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Paulo Leandro
Publicado em 28 de dezembro de 2022 às 05:00
Um povo subletrado, mal sabendo colar as sílabas para formar palavra, quanto mais interpretar um texto, não poderia mesmo ter noção dos efeitos de nos entregar ao capital estrangeiro.>
Torcedores estão bem perto de formarem uma fauna porque abdicam da capacidade de pensar e confiam nas verdades por ouvir dizer e tornam-se objetos, não são donos da habilidade de raciocínio capaz de nos diferenciar.>
Basta a provisória alegria porque o time ganhou, tem falsos craques e glórias, sem compromisso com o ideário esportivo original, cujo papel é o de forjar caráter, melhorar a educação, a admiração pelo outro, tudo isso acabou.>
Resta-nos parabenizar ao esquemão invisível e indizível, sob pena de interpelação judicial, além de ser leviano supor os ganhos por fora de grupos sociais com muito poder, vocês sabem a quem me refiro.>
Como sou nostálgico, prefiro viver no século XX, em total dessintonia com esta contemporaneidade religiosa, ao cultuar o Deus Mercado venerando o Dinheiro como fonte de sentido para a existência.>
Prefiro sonhar com o tempo do Bolão Tricolor, uma loteria gerida pelo Bahia e capaz de render os recursos necessários para pagar a folha, contratar reforços e custear as despesas do clube.>
Prefiro sonhar com o tempo da torcida do Lado B, à direita das cabines de rádio, aquela multidão maravilhosa, o Bahia no meu modo de sentir, pensar e perceber, é antes de tudo a massa, o povo, e depois o time agora inglês.>
Quantas vezes o time do Bahia era mais ou menos, em crise e tudo, mas aquele gigante levava às vitórias, “ouve esta voz que é teu alento” e “somos do povo o clamor”, dizem bem, no hino de Adroaldo, a capacidade daquela multidão.>
Lembro de uma manchete, por nós editada, ainda no querido Jornal da Bahia de 1989 ou 1990: “Galera, pague estes craques”. O Bahia ia jogar contra o Náutico e precisava honrar o compromisso com a filial Catuense, fornecedora do Tricolor.>
Quando a bilheteria mandava no orçamento, a torcida tinha uma força econômica, não apenas cultural, e o clube dela dependia, mas agora, a tendência é virar uma torcida virtual, até a Fonte Nova encolheram pela metade, pela metade!>
Não preciso nem jogar os búzios nem tirar carta do tarot dos mestres de Marseille para prever onde isso vai chegar: o Capital vai sugar tudo do Bahia, vai enganar com uma contratação ou outra, nós, imprensa, vamos dar moral e pronto.>
O futebol vai perdendo o amor ao clube, e a mecânica de mercado comandará nosso padrão de sociabilidade, nosso convívio, qualquer perna-de-pau hoje vira craque, vira bom negócio.>
Quem conheceu a torcida do Bahia sabe o quanto sua vibração encolheu. Hoje, nem ficando entre os quatro primeiros durante todo um campeonato, o time escapa das críticas pois virou uma mercadoria e o cliente tem sempre razão.>
Mais ou menos se você for agora ali nas Casas Bahia e comprar um guarda-roupa, quando começar a gaveta a desencaixar e a porta dar problema na hora de fechar, na lógica da obsolescência programada, o cliente se chateia.>
O torcedor cliente, burro, conduzido por quem tem o poder de dizer o que a coisa é, este consumidor sem noção, é a morte anunciada do futebol, pois quando o Capital acabar de tomar seu nescau, vai deixar apenas a carcaça.>
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade>