o bom senso imperou como um efeito cascata. Antes disso, a Liga dos Campeões e a Libertadores já haviam sido paralisadas e as ligas europeias e da América do Sul foram adiadas. O mesmo aconteceu com as Eliminatórias da Copa do Mundo.>
A atitude não parou no futebol. A Fórmula 1 suspendeu e adiou etapas; a NBA e a Euroliga, as duas principais ligas de basquete do mundo, suspenderam suas competições; torneios de tênis como Roland Garros e as finais da Fed Cup foram adiados e outros eventos do circuito foram cancelados; a Liga Mundial de Surfe suspendeu etapas do Circuito Mundial, entre tantas medidas tomadas em diversas modalidades esportivas.>
No entanto, toda essa conscientização no esporte não alcançou os responsáveis pelos Jogos Olímpicos de Tóquio. Programado para acontecer em julho e agosto, os Jogos seguem mantidos pelo COI e pelo governo japonês. Sabe-se o investimento que o Japão fez para sediar uma Olimpíada. Já passamos por isso no Brasil com a Rio-2016 e a Copa do Mundo de 2014 e sabemos a fortuna que é empregada para a construção de equipamentos esportivos de ponta e todas as concessões financeiras e políticas que os governos dos países/cidades sedes precisam fazer para que os jogos aconteçam. Só que nada disso vai fazer sentido se colocar em risco a vida de milhares de pessoas.>
E não é só isso: as alternativas para impor a data programada, além do perigo de esvaziarem o espetáculo com um público recluso, podem prejudicar os atletas que precisaram parar de treinar para não se colocar em risco de contaminação. É comum enxergar atletas como super-heróis, já que o esforço, a dedicação e as marcas alcançadas os colocam em outro patamar. Mas, apesar dos feitos extraordinários, eles são humanos, de carne e osso.>
Não basta esperar por um milagre para manter a programação inicial quando todas as alternativas seguem contrárias aos tais valores olímpicos de respeito, igualdade, solidariedade e fair play (jogo justo). A pandemia é uma situação atípica e medidas também atípicas precisam ser adotadas. Permitir que Jogos Olímpicos aconteçam em meio a esse cenário não é só uma responsabilidade sanitária, é um crime contra a essência do esporte.>
Miro Palma é subeditor de Esporte e escreve às sextas-feiras.>