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Priscila Natividade
Publicado em 3 de junho de 2019 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Pressão para cumprir metas abusivas, jornadas de trabalho exaustivas, falta de reconhecimento das chefias e de autonomia, várias horas vividas dentro de um ambiente de trabalho tóxico. Muita gente vai se identificar com essa rotina cada vez comum por conta de um mercado acelerado, exigente e movido pela busca incessante por resultados imediatos. >
O esgotamento profissional existe. E não é apenas uma vontade inexplicável de não querer ir trabalhar ou um estresse comum do dia a dia. Chamado de Síndrome de Burnout, o transtorno acaba de ser oficializado na última semana pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma síndrome crônica. Enquanto um “fenômeno ligado ao trabalho”, a OMS incluiu o Burnout na nova Classificação Internacional de Doenças (CID), que deve entrar em vigor em 1º de janeiro de 2022.>
“Isso só prova o quanto o ambiente corporativo hoje em dia está nocivo. As pessoas estão ficando doentes. É urgente que a gente dê relevância a esse tema e comece a tratar as corporações e as pessoas que nela trabalham”, analisa a mentora especializada em acelerar pessoas e negócios e fundadora da B-Have, Erika Linhares. >
Atualmente, a síndrome está classificada no CID-10 Z73, na categoria que se refere aos problemas relacionados com a organização de seu modo de vida. Porém, o registro na nova CID aponta que o esgotamento “se refere especificamente a fenômenos relativos ao contexto profissional e não deve ser utilizado para descrever experiências em outros âmbitos da vida”.>
A lista da OMS é utilizada como referência para estabelecer tendências e estatísticas de saúde. De acordo com a nova classificação, a síndrome é caracterizada por três elementos: sensação de esgotamento, cinismo ou sentimentos negativos relacionados a seu trabalho e eficácia reduzida.>
“Essa provavelmente será a próxima revolução que veremos no ambiente corporativo e que vai fazer a diferença. Hoje, as empresas pensam muito no perfil do cliente, em como conquistá-lo, por outro lado, pensam muito pouco no perfil do seu funcionário: como ter um ambiente amigável e saudável”, diz Erika. >
Cansaço extremo>
Segundo dados da Secretaria de Especial de Previdência e Trabalho, na comparação entre os anos de 2017 e 2018, o crescimento de benefícios de auxílio-doença com a CID 10 Z73 chegou a 114,80%. O número de benefícios pulou de 196 para 421. Na Bahia, no mesmo período, triplicou: de 7 passou para 21. >
Apesar do crescimento rápido, os números ainda são pequenos por conta da dificuldade de diagnosticar a doença, como destaca o psicólogo e diretor técnico da Holiste Psiquiatria Ueliton Pereira. “É muito difícil porque os sintomas são parecidos com o de outras patologias, como angústia, dor de cabeça, pressão alta, irritabilidade. Para diagnósticar o Burnout tem que eliminar vários exames físicos, laboratoriais e psicológicos”. >
Não dá para confundir alta performance com trabalhar além do limite, como chama atenção Valerya Carvalho, uma das fundadoras da Escola Sentido. A instituição trabalha com técnicas e métodos para o desenvolvimento do potencial criativo e inovador das pessoas. “Ainda é muito comum que as empresas lidem com a síndrome do Burnout como um ponto fraco das pessoas em lidar com a pressão, ou como uma incapacidade de organização do tempo versus entrega dos resultados”, explica.>
Equilíbrio>
Foi o que aconteceu com a representante comercial Maria Carvalho, que lidava constantemente com várias metas para cumprir em um curto espaço de tempo. “Os cabelos começaram a cair, sentia muita angústia, dor de estômago, ficava irritada, sofria muito. Domingo eu entrava em desespero porque tinha que ir trabalhar na segunda. Passei a tomar vários calmantes para aguentar”, lembra. O que importava era o número. “Então eu fui demitida. Fiquei tão feliz nesse dia que fiz até uma tatuagem. Foi como nascer de novo”. >
Para Sabrina Ferrer, psicóloga chefe da plataforma de terapia online FalaFreud, as empresas ainda não estão preparadas para evitar o Burnout. “É necessário um trabalho de conscientização dos gestores, mudanças de políticas internas de valorização e não somente da capacidade de entrega”, diz. >
A diretora de gestão de eventos da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-BA), Fernanda Borges, concorda: “Pessoas felizes com o que fazem produzem mais e disseminam contribuições positivas, mostrando que cuidar delas é um investimento que tem retorno”, acrescenta. >
