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Carmen Vasconcelos
Publicado em 22 de setembro de 2025 às 06:00
No mês em que o Setembro Amarelo reforça os cuidados com o bem-estar emocional e a valorização da vida, a atenção se volta para o ambiente de trabalho, onde as pessoas passam boa parte do dia e onde surgem situações capazes de adoecer o corpo e a mente. Entre os problemas mais recorrentes estão o assédio moral e a síndrome de burnout — ambos reconhecidos como causas legítimas de afastamento e, em muitos casos, de ações judiciais. >
Empresas e gestores têm papel essencial na construção de ambientes de trabalho mais humanos, nos quais a saúde mental não seja vista como fraqueza, mas como parte fundamental da vida. >
A advogada Priscila Almeida, especialista em Direito e Processo do Trabalho do Azi e Torres Associados, lembra que como seres imperfeitos e falhos, as pessoas experienciam na vida cotidiana momentos desafiadores e de oscilações produtivas. “Infelizmente, quando falamos de ensino tradicional e mercado de trabalho o erro é visto como antagônico ao acerto e não como parte do processo. Desta forma, a ideia que é pregada e exigida aos funcionários vai de encontro com a vida como ela é”, reflete. >
Para a advogada, as organizações deveriam ampliar as discussões sobre a valorização das potencialidades dos funcionários ao invés de focar nas faltas "Afinal é um fato: não dá para produzir bem e até mesmo mais precisando focar na sobrevivência psicológica de dentro da empresa”, complementa. >
A advogada esclarece que o assédio moral ocorre quando o trabalhador é exposto de forma repetida a condutas que humilham, constrangem ou isolam, comprometendo sua dignidade e bem-estar. “Não se trata de uma cobrança pontual ou de um conflito isolado, mas de práticas sistemáticas, como críticas desmedidas e vexatórias, metas inalcançáveis impostas de forma abusiva, exclusão ou isolamento do grupo, ameaças constantes de demissão, dentre outras, que fragilizam emocionalmente o trabalhador e podem desencadear transtornos sérios, como depressão e ansiedade”, declara. Por sua vez, a síndrome de burnout é fruto da exposição prolongada a estresse intenso, que provoca esgotamento físico e mental no trabalhador, desmotivação e apatia, sendo, geralmente, associado a longas jornadas de trabalho, pressão e competitividade exacerbada, tendo sido reconhecida Organização Mundial da Saúde como um fenômeno relacionado ao trabalho. >
Reconhecimento>
Psicoterapeuta, palestrante e facilitadora de Grupos, Bianca Reis reconhece que o assédio moral, muitas vezes, se manifesta de forma silenciosa e velada, sendo difícil a percepção até para o próprio assediado. “Assim, o primeiro passo é reconhecer o assédio, entendendo que críticas excessivas, isolamento ou cobranças excessivas podem caracterizar o assédio moral”, esclarece. >
A psicóloga destaca ainda que dada a dificuldade da prova, é importante que o trabalhador colete e registre o máximo de informações que possam servir como meio de prova, inclusive anotando nome de possíveis testemunhas. “Uma vez que o trabalhador se perceba emocionalmente afetado pelo comportamento de algum colega de trabalho ou até mesmo pelo seu superior hierárquico, ele pode recorrer ao setor de Recursos Humanos, à CIPA ou buscar canais de denúncia caso ofertados pela organização para expressar suas preocupações e contar com apoio psicológico, se necessário”, orienta. >
A advogada Priscila Almeida diz que o assédio é uma situação de violência extremamente delicada e que, o importante nesses casos, é reconhecer quem no ambiente faz parte da rede de apoio. Importante também que o trabalhador busque apoio externo, conversando com pessoas de sua confiança, ou através de assistência do sindicato da categoria, Ministério Público do Trabalho, bem como procure acompanhamento psicológico, a fim de cuidar da sua saúde emocional, evitando que a situação evolua para problemas mais graves. >
Quando o estresse é uma constante no ambiente de trabalho, a sugestão de Bianca é que haja uma ação conjunta entre empresa e trabalhadores. “No âmbito organizacional, é essencial que a empresa fomente uma gestão de metas equilibrada, promova treinamentos para uma liderança humanizada, bem como observe os limites legais da jornada de trabalho e oferte ambientes de escuta para os trabalhadores, adotando políticas de saúde mental e qualidade de vida”, esclarece a psicoterapeuta. Sob a perspectiva do trabalhador, Bianca Reis é enfática na importância do autocuidado, priorizando hábitos saudáveis, como prática de atividades físicas, alimentação equilibrada, atenção à qualidade do sono, apoio psicológico, e construção de redes de apoio dentro e fora do ambiente laboral. >
NR-01 >
A coordenadora do curso de Psicologia da Unijorge, Katia Jane reforça que, quando uma empresa valoriza a vida, ela compreende que o bem-estar emocional não é apenas responsabilidade individual do trabalhador, mas um compromisso coletivo que deve ser sustentado por políticas institucionais claras e contínuas. “É preciso transformar a proposta em políticas institucionais permanentes, e isso significa que a saúde mental precisa ser incluída no planejamento estratégico da empresa, com metas, orçamento e indicadores de acompanhamento — assim como já se faz com segurança do trabalho ou produtividade”, destaca. >
Para a coordenadora, o primeiro passo para tirar a ideia do papel e colocar na prática, é preciso fazer um mapeamento de riscos psicossociais, ouvir os trabalhadores sobre suas demandas e instituir protocolos claros de acolhimento em casos de sofrimento psíquico ou assédio. “As lideranças precisam estar capacitadas para uma gestão mais empática, e para isso é preciso treinamentos periódicos para líderes e gestores, pois grande parte dos problemas se manifesta na relação direta com as equipes”. >
Outra medida é criar canais seguros para queixas de assédio e sobrecarga, garantir programas permanentes de cuidado, como parcerias para atendimento psicológico, rodas de conversa, espaços de escuta segura dentro da empresa e campanhas internas que reforcem a importância do equilíbrio entre vida profissional e pessoal. >
Bianca Reis lembra que independente das campanhas do Setembro Amarelo, as organizações precisam estar atentas para o fato de a NR-01 estabelece as diretrizes gerais para a segurança e saúde no trabalho, exigindo que as empresas gerenciem os riscos ocupacionais e implementem o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), incluindo riscos psicossociais como estresse e assédio. >
"A NR-01 traz expressamente a responsabilidade das organizações em manter um ambiente de trabalho saudável, seguro e digno, prevenindo riscos que possam gerar acidentes, doenças ocupacionais ou adoecimento mental. Logo, a responsabilidade do empregador não se limita a fornecer equipamentos ou cumprir normas técnicas, mas envolve um compromisso ético e jurídico com a vida e a saúde integral do trabalhador, ampliando a noção de prevenção, garantindo a valorização da vida em todas as dimensões – física, psíquica e social, reconhecendo que o adoecimento também pode decorrer de fatores psicossociais”, finaliza. >