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Da Redação
Publicado em 19 de dezembro de 2014 às 03:34
- Atualizado há 3 anos
Ninguém no mundo é mais chegado a um puxadinho do que o baiano, penso eu que foi na Bahia que se criou a cultura de fazer um puxadinho para tudo e por tudo, de modo que hoje, já transcorridos mais de quatro séculos e meio e mais um pouco da chegada de Thomé de Souza, continuamos a puxar uma varanda aqui ou um fio, o popular gato de energia, acolá. Outro dia vi na TV um cidadão que fez um puxadinho na sua casa, um banheiro, e não se constrangeu nem um pouco em construir e ocupar o espaço que era do poste de energia, este com toda a fiação ficou dentro, bem ao lado do vaso sanitário. Pense num absurdo...>
Salvador à noite é a capital do puxadinho e ninguém disputa com ela nesse quesito. Desaparecem as calçadas e no lugar que seria dos pedestres surgem mesas e cadeiras e que ninguém venha reclamar se não quer tomar porrada e muito menos vai se queixar à Sucom, que o órgão tem mais o que fazer. E de dia não falta o puxadinho nas principais ruas e avenidas do comércio, seja na Avenida Sete, Cidade Baixa, Liberdade, Cajazeiras, São Cristóvão, Periperi, ou Uruguai, por toda parte tem camelô e a gente sabe que alguns deles nada mais são do que um puxadinho da loja da esquina que espalha pontos de revenda do lado de fora para faturar mais um troco.>
Aprendemos isso no tempo da Casa Grande, quando as senhoras urbanas mandavam suas escravas de ganho vender guloseimas e outras comidas na rua, em tabuleiros, ou de casa em casa, no melhor estilo mascate. E nos dias que antecediam o Carnaval, mandavam vender laranjas e limões de cheiro, sobras da munição para as guerras do entrudo nos três dias da Festa de Momo. E tanto assimilamos a cultura do puxadinho que o comércio de porte, as grandes redes de supermercados e shopping centers nestes idos contemporâneos também aderiram à cultura, digamos ancestral, que não há exagero nessa conceituação. >
Reparem no exemplo do maior supermercado da cidade. Fez um puxadinho do lado de fora da loja, no espaço que seria de circulação dos clientes, e lá colocou dois pontos de vendas do acarajé de Teresa e mais um box do Consórcio Rodobens e outro do Coco Express e mais um da Bordados e Consertos e outro do Power Nutrition. E tome-lhe puxadinho com um box da Claro e um do McDonalds e um cacete armado dos colchões ali, encostado na vitrine do Itaú, e mais um de cadeiras e mesas de plástico. E tome mais puxadinho com o box da Soft Agua Purificador e um da Capas e Películas e mais a galeria improvisada de quadros de um artista plástico e ainda o ponto de conserto de óculos e relógios...>
Nos shoppings, a cultura do puxadinho não deixa por menos, já ocupa mais do que razoável espaço nos corredores que originalmente foram projetados para o público andar, mas outra é a realidade, nestes dias de compras de Natal vale conferir quanto puxadinho atrapalhando o caminho. Sem falar no puxadinho de rua de um shopping do centro da cidade que estendeu seu estacionamento para o lado de fora e na via que deveria ser pública forma-se uma fila de automóveis para estacionar. Ocupa o espaço que seria dos carros circularem, quem for transitar pela Junqueira Ayres, é esse o nome da rua, problema dele, quem mandou morar em Salvador.>
Somos tão fissurados num puxadinho que no Carnaval inventamos o carro de apoio, um puxadinho do Trio Elétrico para acomodar os amigos e patrocinadores. E a própria estrutura da festa nada mais é do que um puxadinho com espaços avançados ao longo da avenida para montar camarotes. E para não deixar dúvidas quanto a esse traço cultural tão soteropolitano, o nosso aeroporto já há mais de um ano é um puxadinho só, bem na cara, não faz mal. Sorria, você chegou na Bahia.>