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Georgina Maynart
Publicado em 25 de outubro de 2018 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Basta uma olhada no campo para comprovar o que os números indicam: tem mais mulheres presentes nas lavouras. Em todas as atividades, desde a administração das fazendas até o trabalho direto nas plantações. Já são mais de 945 mil produtoras rurais em todo o país, o equivalente a 18,7% dos produtores, de acordo com o último censo agrícola do IBGE.>
Nos últimos dois dias, mais de 1.500 representantes deste setor desembarcaram em São Paulo com uma só intenção: discutir a participação feminina no setor agropecuário brasileiro. Reunidas no Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, elas têm travado discussões intensas sobre vários assuntos, desde a formação de lideranças para a gestão das propriedades rurais, até questões globais, como preservação do meio ambiente, novas tecnologias de produção, leis de regulamentação agrícola, agrometeorologia e biocombustíveis.>
“Nós precisamos dar voz ao nosso poder em tudo que a gente pode transformar na sociedade. Buscar conhecimento e trabalhar duro. As mulheres já estão nesta luta há muito tempo. É importante nos engajarmos nas comunidades, nas instituições, associações, sindicatos e cooperativas”, defende a produtora rural Silvia Nishikawa, filha e neta de agricultores. Não resta dúvida: as mulheres estão dispostas a ter cada vez mais voz neste setor antes dominado exclusivamente pelos homens. “O mais difícil é o papel de mãe, dona de casa e produtora rural. Não é fácil assumir a parte administrativa do negócio. Mas boas ideia tem que ser espalhadas”, diz Celi Webber Matei, produtora rural de Passo Fundo, no Rio Grande Do Sul.>
Empresas engajadas>
Muitas empresas do setor estão se engajando nesta tendência. Na Cargill, considerada uma das maiores empresas de agronegócio do Brasil, voltada para exportação e com um faturamento de US$14 bilhões por ano, 30% do quadro de funcionários já é do sexo feminino. “As mulheres têm conquistado uma relevância muito grande dentro da empresa, não só no Brasil como nos Estados Unidos. Cerca de 26% da nossa liderança é composta por mulheres. O nosso presidente mundial assinou um compromisso para que até 2030 tenhamos 50% das nossas lideranças compostas por mulheres. Há processo de seleção em todos os níveis”, afirma Luiz Pretti, presidente da Cargill no Brasil.>
Outra gigante do setor também está abraçando a causa. A Jonh Deere, uma das maiores fabricantes de máquinas agrícolas do mundo, esteve presente nas discussões no congresso. Para os representantes da marca, a atuação das mulheres pode ajudar na eficiência do setor.>
“Temos que aumentar a eficiência do setor, e uma das estratégias envolve as mulheres. A mulher tem a capacidade de atrair os talentos adequados, desenvolvê-los e retê-los, inclusive os jovens. Muitos foram para a cidade e precisam voltar para o campo. A mulher tem capacidade de juntar o marido, os filhos e os irmãos para tornar o campo mais eficiente”, afirmou Paulo Herrmann, presidente da Jonh Deere no Brasil durante a palestra.>
Sustentabilidade>
Além da equidade entre os gêneros, os palestrantes também defenderam a busca por ações sustentáveis no campo. Vários debates giraram em torno da preservação do meio ambiente e de formas inovadoras de produção.>
“A responsabilidade que nós temos como produtores de alimentos é criar novos conhecimentos sobre saúde humana e sustentabilidade. Nosso foco é a educação, a comunidade e a inovação. As oportunidades de negócios estão nesta rede. Temos que trabalhar juntos, não só com os pequenos, mas com a indústria, governo, pesquisadores, estudantes, comunidades locais, todos. É um esforço cooperativo, colaborativo, de conexões”, aponta Sara Roversi, presidente da organização não governamental Future Food Institute. >
Nem tudo são flores>
Apesar de estarem mais presentes no agronegócio, as mulheres ainda sofrem discriminação e enfrentam muitos outros entraves para se impor neste segmento. Um estudo realizado com 4.157 produtoras rurais de cinco continentes, revelou que 78% acreditam que há discriminação de gênero, 49% ganham menos do que os homens e 51% não se sentem reconhecidas pelo trabalho que realizam.>
“A vida do agricultor não é fácil, mas para a mulher é mais difícil. Elas precisam de mais suporte. O desafio é descobrir como acelerar este acesso, para ser mais justo, mais igualitário”, diz Ana Claudia Cerasoli, diretora de Marketing da Corteva Agriscience na América Latina, empresa que realizou a pesquisa.>
O levantamento foi realizado com produtoras rurais da China, Índia, Indonésia, Austrália, Estados Unidos, Canadá, Brasil, México, Argentina, França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido, Quênia, Nigéria e África do Sul.>
