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Perla Ribeiro
Agência Brasil
Publicado em 11 de setembro de 2025 às 15:55
O ex-ministro da Previdência Social do governo Bolsonaro e ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Ahmed Mohamad Oliveira, afirmou à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que o instituto não tem condições de fiscalizar os Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) que firma com outras organizações da administração pública e com entidades da sociedade civil.>
Os Acordos de Cooperação Técnica que permitem que organizações da sociedade civil cobrem, de aposentados e pensionistas, mensalidades associativas diretamente dos benefícios previdenciários pagos pelo INSS a milhões de aposentados e pensionistas de todo o Brasil foram suspensos, para averiguação, no mesmo dia em que a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram a Operação Sem Desconto, em abril deste ano.>
“O INSS não tem condição absolutamente nenhuma de fiscalizar ACTs”, declarou Oliveira nesta quinta-feira (11), ao ser questionado pelo relator da comissão, o deputado federal Alfredo Gaspar (União-AL), sobre os critérios e procedimentos que o depoente adotava ao avalizar, na condição de diretor de Benefícios do instituto, a assinatura dos acordos com entidades civis. A operação trouxe a tona um esquema criminoso de descontos das mensalidades associativas envolvendo várias das entidades autorizadas a oferecer a seus associados a possibilidade do desconto em folha. >
“Na qualidade de diretor, eu praticamente acolhia aquilo que vinha da linha inteira…”, respondeu Oliveira ao classificar como meramente “mecânico” o processo de análise da celebração de parcerias entre o INSS e entidades como associações de aposentados e sindicatos autorizadas a oferecer a seus filiados o desconto da mensalidade diretamente do benefício previdenciário. Até a semana passada, mais de 5,58 milhões de pessoas tinham questionado as cobranças e mais de 2,2 milhões de segurados do INSS já tinham recebido o ressarcimento por valores descontados ilegalmente.>
“Isso é uma questão, um processo, digamos que mecânico. As pessoas [entidades] requeriam [a assinatura de acordos], isso passava pelo crivo de todos os setores [do INSS] para ficar adequado, de acordo com a legislação, e vinha em um processo virtual para a gente apor nossas assinaturas. Era uma coisa bastante fria e distante da gente”, acrescentou o depoente, justificando o fato de, mesmo considerando que o instituto não tem condições de fiscalizar a execução dos acordos, concordou com que eles fossem firmados.>
Servidor de carreira do instituto, Oliveira presidiu o INSS de novembro de 2021 a março de 2022, quando assumiu o comando do Ministério da Previdência Social, onde permaneceu até o fim do governo Bolsonaro, em 31 de dezembro de 2022. Na época, ele atendia pelo nome de José Carlos Oliveira, o qual conseguiu alterar recentemente, por motivos religiosos. Ele depôs à CPMI na condição de convidado e a expectativa da comissão composta por 16 senadores e 16 deputados federais é apurar eventuais omissões acerca das queixas e denúncias que começavam a ganhar corpo no período. >
As investigações revelaram que grande parte das vítimas da fraude sequer conheciam as entidades que cobravam as mensalidades, mediante a apresentação de documentos falsificados. Dados da Controladoria-Geral da União (CGU) e do próprio INSS indicam que, a partir de 2016, o montante descontado de pensionistas e aposentados por meio dos descontos associativos – autorizados ou não – cresceu ano após ano.>
Em 2016, foram R$ 413 milhões; em 2017, R$ 460 milhões; em 2018, R$ 617 milhões; em 2019, R$ 604 milhões. Em 2020, em meio à pandemia da covid-19, o valor caiu para R$ 510 milhões. Em 2021 foram descontados R$ 536 milhões. Em 2022, R$ 706 milhões. Em 2023, R$ 1,2 bilhão. E, no ano passado, R$ 2,8 bilhões.>
Desconhecimento>
Em seu depoimento à CPMI, Oliveira garantiu que só tomou conhecimento das fraudes em descontos associativos com a deflagração da Operação Sem Desconto, reforçando que os requerimentos passavam antes por outros setores técnicos, sem que houvesse uma análise pessoal e individualizada das propostas.>
“Naquele momento (2021), tínhamos mais de 60 apontamentos da CGU, mas nenhum dizia respeito a esta modalidade do desconto associativo. Tínhamos 500 acórdãos do TCU [Tribunal de Contas da União]. Nenhum deles tratava desta modalidade. Por isso nunca tivemos o olhar voltado para esta modalidade. Estávamos focados no reconhecimento de direitos e na fila de 2,8 milhões processos parados, à espera de serem analisados – alguns deles aguardando por uma resposta há mais de 100 dias”, comentou Oliveira, dizendo que, enquanto diretor de Benefícios, apenas “acolhia aquilo que vinha da linha inteira”.>
“É importante destacar que o INSS não se beneficia com nenhum desconto”, destacou Oliveira, reforçando a tese de seu sucessor no Ministério da Previdência Social, o ex-ministro Carlos Lupi, que antes de deixar o cargo, após a realização da Operação Sem Desconto, disse que sempre se manifestou contra o desconto das chamadas mensalidades associativas por entender que ela gera custos e mais trabalho para o instituto, sem que este receba por isso.>
“Nossa função é apenas operacionalizar o que a lei determina”, prosseguiu Oliveira. “Se houve abusos e irregularidades, estes foram praticados por entidades externas e devem ser investigados e punidos com o devido rigor. E, claro, se houve o envolvimento de algum servidor [público], que este também seja punido.”>
Durante intervalo do depoimento, o presidente da CPMI, senador Carlos Viana (Podemos-MG), comentou com jornalistas que todas as informações fornecidas pelos depoentes serão confrontadas entre si e com documentos oficiais obtidos pela comissão. “Há momentos em que a sensação que eu tenho é a mesma de pessoas que me abordam nas ruas: ninguém sabe de nada, ninguém viu nada, ninguém conheceu ninguém e só ficou sabendo depois que a PF se manifestou. Ou seja, há momentos em que parece que os aposentados roubados é que são culpados, mas não vamos deixar que esta sensação perdure,” explicou.>