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Vinicius Nascimento
Publicado em 1 de março de 2023 às 06:00
- Atualizado há 3 anos
Maxixada, moqueca de carne de sertão, arrumadinho de fumeiro, cozido, xinxim de galinha, feijoada e por aí vai. Todas essas receitas eram feitas por dona Georgina em sua cozinha, no bairro da Liberdade, para receber familiares, amigos e regar o bofe dos filhos nos finais de semana. Sempre acompanhado por música, principalmente samba, e muita conversa. Um dos filhos acabou tomando gosto pela cozinha.>
Aquele ofício da casa se tornou, também, central na vida do ator Jorge Washington. Com seus 32 anos de Bando de Teatro Olodum, ele completou o sexto ano como afrochef no projeto Culinária Musical, que já ultrapassou as 80 edições, arrastando um público de mais de 5 mil pessoas, e também levou o ator a diversos lugares do Brasil para falar e fazer a culinária afrobaiana.>
No próximo domingo (5), tem mais uma edição a partir do meio-dia. Como o ambiente é de dentro de casa, Jorge Washington já prevê uma resenha: é dia de Ba-Vi pela Copa do Nordeste e ele vai fazer um xinxim de galinha. Tricolor de coração, não pretende poupar os amigos rubro-negros do apelido depreciativo que a torcida azul, vermelha e branca deu ao Vitória.>
“Os elementos que uso aqui não são receitas comuns. Maxixe, moqueca de carne seca, bacalhau a martelo. São pratos de minha memória afetiva, que via minha mãe, dona Georgina, fazer lá na Liberdade. Eu olhava mainha fazendo uma moqueca de marisco com mamão verde que era uma comida dos deuses e eu pratico essas receitas”, recorda Jorge, que recebeu o CORREIO no espaço que foi o palco principal dessa peça realista que criou para encenar, a Casa do Benin.>
“As pessoas vêm aqui para rememorar. Um cara disse que veio porque a mãe fazia essa moqueca, no final ele comeu e disse que chegou perto e eu pedi um abraço. Uma maxixada de carne seca é um prato que você não encontra em canto nenhum em Salvador”, garante o afrochef.>
O marcador afro é muito importante para Jorge, que se identifica assim desde as primeiras edições do projeto, em 2017, na Casa de Pedra do Garcia - um espaço criado por sua irmã Julinda, já falecida, para fomentar o samba e colocar o pessoal para comer. “Falei com meu sobrinho para fazer um projeto para eu cozinhar e ter um grupo de samba tocando só clássico, música que a gente não está acostumado a ouvir no dia a dia”.>
As festas na Casa de Pedra deram tão certo que foi necessário sair do espaço que comporta pouco mais de 50 pessoas. Ele foi para a Casa Barabadá, no Santo Antônio Além do Carmo, mas a estrutura com cozinha num espaço distinto da sala de estar incomodava. Desceu para a Casa de Santo Antônio e sentiu o mesmo incômodo, até lembrar da Casa do Benin, que já frequentava desde os tempos de Zanzibar.“Ocupei rapidinho e já são quatro anos”, comemora. E completa: “Tem o ar de como as coisas começaram, de quintal da casa. A cozinha é porreta, bate com a dinâmica que é o Culinária, de encher com 70, 80 pessoas, é um frisson e a gente dá conta. Fogão bacana, balcão bacana, duas pias bacanas. E esse ambiente é agradável, com a luz mudando ao longo do dia, essas paredes, é muito gostoso estar aqui”.O casarão histórico casou com a ideia de culinária afetiva que, como diz Jorge, não é só cortar tomate, cebola, pimentão e temperar. “É a boa conversa, o ambiente, a música, o som mais baixo sem incomodar as pessoas, a qualidade da música que se toca aqui”, explica, orgulhoso.>
Comida e militância>
Assim, ele conseguiu transitar em espaços que nunca ocupados, mesmo com a trajetória rica como ator em peças como Cabaré da Rrraça e Ó Paí, Ó. Só nos últimos três anos, cozinhou no evento da banda Aurê, na Estação Madureira (RJ), para mais de 2 mil pessoas; fez edições do Culinária em Feira de Santana; participou de festivais como o Cara e Cultura Negra, em Brasília, ministrando oficina de culinária baiana; além do Scram! Festival e Borogodê, falando de sua trajetória como cozinheiro.>
De quebra, passou a ocupar espaços como a Noite da Beleza Negra - na última edição, ele trabalhou vendeu sua comida na Senzala do Barro Preto, que frequentou muito como público. O novo trabalho - que em nada atrapalha as atividades com o Bando - ainda entrou no famoso circuito do Pelourinho que mistura o tripé negritude, comida e militância. A grande expoente da mistura foi Alaíde do Feijão, falecida no ano passado, mas o Pelourinho conta com outros espaços similares como a Cantina da Lua, de Clarindo Silva; e o Negro's Bar, de Almir Apolinário. >
A próxima edição do Culinária Musical será animada pelo cantor e compositor Dão Black, que terá como convidada a cantora Nivia Mafoany. O Cantinho da Empreendedora será ocupado pela terapeuta holística Nayara Conceição, com o despertar do autoconhecimento por meio de técnicas e produtos terapêuticos. E no cardápio terá xinxim de galinha e arrumadinho de fumeiro - e também vegano. >
Bando de Teatro Olodum >
Depois de rodar o filme Ó Paí Ó 2 em tempo recorde de 4 semanas de gravação no Pelourinho, Jorge Washington garante que o longa ficou incrível e se emociona ao contar sobre o processo, elogiando toda a produção. “O filme está muito bom. Foi um esforço enorme, diárias de quase 12h, mas era uma coisa da gente então tinha que fazer. Acho que o público vai gostar muito”, afirma.>
Ele também revela que o Bando tem dois grandes projetos para 2023: comemorar os 25 anos do Cabaré da Rrraça, completados em 2022, e lançar uma montagem nova. “Estamos correndo para estrear um espetáculo novo em julho. Estamos escrevendo para editais, correndo atrás de captação e fazendo de tudo para dar esse novo capítulo no Bando”. asa do benin (Pelourinho). Domingo, das 12h às 17h. Os pratos custam R$ 70 (R$ 35 /meia porção), a entrada $ 30.>