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O desafio de reconstruir o vínculo no trabalho no Brasil

O país mantém uma das maiores taxas de rotatividade do mundo. O  accountability pode ser o elo que falta

  • Foto do(a) author(a) Carmen Vasconcelos
  • Carmen Vasconcelos

Publicado em 20 de outubro de 2025 às 06:30

Enquanto as empresas aceleram contratações, o sentimento de conexão — o verdadeiro combustível da permanência — se esvai
Enquanto as empresas aceleram contratações, o sentimento de conexão — o verdadeiro combustível da permanência — se esvai Crédito: Shutterstock

O desemprego caiu, o número de contratações cresceu, mas o vaivém de profissionais continua intenso. O Brasil encerrou 2024 com uma taxa de rotatividade acima de 52%, uma das mais altas do planeta. Aparentemente, há vagas — mas falta vínculo.

“Hoje, há muito movimento, mas pouco pertencimento”, resume Julia Gianzanti, psicóloga especialista em RH e autora do livro “Accountability: a competência essencial para transformar sua vida”. “As pessoas entram rápido, mas saem na mesma velocidade. Não encontram clareza de papéis, coerência cultural nem sentido no trabalho.”

A frase traduz o novo paradoxo do mercado: enquanto as empresas aceleram contratações, o sentimento de conexão — o verdadeiro combustível da permanência — se esvai.

Coerência

Se antes o salário era a grande âncora da retenção, hoje ele é apenas o ponto de partida. Pesquisas da Robert Half mostram que um terço dos profissionais brasileiros trocaria de emprego sem aumento de remuneração, se encontrasse um ambiente mais saudável e coerente.

“Dinheiro atrai, mas não segura”, diz Julia. “As pessoas pedem demissão por incoerência — quando o discurso é bonito, mas a prática é tóxica. Isso mina a confiança.” A especialista explica que, no pós-pandemia, muitos profissionais passaram a buscar propósito e bem-estar como critérios de decisão.

A Gallup (2025) aponta que 70% do engajamento dos colaboradores depende diretamente da liderança imediata — o que torna o papel do gestor central na equação entre permanência e desligamento. Quando o trabalho perde sentido, ele vira apenas tarefa. Segundo um levantamento da Fundação Getúlio Vargas em parceria com Flash e Talenses (2024), apenas 44% dos brasileiros se consideram engajados.

O restante cumpre expediente — e sonha em sair. “O propósito é o que conecta o indivíduo ao impacto do que faz. Sem ele, qualquer obstáculo vira motivo de desistência”, afirma Julia.

Para Karen Fontana, CCSO da FutureBrand São Paulo, o problema não está apenas na entrada, mas na jornada: “Contratar é fácil. O difícil é cuidar da experiência real de trabalho. Falta acolhimento, aprendizado e espaço para autonomia com suporte.”

Julia Gianzanti é psicóloga especialista em RH e autora do livro “Accountability: a competência essencial para transformar sua vida”
Julia Gianzanti é psicóloga especialista em RH e autora do livro “Accountability: a competência essencial para transformar sua vida” Crédito: Divulgação

Consciência x cobrança

Muito se fala em responsabilidade, mas pouco em accountability. O termo, ainda sem tradução precisa em português, significa autorresponsabilidade — ou a capacidade de responder pelos próprios atos, de forma madura e transparente.

“Accountability não é sobre pressão, é sobre consciência”, diz Julia. “É o oposto da cultura da culpa. Quando há clareza, autonomia e confiança, as pessoas se sentem parte e não apenas peças.” A psicóloga explica que equipes com cultura de accountability genuína tendem a ter menos rotatividade e mais engajamento.

“Quando o colaborador entende o impacto do que faz, ele fica. Porque o trabalho passa a ter significado real.”

Em tempos de mudanças aceleradas, o modelo de gestão centralizador perdeu validade. “O líder que controla tudo anula o senso de dono. O que confia e compartilha decisões, desperta protagonismo”, diz Julia.

Karen reforça: “Não existe accountability sem voz. É preciso criar ambientes em que as pessoas possam se expressar, errar e propor soluções sem medo.”

Karen Fontana diz que o paradoxo revela um descompasso entre as práticas de contratação e a experiência real de trabalho oferecida pelas organizações
Karen Fontana diz que o paradoxo revela um descompasso entre as práticas de contratação e a experiência real de trabalho oferecida pelas organizações Crédito: Pedro Saad/Divulgação

Empresas que adotam práticas participativas e descentralizadas têm 175% mais chances de inovar continuamente, segundo a Deloitte (2025). O segredo, afirmam as especialistas, está em trocar cobrança por empoderamento — e vigilância por diálogo.

Alma e estratégia

O novo RH precisa deixar de ser executor de processos para se tornar guardião da cultura.

“O papel do RH é desenhar rituais de confiança: metas claras, conversas francas e espaço real para experimentação”, diz Julia. “Performance e bem-estar não são opostos — são complementares.” Karen concorda: “Não adianta medir só produtividade. É preciso olhar para colaboração, clima e aprendizado. Só assim o desempenho se sustenta.”

Em sua empresa, a FutureBrand, ela conta que o compromisso com o bem-estar é levado a sério: “Temos uma especialista em saúde mental independente da estrutura hierárquica, reuniões trimestrais de alinhamento e uma cultura de feedback recorrente. Isso reforça a confiança — o que, por consequência, reduz o turnover”, complementa.

Em um mercado cada vez mais volátil, reter talentos se tornou um ato de coragem — e de coerência. Não basta oferecer benefícios modernos se a relação continua frágil. O que faz as pessoas ficarem é o sentido, o pertencimento e a possibilidade de crescer com verdade.

Como resume Julia Gianzanti, “as pessoas não querem apenas um emprego. Querem fazer parte de algo que faça sentido. E isso não se compra — se constrói, todos os dias”, finaliza.

Para construir uma cultura de accountability

Comece pela coerência Autonomia exige confiança. Não prometa liberdade se vai controlar cada passo.

Forme líderes que escutam Perguntar antes de julgar e dar contexto antes de cobrar muda o clima da equipe.

Crie contratos de convivência Combine regras de colaboração e como os conflitos serão resolvidos. Reavalie sempre

Transforme o feedback em conversa viva Não é sobre avaliar, é sobre evoluir junto. Feedback é diálogo, não relatório.

Recompense o coletivo Valorize quem coopera, não só quem entrega resultados individuais. A cultura muda quando o reconhecimento muda.

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