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Vinicius Nascimento
Publicado em 2 de outubro de 2021 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
Engenharia, trânsito, proteção, transporte, agricultura, saúde, conforto, otimização, praticidade. Muitos inventores negros contribuíram com todas essas áreas ao longo dos anos e suas histórias são desconhecidas - ou omitidas da maioria da população. Foi justamente para colocar esse conhecimento na roda que a AfroTech, Feira de Ciência voltada a produções científicas realizadas por pessoas negras, aconteceu na Escolinha Maria Felipa, que funciona na Federação.>
Arado, semáforo, máscara de gás. Três itens corriqueiros que foram inventados por pessoas pretas. Os primeiros registros do arado, técnica de descompactação da terra que facilita o plantio, vêm do Antigo Egito - mas há registros similares na Mesopotâmia (região que nos dias atuais seria ali no Oriente Médio), Índia e China. A história do arado foi apresentada pela pequena Kaiala, de 6 anos, estudante da escolinha há dois.>
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Todo o projeto da feira de ciências foi pensado para ser feito numa comunhão entre escola, pais, responsáveis e crianças. Mostrando, assim, que pessoas negras também são inventoras, intelectualizadas - portanto, humanas. Mãe de Lonan Brito, também de 6 anos, a historiadora Luciana Brito contou que foi um desafio grande, principalmente porque o projeto iniciou ainda durante o ensino exclusivamente remoto. O apoio da escola foi fundamental para que a dupla ficasse orgulhosa do resultado apresentado: um papiro, feito com papel envelhecido à base de borra de café, com hieróglifos que diziam "Lonan gosta de tubarão".>
Além dos tubarões, Lonan também é apaixonado pelo Egito Antigo e quem o via correndo para lá e para cá com uma pequena múmia na mão atestava isso logo que tirava os sapatos na entrada da escolinha, que preza por pé no chão e cabeça descolonizada no universo."Fizemos uma tarefa juntos, foi algo muito bacana. No final, fiquei orgulhosa de mim e dele. É importante ter iniciativas assim, ainda mais nesse momento em que a ciência e a pesquisa estão sendo atacadas. Essas palavras apareceram muito: ciência, pesquisa, vírus, vacina, negacionismo e ele quer entender o que é. Ações como essa ajudam a mostrar a importância da ciência. Mais ainda, que ele pode ser um grande cientista", disse Luciana. Luciana e Lonan exibem o papiro que fizeram para a Feira. Apaixonado pelo Egito Antigo, o garoto também aproveita para mostrar o seu boneco de múmia (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Foram vários trabalhos muito bacanas. Calendários, planetários e pirâmides apareceram. Pão, sandália, o boliche, absorventes e até o GPS também são invenções de pessoas negras. A garotada também deu espaço para fatos mais recentes, como, por exemplo, na maquete de vacinas que colocou a imagem do médico nigeriano Onyema Ogbuagu, um dos líderes dos estudos clínicos da vacina contra o coronavírus desenvolvida pela Pfizer/BioNTech nos EUA.>
Diretora da escolinha, Cris Oliveira explica que a feira foi baseada no livro História Preta das Coisas, escrito pela professora e doutora Bárbara Carine - uma das sócias da Maria Felipa. O livro traz 50 invenções de pessoas negras, que serviram para guiar o projeto.>
"Queríamos trazer uma questão muito socioemocional, das crianças trocando figurinhas com a família. É importante já que eles passaram tanto tempo enclausurados. É uma felicidade muito grande porque estamos nos aquilombando aqui, conseguimos mesmo nesse contexto muito complicado trazer famílias e dizer que estamos aqui construindo juntos", disse a diretora. >
Eduardo Júnior, de 6 anos, fez bonito: uma sandália dourada de um faraó egípcio. Só não foi à escola calçado porque os pais não deixaram, pensando em preservar o belo trabalho do artista, que ficou tímido ao ver a câmera, mas no final das contas posou orgulhoso do que fez com a mamãe Cristiane Copque e o pai, Eduardo Santana. Eduardo Júnior exibe a sandália farônica que fez para a feira (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Para Cristiane, o projeto resumiu o trabalho pedagógico da escolinha: acolhimento, educação decolonial, voltada para a construção de cabeças livres e antirracistas. "Foi uma brincadeira muito legal e ele aprendeu sobre essa história que não foi contada pra gente. Todas as crianças, todas as escolas deveriam passar esse tipo de conhecimento", disse.>
Sócia e gestora da Maria Felipa, Maju Passos comemorou a oportunidade de fazer a culminância da feira de maneira presencial porque muitas famílias tiveram a oportunidade de se conhecer. Antes, o contato era apenas por redes sociais ou encontros virtuais. A Maria Felipa tem cerca de 45 alunos.>
Cerca de 30% dos alunos da escola têm direito a bolsa integral pelo projeto 'Adote um/uma educande'. No próximo Dia das Crianças, a escola vai abrir edital para mais 5 vagas de bolsa. Qualquer pessoa pode apoiar o projeto custeando uma parte do valor da vaga pela plataforma Catarse, a partir de R$ 5 mensais. A meta da escolinha é conseguir R $8,7 mil mensais, atualmente recebe R$ 3.972/mês.>
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Também sócia da instituição, a professora Bárbara Carine se disse emocionada ao ver o resultado do Afrotech - que foi inspirado em seu livro. Ela também comemorou o fato da escola estar mais independente de seu apoio pedagógico, algo muito diferente do que acontecia em 2019, quando foi fundada. Para a empresária, é um sinal de que a prática de uma educação com preocupação étnica passou adiante e isso significa evolução.>
10 invenções negras e seus criadores>
1. Máscara de gás: Garrett Morgan (1914) 2. Semáforo: Garrett Morgan (1923) 3. Guitarra Euphonica: Robert F. Flemming (1886) 4. Quimioterapia: Jane Cooke Wright (1949) 5. Óculos 3D: Kenneth J. Dunkley (1989) 6. Câmbio automático: Richard Spikes (1932) 7. Torneira de cerveja: Richard Spikes (1908) 8. Transmissor de ilusão (Filme 3D): Valerie Thomas (1980) 9. Absorvente: Mary Beatrice Davidson Kenner (1956) 10. Tábua de passar roupa: Sarah Boone (1892)>