Entre as entrevistadas estão mulheres que administram pequenas propriedades até empresas com mais de 300 funcionários. Mais de 80% têm entre 20 e 39 anos.>
Cerca de 63% disseram que existe menos discriminação do que há 10 anos, mas 44% acreditam que o Brasil levará até três décadas para alcançar igualdade entre os gêneros. A pesquisa também revelou que 89% das mulheres no Brasil gostariam de ter mais acesso a treinamentos e 87% querem ampliar o nível da formação acadêmica. E mais: 80% acreditam que com mais tecnologia poderão remover os obstáculos.>
“Elas têm alcançado um protagonismo muito forte, e se expõem dentro da porteira. Na fazenda fazem tudo, sobem no trator, administram, assumem o negócio, seja com o marido ou não. Se tiverem um conhecimento a mais, poderão ter condições de dar um próximo salto”, acrescenta Cerasoli. Ana Cerasoli, diretora de Marketing da Corteva Agriscience na América Latina (foto: divulgação) Academia do Agro >
Durante o congresso foi lançada a Academia de Liderança das Mulheres do Agronegócio. É um programa de formação que será oferecido pela Corteva Agriscience, Divisão Agrícola da DowDuPont, em parceria com a Fundação Dom Cabral e a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG). A primeira turma já está fechada e terá 20 participantes. O Brasil foi escolhido para o início do projeto, que depois será implantado em outros países. “Apesar de sabermos que as mulheres do Brasil estão alimentando o mundo, suas vozes não estão sendo ouvidas. Nós queremos assegurar a voz destas mulheres. Vamos dar as ferramentas para que elas possam liderar. Não apenas no Brasil, mas nos negócios agrícolas em várias partes do mundo”, afirmou a americana Tiffany Atwell, líder global de Relações Governamentais da Corteva, que veio ao Brasil para o lançamento do programa.>
O curso inclui lições de tecnologia, ordenamento político, sistemas sustentáveis de produção, leis e comunicação. “É crucial aprimorar os modelos de gestão. Em 2019 queremos aumentar o programa e poderemos ter 250 produtoras rurais. Vamos explorar os cursos on-line, na via digital, para dar acesso às mulheres que estejam nas regiões mais remotas”, explicou Luís Cornacchioni, diretor da ABAG.>
Bahia marca presença>
A Bahia foi representada por cerca de 30 produtoras rurais. A maioria faz parte do Núcleo de Mulheres do Agro. O grupo existe há 3 anos e é composto por produtoras de vários municípios do Oeste da Bahia, entre eles Barreiras, Luís Eduardo Magalhães e São Desidério.>
Desde que foi criado, o grupo se mobiliza para fortalecer a participação feminina no campo, realizar cursos de capacitação e ações educativas e sociais nas comunidades, como doações de alimentos e agasalhos.>
“Cada vez mais mulheres estão focadas no negócio do agro. Temos que trocar estas experiências. Muitas mulheres sempre foram do campo, ainda moram nas fazendas, e estão com seus maridos há muito tempo. Mas agora elas vieram para a linha de frente. Fazem parte da tomada de decisão, de várias tarefas, participam da produção à comercialização”, afirma Rose Cerrato, produtora rural de milho, algodão e soja.>
São mulheres que já auxiliam cada vez mais a família na administração da fazenda.>
“O conhecimento ajuda a ficar por dentro das tendências para tomar decisões mais eficazes. Eu tenho trabalhado na gestão da empresa, tentado aprender cada vez mais, e com isso a gente tem visto os resultados”, diz a produtora rural Ivanir Pradella, que coordena uma fazenda no Oeste do estado, junto com o marido e o cunhado.>
São mulheres empreendedoras que incentivam a participação das novas gerações. Renate Busatto, produtora rural há mais de 30 anos, veio com a filha de 27 anos. “O mundo está evoluindo muito rápido. Toda hora tem novidade. É importante participar de congressos como este. A família agrega. Trouxe minha filha que é engenheira agrônoma e também trabalha na empresa. Não podemos perder estas oportunidades. É uma integração muito boa e essencial”.>
Na Bahia, dados recentes do IBGE mostraram que 1 em cada 4 produtores agropecuários são mulheres. É o segundo estado do Brasil com o maior percentual, cerca de 25,6%. São cerca de 195 mil mulheres trabalhando no campo. O percentual é menor apenas que o de Pernambuco, onde 27,2% das fazendas são comandadas por mulheres. Representantes do Núcleo Mulheres no Agro, organização criada e estabelecida no Oeste da Bahia (Foto: Georgina Maynart) >
Fenagro >
A participação feminina no agronegócio também será um dos temas da FENAGRO – Feira Internacional da Agropecuária, que vai acontecer no Parque de Exposições de Salvador, de 26 de novembro a 01 de dezembro.>
Durante a Semana de Inovação, Desempenho e Empreendedorismo será realizado o I Simpósio Elas no Agro. Vão ser dois dias de debates sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea. As inscrições já estão abertas e podem ser realizadas na página da empresa IDEAlizadores, organizadora do evento. O link é https://bit.ly/2xWMCol. >