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Publicado em 5 de maio de 2025 às 05:00
Não sei se quando este artigo for publicado o pior já não terá acontecido. Refiro-me a mais um imóvel tombado, interditado por ameaça de ruir no Centro Histórico de Salvador, agora o prédio de “A Lâmpada”, bloqueando o acesso de veículos à Ladeira da Montanha. Assim, um a um, os quarteirões seculares têm as suas fisionomias desfiguradas e o conjunto do Centro Histórico vai perdendo o seu valor. >
Os proprietários são, evidentemente, os primeiros e principais responsáveis e deviam ser sempre, em qualquer hipótese, responsabilizados. Não é o que ocorre. Nunca são punidos pela estratégia de deixar ruir. >
É de perguntar-se por que os Ministérios Públicos – estadual e federal –, sempre tão ciosos de seu papel, não assumem esta causa, assim como as Defensorias Públicas, esse MP do B. >
Curioso também é que não há nenhuma ONG dita cultural que assuma a bandeira de defesa do Centro Histórico, dentre as inúmeras existentes. É que o patrimônio arquitetônico-cultural não integra a pauta da cultura woke que defendem. Como se vê, o patrimônio histórico não é uma pauta da esquerda. Tampouco o é da direita. Nem interessa ao centrão. Está, portanto, órfão. Alvíssaras a Antonio Carlos Magalhães que, no início dos anos 1990, deu-me a honrosa missão de recuperar o Pelourinho, núcleo do Centro Histórico de Salvador.>
Tenho reiteradamente insistido na proposta de que haja, pelo menos, um programa de estabilização dos imóveis em risco, em cada um dos níveis de governo, a cargo do Iphan, do Ipac e da Prefeitura, na União, no Estado e no Município, respectivamente. Ao vistoriar todos os imóveis do Centro Histórico, o extraordinário trabalho realizado pela Codesal – a Defesa Civil de Salvador – aponta o caminho das pedras. Agora, quero propor um mutirão pelo Centro Histórico.>
No âmbito governamental-administrativo, o Ministério da Cultura, através do Iphan, é o principal responsável pela preservação. Prevalece, contudo, uma cultura cartorial e contemplativa, realizando, aqui e ali, uma ou outra obra, assim que pinga algum recurso carimbado no orçamento, fora de um plano de ação estrutural e programático. >
No mínimo a área reconhecida pela Unesco como Patrimônio da Humanidade precisa contar com um plano de manutenção permanente e contínuo, por parte do Minc/Iphan. E que tal utilizar proativamente a Lei Rouanet – a menina dos olhos do ministério da Cultura – para a preservação do patrimônio histórico imobiliário?>
Quando desabou parcialmente o prédio do antigo Cine-Teatro Jandaia – palco de Carmem Miranda e Pablo Neruda – na Baixa dos Sapateiros, o Estado imediatamente apressou-se em desapropriá-lo, mas nada fez em seguida. Na rua do Taboão, logo em frente, um prédio desabou recentemente. Mesmo o dinâmico Santo Antônio Além do Carmo tem enfrentado desabamento e incêndio. No bairro do Comércio, o vetusto prédio do Instituto de Cacau da Bahia continua subtilizado, com o Museu do Cacau fechado, depois de um incêndio. Tombado pelo Ipac, o casario da Soledade – inclusive o Solar Bandeira – trincou ante a construção dos túneis da via Expressa e nada foi feito para restaurá-lo. Agora, dois novos túneis serão abertos para atender à ponte Salvador-Itaparica. Não seria o caso da concessionária fazer a restauração como medida prévia, mitigadora do seu impacto?>
A Prefeitura, por sua vez, já decidiu que vai recuperar vários quarteirões do Comércio para fins habitacionais, para o que negocia financiamento com o BID. Por que não realizar, de logo, a estabilização dos casarões aí localizados, como antecipação da contrapartida? >
Ministra Margareth, governador Jerônimo, prefeito Bruno, que tal, cada um no seu quadrado, fazerem um mutirão pelo Centro Histórico?>
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.>