Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Lições da demissão em massa do Itaú

O que se deve fazer (e não fazer) quando o assunto é o trabalho remoto

  • Foto do(a) author(a) Carmen Vasconcelos
  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 15 de setembro de 2025 às 06:00

A demissão em massa foi provocada pelo monitoramento e análise dos dados de atividade dos funcionários por seis meses, que resultaram numa baixa performance
A demissão em massa foi provocada pelo monitoramento e análise dos dados de atividade dos funcionários por seis meses, que resultaram numa baixa performance Crédito: rafaelnlins/Shutterstock

No início da semana passada, a demissão de cerca de mil funcionários do Itaú acendeu os debates sobre o futuro do trabalho no Brasil e trouxe de volta os debates sobre o modelo remoto ou home office, muito adotado durante a pandemia, em virtude das medidas sanitárias de afastamento.

No caso específico da instituição financeira, a demissão em massa foi provocada pelo monitoramento e análise dos dados de atividade dos funcionários por seis meses, que resultaram numa baixa performance. Os casos mais críticos chegaram até o comitê executivo do banco e alguns colaboradores chegaram a ser advertidos antes da medida extrema.

A produtividade foi avaliada com base em métricas digitais, como uso da memória do computador, quantidade de cliques, abertura de abas, inclusão de tarefas no sistema e criação de chamados. Funcionários ouvidos afirmaram não saber que o nível de monitoramento era tão detalhado. Apesar do modelo não ser uma novidade, muitos profissionais esquecem das ferramentas altamente tecnológicas para acompanhar a performance, mesmo em regime remoto ou híbrido.

Lições

Advogada, com experiência em Direito do Trabalho, na área consultiva e contenciosa, Ana Maria Cunha diz que o caso do Itaú evidencia lições importantes sobre a gestão da produtividade em tempos de home office e trabalho híbrido. “A primeira é a necessidade de transparência na relação de trabalho. Pelo princípio da boa-fé objetiva, tanto empregador quanto empregado devem agir com lealdade e clareza. Monitorar empregados sem o devido conhecimento afronta o princípio da boa-fé objetiva e os direitos fundamentais à privacidade e intimidade”, esclarece a especialista.

Ana Maria Cunha diz que o caso do Itaú evidencia lições importantes sobre a gestão da produtividade em tempos de home office e trabalho híbrido
Ana Maria Cunha diz que o caso do Itaú evidencia lições importantes sobre a gestão da produtividade em tempos de home office e trabalho híbrido Crédito: Divulgação

Outra lição destacada pela advogada é que a produtividade não pode ser confundida com atividade mecânica. Métricas como número de cliques ou abas abertas não necessariamente vão refletir a qualidade ou a efetiva entrega do trabalho, e pode gerar questionamentos em desligamentos em massa. “O caso demonstra a importância de as empresas adotarem critérios objetivos, proporcionais e previamente comunicados para a avaliação de desempenho e reforça que a implementação de tecnologias de monitoramento deve respeitar os limites do poder diretivo do empregador, equilibrando-o com a dignidade da pessoa humana”, esclarece.

No entanto, para Ana Maria Cunha, a principal lição é que o desafio do trabalho remoto não está apenas em fiscalizar a produtividade, mas em encontrar um equilíbrio entre controle, confiança e respeito aos direitos fundamentais, garantindo relações laborais transparentes e sustentáveis. “A legislação trabalhista permite o controle da jornada e da produtividade pelo empregador, já que este detém o chamado poder diretivo, que lhe dá o direito de organizar, dirigir e fiscalizar o trabalho, inclusive à distância. Após a pandemia de Covid, ferramentas de login, a telemetria ou sistemas de acesso passaram a ser comuns para medir o tempo de conexão do funcionário”, pontua, destacando que o monitoramento por meios eletrônicos, em si, não é proibido, desde que respeite a LGPD (Lei Geral da Proteção de Dados) e os limites constitucionais de intimidade, vida privada e dignidade do trabalhador. “Portanto, o empregador pode acompanhar uso de sistemas, cumprimento de tarefas e metas, desde que isso seja proporcional, transparente e informado previamente ao empregado”, detalha.

