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Paulo Leandro
Publicado em 13 de outubro de 2021 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Sonhei com o fútil bol de antigamente. Teve a cerimônia de entrada dos times em campo, em meio a foguetório e vaias. Cada time saudou sua torcida. Sua Ssa. entrou, junto com os bandeirinhas, debaixo do úuuuuuuuuu das torcidas; como bons xerifes, representantes da lei e da ordem, receberam os apupos da massa anarquista avessa a toda forma de poder e opressão.>
Ah, sim, o juiz ladrão era necessário ao bom andamento do futebol, não queiram me convencer desta cascata de Var não, isso aí é só uma legitimação tecnológica da roubalheira, agora institucionalizada, sobe e desce, ganha e perde, quem os homens querem em suas articulações mercadológicas de gabinete, nas caladas, mandando desligar o viva-voz.>
Os capitães se encontraram para tirar o toss, ou o cara e coroa para escolher o campo, e quem perdesse dava a saída. Os uniformes, lindos, sem patrocínio, sem mácula, um orgulho para cada torcedor, ingresso baratinho, um rango farto, amendoim, cana, suco, acarajé, abará, ‘sanduíste’, ‘limão-nada’, o estádio era um cardápio para milhares de famílias.>
Mercado de trabalho tinha para todos: ambulantes vendiam bandeirinhas e camisas dos clubes lá dentro mesmo do estádio, cujos espaços eram compartilhados, tinha desde os últimos ipiranguenses, posicionados junto ao Y pintado bem grande na parte central inferior da arquibancada. Havia até a Baconha, uma nuvem espessa lá no canto superior!>
Cada torcedor fazia sua bandeira, a de meu pai tinha escrito TE AMO bem grandona, mas eu era encantado por uma produzida por um motorista de táxi com os dizeres “Até que a morte nos separe”. As poucas torcidas uniformizadas (não se dizia organizada) era a Povão do Bahia, e a Dragões da Fiel, do Vitória, além da feminina SuperGal, do Galícia.>
Hoje, as integrantes gatinhas da SuperGal devem estar belas coroas, como minha vizinha Pilita, irmã de meu irmão Zé Manoel, saudades de dona Lola e todo aquele clima amistoso de desporto, tantas vezes torci pelo Galícia como às vezes meu pai nos levava juntos para a torcida do Vitória.>
O campo era todo cheio de buraco e montinho artilheiro, mas os times jogavam o fino e mesmo os pequenos tinham atrações, como Esquerdinha, Luis Ferreira, Zé da Gaita, chegávamos cedo, logo depois do almoço para assistir às preliminares, em rodadas duplas empolgantes.>
O ordenado de jogador era pequenininho, mas dava para um filho de juiz, como o atual desembargador, ex-volante de todos os times de Salvador, comprar seu fusquinha, com o qual provava ao pai ser a carreira de jogador de time pequeno mais rentável em relação a de um magistrado!>
Sim, tinha mercado para treinador, jogador, roupeiro, preparador físico, macumbeiro, futebol era meio de vida e as condições de trabalho eram bem precárias, às vezes podia até faltar bola para um coletivo-apronto e a preparação física era pular os montes de areia da construção civil.>
Jogador não precisava ser Hulk, as canelas secas davam mais agilidade e baixinhos eram bem vindos nesta miragem, feita de pura arte, nossa chance de enfrentar esta realidade chata de hoje, pois o melhor mesmo, como dizem os estoicos, é aceitar para doer menos e fazer um belo funeral porque o futebol morreu e só sabe disso quem viveu o velho sonho.>
Paulo Leandro é jornalista e prof. Doutor em Cultura e Sociedade>