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Paulo Leandro
Publicado em 17 de março de 2021 às 05:11
- Atualizado há 2 anos
O apequenamento do gigante Ypiranga dá bem uma ideia do perfil de nossa cidadania, uma vez ter sido o time do povo, rebaixado para a segunda divisão estadual, de onde não mais retornou.>
Há uma página na rede social Facebook destinada a mobilizar recursos visando a viabilizar a reorganização dos canários para a disputa do campeonato pandêmico da segundona deste ano.>
Uma plêiade de desportistas apaixonados tenta cumprir este trabalho digno de um Alcides, nome original do grego Héracles, conhecido por Hércules, no seu rebatismo romano.>
Pela inestimável contribuição no combate ao racismo de classe, tendo construído rica história de resistência popular, o Ypiranga merecia ser tratado como entidade cultural e histórica, recebendo todo apoio oficial do governo do Estado.>
Não se trata de um clube qualquer, uma vez ter liderado a substituição da Liga dos Brancos pela dos ‘Pretinhos’, em 1912, acolhendo afrojogadores rejeitados nas agremiações escravocratas remanescentes.>
A construção do Campo da Graça, em investimento da elite para recuperar o cetro, resultou insuficiente, pois o time do povo não se permitiu superar, embora tenham a Athlética, em 1924, e o Bahiano, em 27, conquistado o título da cidade.>
Fazia o Ypiranga o clássico maior com o Botafogo dos briosos bombeiros, revelando o favorito do coração de Santa Dulce, o maior ídolo, Popó – nome da rua principal do quilombo do Engenho Velho da Federação, uma África em Salvador.>
O desgosto de misturar-se aos colored – coloridos –, como os jornais chamavam os jogadores pretos, forçou a Athlética – Associação – e o Bahiano de Tênis a desmanchar seus times, resultando na fundação do Esporte Clube Bahia pelos atletas afastados.>
Cena rica e plural, fundou-se também o Galícia, resultando em clássicos animados, revezando-se com Ypiranga, Botafogo, Bahia e Vitória, mais afeito às reuniões sociais e às regatas.>
O bom exemplo de amor, presenteado pelo Ypiranga, deixou marca no afeto dos baianos, a ponto de hoje, se não fosse pela pandemia, pelo menos mil torcedores pagariam ingresso, mesmo tanto tempo à margem o quadro do saudoso seu Ismael.>
Tema para estudo de sem-número de formandos em comunicação com habilitação em jornalismo, ao dedicarem trabalhos de conclusão de curso à pesquisa, em nível superior, sobre o case Ypiranga, como se diz no inglês boçal da academia.>
Uma cidadania dominada pela violência cega de uma profunda e radical ignorância, refém de lideranças germinadas no autoritarismo mais hediondo, terá um rasgo de dignidade caso resolva unir-se para salvar o Ypiranga de seu ostracismo.>
Como o problema é dinheiro, tantos profissionais especializados em marketing e afins com certeza teriam boa vontade em ajudar, como bem tentou o ex-goleiro e atual comentarista Emerson Ferreti.>
Ganhariam o desporto e o mercado, o Estado e a sociedade, ao levantar nosso velho Ypiranga, levado a amiudar-se por imposição da dupla Ba-Vi, ao emergir da construção da velha Fonte, como único clássico valorizado.>
Erro lastimável poderia ser agora consertado, por sabermos o quanto a pluralidade ajuda a fazer a festa da bola, ao contrário da concentração de poder e riqueza, a reproduzir no futilbol a desigualdade do nosso cotidiano, hoje imerso em dor e sofrimento.>
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade.>