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Carmen Vasconcelos
Publicado em 27 de outubro de 2025 às 06:00
Desligar um colaborador nunca é uma tarefa simples. Mas a forma como o processo é conduzido pode definir muito mais do que o fim de um vínculo: pode revelar o verdadeiro grau de maturidade emocional e cultural de uma organização. >
Segundo a pesquisa “Como as demissões impactam a cultura organizacional”, realizada pela INTOO, unidade de desenvolvimento de carreira e recolocação da Gi Group Holding, em parceria com a Workplace Intelligence, 60% dos trabalhadores brasileiros afirmam que seus líderes não demonstram empatia durante demissões — o mesmo índice da média global. Além disso, 40% perderam a confiança na empresa após cortes, proporção superior à média internacional de 33%. >
“Esse é um alerta claro: conduzir desligamentos sem cuidado pode comprometer a relação de longo prazo com os talentos e afetar a estabilidade organizacional”, afirma Candice Gentil Fernandes, business manager da INTOO no Brasil. >
Para Caio Cesar Costa Silva, gerente de negócios da LHH Nordeste, o problema vai além da falta de empatia: ele reflete um desequilíbrio entre foco em resultados e gestão de pessoas. “Ainda há empresas que tratam a demissão como uma tarefa operacional, sem espaço para acolhimento. O líder pode — e deve — ser exigente e acolhedor. Essa lógica binária de ter que escolher entre resultado e empatia é ultrapassada e perigosa”, observa. >
Segundo ele, a forma como se encerra um ciclo é tão importante quanto o início. “Um desligamento mal conduzido deixa marcas: abala o clima interno, corrói a confiança e compromete a reputação. Por outro lado, quando há respeito e coerência, o encerramento se transforma em um ritual de dignidade”, diz Caio. >
Impacto nos que ficam>
A pesquisa mostra que os reflexos não se limitam aos desligados. Quando um corte é feito sem cuidado, os colaboradores que permanecem tendem a se sentir inseguros, desmotivados e menos engajados. “O clima organizacional se fragiliza. Se o líder fala uma coisa e faz outra, a equipe percebe a contradição. O resultado é um ambiente psicologicamente inseguro, com medo e pouca transparência”, explica Caio. >
Candice Gentil reforça que a falta de empatia também gera danos reputacionais. “No cenário atual, em que as redes sociais ampliam vozes e experiências, qualquer demissão conduzida sem cuidado pode se transformar em crise de imagem. Transparência e comunicação são as melhores defesas de uma marca empregadora sólida”, aponta. Outro ponto sensível identificado pelo estudo é o papel do RH: 42% dos profissionais brasileiros afirmam não receber suporte adequado durante o desligamento, frente a 38% na média. >
Para Marcelo Botelho, diretor regional da LHH Nordeste, a humanização começa muito antes da reunião de desligamento. “Implementar a demissão humanizada requer planejamento, sensibilidade e um foco genuíno no bem-estar dos envolvidos. Cada etapa deve ser cuidadosamente conduzida para garantir que o colaborador se sinta respeitado e a equipe perceba coerência”, explica. >
Comunicação>
Segundo ele, a comunicação clara, direta e empática é o ponto central desse processo. “A empresa deve se preparar para o desligamento, oferecer suporte pós-demissão e manter um diálogo transparente com a equipe. Esses elementos ajudam o profissional a perceber o acolhimento e minimizam impactos emocionais”, complementa. >
Apesar dos desafios, há sinais de avanço. No Brasil, 48% das empresas já incluem programas de recolocação (outplacement) em pacotes de demissão — percentual superior à média global de 33%. Botelho reforça que investir em programas de transição de carreira é um diferencial competitivo.>
“Ao investir nesse tipo de programa, a empresa zela pela qualidade de seu clima interno, fortalece seu posicionamento em ESG e mitiga riscos de ações trabalhistas. É um processo centrado no ser humano, combinando atendimento especializado e tecnologia inovadora”, diz. >
Ele lembra ainda que um executivo em transição de carreira tende a se recolocar 60% mais rápido do que aquele que faz o processo sozinho. “Além da recolocação, esse acompanhamento estimula o autoconhecimento, ajuda o profissional a repensar seus objetivos e amplia seu poder de networking”, conclui. >
Com o avanço das redes sociais, críticas públicas a empresas após demissões tornaram-se um risco real. Para Botelho, o planejamento e a comunicação transparente são os melhores antídotos contra crises de imagem. >
“É possível evitar danos reputacionais com um processo ético, individualizado e respeitoso. A preparação da liderança é crucial: são os líderes que transmitem acolhimento e seriedade no momento do rompimento”, defende. >
Candice complementa que a coerência entre discurso e prática é o que sustenta a marca empregadora. “Empresas que se preocupam com o modo de desligar também fortalecem o vínculo com quem fica e demonstram maturidade na gestão de pessoas”, complementa. Botelho observa que há diferenças culturais marcantes entre países na forma de conduzir desligamentos. “Na América do Norte, o processo é fortemente acompanhado por RH e jurídico, para evitar brechas e garantir objetividade. Já na Europa e Ásia, há mais diálogo e tentativas de realocação interna, com foco na valorização da imagem do colaborador”, explica. >
Segundo ele, embora o Brasil esteja acima da média global no suporte pós-desligamento, ainda há espaço para evolução. “Aprender com boas práticas e exemplos de sucesso é o caminho que deve ser seguido”, afirma.>
No futuro — e em muitos casos, já no presente — a empatia deixará de ser um diferencial e se tornará uma competência técnica exigida de líderes. >
“Entendo que a empatia já não é mais vista como uma soft skill, mas como uma competência essencial”, diz Botelho. “As empresas começaram a perceber o verdadeiro papel do ser humano na jornada corporativa. A empatia nos permite compreender o outro, adaptar formas de comunicação e tomar decisões humanas mesmo sob pressão”.>