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Paulo Sales
Publicado em 26 de agosto de 2019 às 05:00
- Atualizado há um ano
Acabo de ler Serotonina, o novo livro de Michel Houellebecq, recém-lançado no Brasil pela Alfaguara. É o mais controverso e provavelmente o mais lido escritor francês da atualidade. Já havia lido todos os outros dele, dentre os quais menciono com fervor Partículas Elementares, O Mapa e o Território e Plataforma. Mesmo sendo desiguais, assimétricos, imperfeitos, entregam muito. Sua angústia, sua inadequação e seu desnorteio calam fundo no meu córtex cerebral. Houellebecq possui uma visão de mundo niilista, que nos lança contra nossos temores mais profundos: solidão, envelhecimento, infelicidade, falta de afeto, medo da perda. Tudo isso envolvido em um estilo sarcástico, direto, elegante, que deixa entrever uma profunda compreensão do pensamento filosófico ocidental. A obra de Houellebecq parece destinada a descrever sem matizes a decadência do homem médio ocidental. Seus personagens são homogêneos, muito semelhantes entre si: solitários, sem ambição, quase sempre em torno dos 40 anos, retirados da inércia apenas quando tomados pelo furor sexual. Serotonina não está no nível dos seus melhores livros, mas ainda assim é um belo e triste romance. A narrativa acompanha o agrônomo Florent-Claude Labrouste, um homem que está morrendo de tristeza, como define seu médico. Enquanto abandona a vida cotidiana para se lançar numa viagem sem norte, rememora as mulheres da sua vida e reencontra um velho amigo de faculdade, agricultor falido que se envolve numa trágica revolta de produtores rurais.
Nesse sentido, o livro foi visto como premonitório, por antecipar o movimento dos gilets jaunes, que vem sacudindo a França nos últimos meses. Mas o que faz de Serotonina uma leitura essencial, como seus outros romances, são as reflexões agudas sobre o papel do indivíduo moderno dentro de uma civilização despreparada para lidar com os dramas desse indivíduo. Como fica claro neste trecho: “Nem a amizade, nem a compaixão, nem a psicologia, nem a compreensão das situações têm a menor utilidade, as pessoas constroem sozinhas a engrenagem da própria desgraça, dão corda até o fim e depois a engrenagem continua rodando, inevitavelmente, com algumas falhas, algumas fraquezas quando uma doença interfere, mas continua rodando até o fim, até o último segundo.”
Não é um autor misantropo ou misógino, como muitos o acusam, embora em diversos trechos ele dê razão a quem o critica. Seus romances guardam momentos de tamanha compaixão e afeto pelo ser humano - sejam eles homens ou mulheres - que não dá para enxergá-lo como um lobo solitário insensível e sem empatia. Houellebecq é como um deus inerte, que acompanha o malogro dos seus personagens sem exercer qualquer poder sobre eles, incapaz de evitar a descida ao abismo. Sou tomado por sentimentos ambíguos ao devorar seus livros, mas o que predomina é o assombro, o desassossego. Não hesito em afirmar que é o mais importante, influente e instigante escritor contemporâneo.