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É sem interrogação mesmo porque não é pergunta: quem precisa de diversidade sou eu, é você, é todo mundo
Da Redação
Publicado em 29 de outubro de 2023 às 11:41
É sem interrogação mesmo porque não é pergunta: quem precisa de diversidade sou eu, é você, é todo mundo. Mesmo quem não acha que precisa – aliás, eu diria, principalmente. 2023 tá ligando e tanta gente se recusando a atender. É o caso de parar de resistir e calçar logo essa sandália da humildade. Claro que tem gente que precisa mais, que escancara logo a necessidade. Que já chega fazendo piadinha com a dor alheia e chamando de mimimi quando quem se machuca reclama. Pimenta nos olhos dos outros, um clássico.
Minha vó dizia que a gente conhece as pessoas no arriar das malas. Às vezes sim, às vezes não: tem pessoa que revela seu preconceito quando já tem um tempo perto. Fica fazendo sala com pose de boa gente pra um dia relaxar e soltar a bomba de mil. Uma frase bem equivocada ou fazer vista grossa a uma fala racista aqui, um capacitismo ali. E ao redor as risadinhas amarelas de todo mundo com medo de dar palestra pra não sair de chato. Será?
Se alguém se levanta contra a barbaridade proferida em tom engraçadinho, logo vem a turma do “o-mundo-agora-tá-chato-demais-tem-fiscal-pra-tudo”. Cria o famoso climão. E vão se dissolvendo assim as rodinhas de bar, com as pessoas pedindo mais leveza quando, na verdade, elas precisam é ter mais noção.
Numa escola que estudei, num dos anos, só tinha uma menina preta retinta na sala. Era a única que não era chamada pelo nome, e tinha apelido de bicho, uma referência ao formato do corpo dela. Eu, que tenho 40 anos, não pensava nisso aos 11 ou 12. Todo mundo na sala chamava ela pelo apelido e eu também. Eu que sofri bullying no ano seguinte e me peguei agora continuando a frase com um "porque" pra explicar minha dor aos 13. Catando razões. A verdade é que não era pra ter razão nenhuma. Seria bom que a gente nem tivesse que falar sem parar sobre isso nas escolas, pra piorar com a certeza de que vira as costas e já está acontecendo outra vez, se duvidar com ajuda dos pais. Porque em muitas famílias o dever de casa é aprender intolerância.
Eu era quieta, gostava de ler e era classe média baixa numa escola de classe alta. Agora tem nome e até livro para educar crianças a respeito: aporofobia, a aversão a pobres. Mas nos anos 1990 não tinha essa discussão rolando tão fácil. Por isso é que todo mundo precisa de educação pra diversidade. Os banheiros das escolas nos recreios estão cheios de crianças engolindo choro, disfarçando a dor ao chegar em casa, dizendo que o dia foi bom. Não foi.
Porque pra cada pessoa diferente - seja por sua cor de pele, religião, gênero, classe social, características neurológicas, físicas e por aí vai - tem um mundo de gente pra lembrá-la disso. Olhe, eu vou dizer, mesmo quem vive sentado no macio do privilégio não escapa. Porque mesmo a pessoa que parece mais encaixada a todos os padrões sabe, no silêncio de seu travesseiro, onde é que mora sua diferença. Ah, se sabe! Às vezes esconde, às vezes disfarça, mas não tem como não saber. Claro que sofre menos, dói menos, bem menos. Uma pimentinha de cheiro, digamos assim.
Se nada mais for argumento – porque não é pra todo mundo que empatia é um remédio – talvez esse seja: você também é diferente. É o outro de alguém. Diante de quem passa na rua, sua roupa, seu jeito, sua cara, seu corpo, não importa: é tudo estranho. E se tanta diferença ensina qualquer coisa a uma pessoa esperta, há de ser a lição de abrir espaço para outras pessoas, onde quer que se esteja. Se não sabe como, é sempre mais honesto admitir não saber e correr pra entender o que se passa ao redor: as tantas possibilidades de ser humano nesse mundo não cabem num livro mas tem é muita gente disposta a falar sobre. É ter os ouvidos abertos de ouvir e conhecer.
E aquela menina de minha escola tinha um nome bem bonito: Patrícia.
* Mariana Paiva é escritora, jornalista, CEO da Ìyá Cultura e Gente e head de DE&I do RS Advogados