Resistências

Outro ponto sensível é a resistência de empregadores. Muitos líderes ainda não se sentem confortáveis em gerir equipes à distância, o que compromete engajamento e colaboração. Tatiana Gonçalves, CEO da Moema Medicina do Trabalho, ressalta que a escolha de quem pode adotar o modelo híbrido ou remoto deve ser avaliada pelos gestores diretos, levando em conta as condições de trabalho de cada colaborador.

Ela também reforça a necessidade de atenção às Normas Regulamentadoras, como a NR 17 (ergonomia), além de laudos e programas de prevenção, que garantem segurança e reduzem riscos de doenças ocupacionais.

“O trabalho remoto, por si só, não é o problema, mas sim a forma como cada funcionário assume sua responsabilidade nesse modelo”, afirma Renata Rivetti, especialista na área de ciência da felicidade e diretora do 4 Days Week Brasil.

“Avaliar a produtividade apenas por registros de inatividade em máquinas corporativas não reflete a realidade da complexidade das funções, nem considera fatores como falhas técnicas, questões de saúde, sobrecarga ou a própria dinâmica de organização das equipes”, pontua Renata. Para ela, o essencial não é o local onde se trabalha, mas o compromisso do profissional em cumprir suas entregas e manter a produtividade de forma transparente e responsável.

Mas não é só. Ana Maria Cunha defende que, do ponto de vista organizacional, falta também uma mudança cultural. “Muitos gestores ainda baseiam sua avaliação de produtividade na presença física ou no controle de tempo conectado, quando, na verdade, o trabalho remoto demanda gestão por resultados. É necessário capacitar lideranças e equipes para o gerenciamento à distância, fortalecendo práticas de comunicação, feedback e confiança mútua”, complementa a advogada.

Sanções

A especialista em direito do trabalho faz questão de ressaltar que a baixa performance pode gerar sanções disciplinares previstas na CLT, aplicáveis de forma gradativa, sempre em atenção ao princípio da proporcionalidade. “Isso inclui advertência, suspensão e, em casos mais graves, até a dispensa por justa causa. Além da ruptura contratual, o trabalhador, claro, pode sofrer perda de confiança e restrições de promoção”, completa.

Ana Maria acredita que, para que os modelos de home office e híbrido sejam efetivamente garantidos no universo do trabalho, ainda é preciso avançar muito em aspectos legais, culturais e organizacionais. “Do ponto de vista jurídico, embora a CLT já trate do teletrabalho, a regulamentação ainda é insuficiente diante da complexidade do tema. Faltam normas mais detalhadas sobre saúde e segurança no trabalho remoto, ergonomia, fornecimento de equipamentos, custeio de despesas e, principalmente, sobre o direito à desconexão”, explica a advogada.

Ela recomenda que as empresas formalizem, por aditivo contratual, as condições do teletrabalho, como prevê a CLT. “Também devem adotar metas mensuráveis por resultados, respeitando o direito à privacidade, bem como adotar estratégias de compliance trabalhista, como a transparência nos mecanismos de monitoramento, registro de entregas via plataformas digitais e a adoção de programas de saúde e segurança no trabalho remoto”, diz.

Apesar da lei possibilitar o controle, a advogada ressalta que a própria legislação trabalhista e a Constituição vedam práticas que violem a privacidade e a intimidade do trabalhador. “Além de não se admitir o monitoramento sem comunicação prévia, também não é permitido, por exemplo, o uso de câmeras internas para vigiar ambientes privados (como a casa do trabalhador), o rastreamento abusivo de geolocalização ou coleta de dados não relacionados diretamente à atividade laboral. O excesso de monitoramento pode, inclusive, gerar danos morais”, finaliza.