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A doença que nunca foi embora: entenda o que aconteceu com o vírus da gripe espanhola

Comportamento do vírus da pandemia de 1918 pode ajudar a entender o futuro da covid-19

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 5 de junho de 2021 às 16:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: Foto: Shutterstock

Os números são assustadores: há quem fale em 25 milhões de mortos; outros historiadores, em estimativas mais recentes, calculam até 100 milhões. Os infectados teriam chegado a 500 milhões de pessoas - cerca de um quarto da população mundial. Essas são as estatísticas da gripe espanhola, que começou em 1918 e é considerada até hoje uma das maiores pandemias da história da humanidade. 

Mas o que aconteceu com o vírus dessa gripe que provocou tanta devastação? Ao contrário do que alguns pensam, ele não desapareceu. O percurso desse vírus - da linhagem H1N1 - não apenas indica que o vírus da gripe espanhola circula até hoje como também pode oferecer alguma luz sobre o futuro do Sars-cov-2, o vírus da covid-19. "O vírus está sempre sofrendo mutações. Ele está circulando até hoje em algum lugar", diz a epidemiologista Glória Teixeira, pesquisadora da Fiocruz e professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba). O vírus da gripe em humanos só foi descrito oficialmente em 1933. Ele foi chamado de Influenza A e tipificado como H1N1. Pouco depois, outro vírus bem parecido, mas não igual, foi descrito. Foi chamado de Influenza B. 

"A partir daí, foram observadas várias epidemias de gripe, não tão graves quanto a espanhola. Mas houve, por exemplo, a gripe asiática, que depois vimos que era um vírus da Influenza diferente da de 1918", cita a epidemiologista. 

A gripe asiática, em 1956, foi provocada por uma mutação que deu origem ao H2N2. Depois, vieram outros, como o H3N2, da gripe de Hong Kong (1968) e o H5N1 (gripe aviária). 

Foi só na década de 1990 que cientistas localizaram um cadáver no Alasca que tinha morrido pela gripe espanhola. Como ele havia sido preservado pelo gelo, os pesquisadores conseguiram descrever o genoma do vírus daquele corpo e identificaram que era o H1N1. Agora, estava comprovado que o mesmo H1N1 que havia sido descrito em 1933, quando o vírus da gripe foi sequenciado pela primeira vez, tinha provocado a gripe espanhola. 

"Esses vírus são mutantes e não produzem em nós imunidades permanentes. O sarampo, por exemplo, é um vírus muito estável. Por isso, você só tem sarampo uma vez na vida. Mas nós temos gripe várias vezes na vida", pontua Glória. 

Mutante O Influenza tem uma particularidade: tem muito mais chances de sofrer mutações, inclusive aquelas chamadas de 'shift'. Ainda que o vírus da gripe seja de RNA, ele se diferencia de outros como o da covid-19 por ser segmentado. Isso significa que ele não tem uma fita única de RNA, como explica a virologista Andréa Gusmão, professora do curso de Medicina da UniFTC e da Ufba. 

É possível que o vírus sofra uma mutação pontual (ou drift), que é quando a enzima copia o genoma para gerar um novo RNA viral. É o que acontece com novas variantes, que eventualmente podem ter vantagem evolutiva em comparação ao vírus original. Esse é o caso, por exemplo, das cepas de atenção da covid-19 hoje. 

Mas há ainda uma mutação chamada de recombinação gênica ou shift. É uma alteração tão drástica das proteínas do vírus que é ela quem normalmente provoca pandemias."A cada 20, 30 anos, a gente tem uma pandemia. Inclusive, em 2009, os cientistas já esperavam essa pandemia. Tivemos surtos na China antes, com a gripe aviária, em 2006. Poderíamos ter tido uma pandemia em 2006, mas só aconteceu em 2009". Apesar de ser o mesmo vírus H1N1, o da gripe espanhola não foi o mesmo que provocou a pandemia de 2009. "Quando a gente compara o da gripe espanhola com a de 2009, estamos comparando uma mutação brusca em que a humanidade inteira não tinha anticorpos", explica a virologista. 

Assim como o vírus da gripe espanhola não desapareceu, o da covid-19 também não deve sumir. "A gente também não vai conseguir eliminar esse coronavírus. A gente já convive hoje com outros coronavírus humanos não tão virulentos quanto o Sars-cov-2, mas que já circulam na humanidade há muitos anos. Eles não desapareceram", diz Andrea. 

Gripe espanhola na Bahia Em Salvador, a gripe espanhola chegou quando um navio inglês - o Demerara - aportou aqui. Pelo menos seis pessoas que desceram na cidade estavam contaminadas. Dessas, duas morreram, de acordo com a historiadora Christiane Souza, doutora em História das Ciências e da Saúde pela Fiocruz e autora do livro A Gripe Espanhola na Bahia. 

Depois desse navio, tudo foi muito rápido. "Para disseminar o vírus da gripe, foi fácil, porque, assim como o da covid, ele é disseminado quando a pessoa fala, espirra, ri. E Salvador era um porto comercial importante, uma cidade visitada por pessoas com conexões econômicas", explica. 

Ao menos 386 pessoas morreram de gripe espanhola em Salvador, de acordo com os números oficiais. No entanto, como pondera a historiadora, sempre houve uma grande subnotificação. A taxa de mortalidade geral na época também cresceu muito, devido às complicações da gripe. Na época, não existia sistema de saúde como o SUS hoje. 

"O que a gente tinha na Bahia eram os delegados de higiene, que tinham que mandar uma estatística de obituário por doenças, mas que nem sempre mandavam, porque nem eram remunerados", conta Christiane. 

As gripes, até então, eram doenças que acometiam muito mais idosos e crianças. Mas a pandemia se tornou mais letal entre jovens, especialmente pessoas com idades entre 20 a 40 anos. Os sintomas também eram diferentes dos que normalmente eram envolvidos pela gripe: havia sintomas renais, digestivos, cardíacos e neurológicos. "Era mais fatal em jovens porque a reação do corpo era tão forte que a pessoa ficava roxa, vermelha. A pessoa ficava sufocada, sem conseguir respirar. Os médicos ficavam tão espantados com a rapidez com que se disseminava que, muitas vezes, ficavam sem saber se era gripe", completa. Vacina Mesmo hoje, a gripe continua sendo uma doença perigosa. Ela pode provocar a pneumonia, especialmente em crianças e idosos. Por isso, a ciência desenvolve vacinas anuais que são destinadas, principalmente, a esses públicos, além de profissionais de saúde. 

As vacinas são feitas com as cepas que mais circularam em uma determinada região, no ano anterior.  No entanto, há sempre um certo atraso, porque como o imunizante de 2021 está sendo produzido em 2020, não é possível prever a mutação que vai acontecer em 2021. 

"O vírus Influenza está sempre à frente da humanidade", diz a virologista Andréa Gusmão, da UniFCT e da Ufba.

Segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), a campanha de vacinação contra a gripe continua com todos os grupos prioritários em Salvador. Isso inclui idosos, crianças de com idades entre seis meses e menores de seis anos, trabalhadores da saúde, gestantes e puérperas. Até esta semana, pouco mais de 194 mil pessoas já tinham sido vacinadas, o que equivale a 27% do público alvo. 

"Num momento de pandemia, é ainda mais importante vacinar contra a influenza porque os sintomas são muito parecidos aos sintomas da síndrome associada ao coronavírus. Não é só o Sars-cov-2 que leva o paciente à necessidade de internação. O influenza também pode levar a esse quadro", reforça a virologista.