RELATO: 'O AMBIENTE DE TRABALHO PODE SER ADOECEDOR' Professora segue tratando os efeitos do transtorno com psicoterapia (Foto: Evandro Veiga/ CORREIO) Mariana Bittencourt, professora Sou professora da rede estadual de educação desde o ano de 2011. Em determinado momento da vida comecei a me sentir esgotada, deprimida. Me arrumava pra ir ao trabalho e começava a sentir dor de cabeça, vomitava e desistia de sair pra trabalhar. Tudo passava e um sentimento de culpa aparecia, junto com a vontade absurda de não sair de casa. Ao ir para o trabalho me dava uma sensação de ansiedade enorme. Tinha vontade de que tudo acabasse rápido. Vi que algo não estava bem e resolvi me abrir com um aluno de psicologia. Ele me pediu pra procurar um psiquiatra e assim eu fui diagnosticada com Burnout. Foi difícil entender que é um problema de saúde, porque existem juízos de valor que impedem de percebermos que o problema não é um desvio moral, mas sim uma doença ou um conjunto delas. A direção da escola sempre tratou com muito desdém o meu problema. O que me deixava extremamente desconfortável quando voltava das licenças médicas. Tirei duas - uma de dois meses e outra de três meses - no período de dois anos. Comecei o tratamento há três anos com uso de medicação e terapia. Engravidei e, durante a gestação, abandonei o uso dos medicamentos. Hoje só faço terapia. Sempre amei dar aula e até hoje não me vejo fazendo outra coisa. Mas o ambiente de trabalho em muitos casos é adoecedor. Compreender as coisas que eu gostava e não gostava de fazer foi fundamental para a superação da síndrome. Fiz boxe, atletismo, canto e violão. Mudei o local que trabalhava, continuo apaixonada pela minha profissão e lidando com o problema de saúde mental que tenho. >
DICAS PARA PREVINIR A EXAUSTÃO>
Atividades alternativas Procure se exercitar, realizar alguma atividade física como academia ou algum tipo de esporte. Acupuntura e algumas terapias alternativas também são importantes para se ter uma melhor qualidade de vida. “Mas, a principal atitude que a pessoa deve ter é se dar limites, realizar um tratamento de reconhecimento pessoal, ter seus momentos de lazer, saber se desligar do trabalho e dos assuntos que envolvam o ambiente de trabalho”, aconselha o psicólogo e diretor técnico da Clínica Holiste, Ueliton Pereira. >
Esteja forte com você mesmo Segundo a mentora especializada em acelerar pessoas e negócios, além de fundadora da empresa B-Have, Erika Linhares, é preciso buscar o equilíbrio: “Muitas dessas doenças psíquicas estão relacionadas a como as pessoas recebem o que o ambiente provê. Se eu estou com uma mentalidade forte e progressiva, eu recebo aquilo de uma forma mais simples, mais tranquila. Já se estou com uma mentalidade fixa e pessimista, eu projeto aquilo muito maior do que é. Por isso a primeira dica para prevenir a síndrome é cuidar da mente”. >
Se permita viver, errar e acertar Esta é a orientação da psicóloga chefe do aplicativo FalaFreud, Sabrina Ferrer: “Estamos falando de indivíduos que tendem ao perfeccionismo. Utilize sempre técnicas de respiração, tenha válvulas de escape e invista tempo naquilo que lhe dá prazer”, aconselha a especialista. >
Conheça seus limites Não tente abraçar o mundo ou tapar todas as lacunas no trabalho. “Fuja de metas abusivas e do excesso de autocobrança. Reconheça até onde pode ir e quais são os fatores que podem lhe ajudar a conseguir chegar no seu objetivo. isso ajuda, e muito”, pontua, o psicólogo e diretor técnico da Clínica Holiste, Ueliton Pereira. “Faça um esforço para separar as demandas pessoais das cobranças do trabalho e, principalmente, não abra mão da sua vida social”, completa.>
Questione-se “Sim, quero ser um excelente profissional e atingir excelentes resultados. Mas que preço quero pagar para isso?”. Para uma das fundadoras da Escola sentido, Valerya Carvalho, o profissional precisa entender onde ele quer chegar e avaliar se está mesmo disposto a pagar o preço para chegar lá. “A habilidade mais importante para se ter qualidade de vida é a capacidade de transformar adversidade em desafio gerador de satisfação. transforme ameaças potenciais em desafios satisfatórios”, diz. >
Ame Não há nada que traga mais paz do que estar com quem amamos, família e amigos, como pontua Erika Linhares. “Se dedique a quem você ama. aproveitar o tempo com amigos e ter pessoas para te ajudar nesse momento de esgotamento também é muito importante".>