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De acordo com estudo da Serasa Experian, a inadimplência dos estudantes de ensino superior cresceu 22,4% no primeiro semestre de 2015
Naiana Ribeiro
Publicado em 17 de outubro de 2015 às 08:11
- Atualizado há um ano
Aos 24 anos, a auxiliar administrativa Maira Mesquita deve R$ 1,7 mil para duas instituições de ensino superior de Salvador. Foram dois meses sem pagar o curso de Recursos Humanos (RH) no Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), levando a instituição a colocá-la no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). Ela também não conseguiu pagar três meses do mesmo curso na Estácio, razão que a fez abandonar o estudo.
Maira é apenas uma entre milhares de estudantes afetados não só pelas mudanças das regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) como também pelo cenário econômico do país. O ‘calote’ dos universitários dobrou, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), afetando o orçamento das faculdades particulares. A inadimplência, que chegava a até 10% em janeiro de 2015, chegou a cerca de 20% em setembro, segundo a Confenen.
De acordo com estudo da Serasa Experian, a inadimplência dos estudantes de ensino superior cresceu 22,4% no primeiro semestre de 2015 ante igual período do ano anterior. Segundo economistas do órgão, esse aumento teve como causa o cenário econômico adverso à quitação das dívidas do consumidor, com taxas de inflação, de juros e de desemprego altas.O bolso apertou e a única solução para a estudante Carla Sobral não ficar inadimplente foi deixar o curso(Foto: Evandro Veiga/CORREIO)BahiaO contexto nacional de inadimplência dos alunos também é observado na Bahia e é visto com preocupação pela Associação Baiana de Mantenedoras do Ensino Superior (Abames). Segundo a Associação, a maioria dos alunos que ingressaram em 2015 teve dificuldade na matrícula em razão da ausência do Fies. “Cerca de 40% a 50% dos alunos que tínhamos ano passado não se matricularam este ano. Os que se matricularam foi em função de ações das instituições”, revela o presidente da Abames, Carlos Joel Pereira. Apesar de ainda não ter dados regionais, a expectativa dele é que as instituições baianas fechem o ano com uma média de 30% de inadimplência dos alunos. “Ao menos um terço das instituições privadas baianas estão convivendo com dificuldades”, diz. Em nota ao CORREIO, o Ministério da Educação disse que não possui dados sobre inadimplência e nem dados recentes do Fies. Porém, em 2014, foram 50.732 contratos do Fies firmados na Bahia e 21.751 em Salvador. Estudo interrompidoA inadimplência é apenas uma das consequências da redução nas vagas do Fies e da crise econômica. Na Bahia, teve muita gente que precisou deixar a faculdade. Com a mensalidade de quase R$ 1,2 mil, a estudante de Publicidade e Propaganda da Universidade Salvador (Unifacs), Carla Sobral, de 26 anos, não viu solução senão trancar o curso. “Tentei o Fies, bolsas, descontos e não consegui”, conta. Ela já é formada em Administração pela Universidade Federal da Bahia.
“Juntando isso com o preço das coisas próprias, as contas apertaram muito. Se antes meu pai conseguia me sustentar, agora não deu”, revela ela, que solicitou o trancamento há duas semanas. Carla está devendo o mês de setembro por um erro da instituição, que não emitiu o boleto, e parou de ir as aulas em outubro para não pagar este mês. “Não gosto de deixar de pagar. Tenho muitos amigos que, sem condiçõe, tiveram que deixar a faculdade. A sorte é que tinha minha família, mas tem gente que não tem essa chance”, confessa.
A auxiliar administrativa Maira, por sua vez, deve R$ 485 para a Unijorge e R$ 1.250 para a Estácio e ainda não conseguiu concluir a graduação. “Fiz o curso de RH na Unijorge e larguei. Estou devendo dois meses e a Unijorge me colocou no SPC. Ainda não consegui pagar”, conta ela. Neste ano, Maira estudou na Estácio e teve que trancar a faculdade por causa da dívida. “Devo três meses. Estou empregada, mas não dá para conciliar com alimentação, luz, água, etc”. Ela tentou Fies e não conseguiu. Hoje, Maira estuda para fazer o Enem e ganhar uma bolsa.
Faculdades privadas da Bahia reduzem custosApesar da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) e do Serasa terem registrado aumento da inadimplência nas instituições privadas do país, as administrações das faculdades particulares de Salvador negam enfrentar aumento significativo de devedores. A maioria afirma que a crise fez com que elas tivessem que readequar seus gastos, com ações como, por exemplo, a economia de energia e água.
Na Rede FTC, a inadimplência em 2015 até agora está em torno de 2,1% maior que em 2014. “A faculdade está implementando um programa extenso de racionalização dos processos internos”, afirma o coordenador financeiro da rede, que engloba a Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) e a Faculdade da Cidade, André Britto. Segundo ele, as faculdades estão buscando reduzir a inadimplência. “Disponibilizamos o CredFTC e o CredCidade, um parcelamento estendido do curso, sem juros, de modo que o aluno possa terminar o pagamento de seu curso após se formar”.
Em resposta à reportagem, o diretor financeiro da Estácio, Virgílio Gibbon, disse que não houve aumento da inadimplência. “A crise é grave, o desemprego é crescente e até observamos internamente um cenário mais complicado em termos de arrecadação”, revela. “Desde março, resolvemos agir, realizando um trabalho de busca de mais eficiência em processos internos”, complementa. Segundo ele, a instituição lançou uma campanha para oferecer alternativas aos alunos inadimplentes.
A Unijorge, em nota ao CORREIO, disse que não foi registrado aumento da inadimplência neste semestre. “Porém, atentos à situação atual da economia, já estão sendo avaliadas novas formas de financiamentos no futuro”. A Universidade Salvador (Unifacs), por sua vez, disse que não iria se posicionar sobre o assunto.
A reportagem entrou em contato por e-mail e telefone com as instituições Dois de Julho, Bahiana, Faculdade Social e Área 1 /DeVry desde o último dia 14 e não obteve resposta até o fechamento desta edição. Procuradas pela reportagem, Universidade Católica do Salvador (Ucsal), União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime), Faculdade Dom Pedro II, Faculdade Adventista da Bahia e Faculdade Mauricio de Nassau não indicaram porta-vozes das instituições para falar com o CORREIO.
Lei assegura direitos de alunos inadimplentesO aluno inadimplente tem direitos garantidos por lei e não pode ser submetido a humilhações. O artigo 6º da lei federal 9.870, de 1999, garante: “São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento”.
Já o Código de Defesa do Consumidor (CDC), no artigo 71, diz que é crime contra a relação de consumo “utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer”.
Se isso acontecer, o consumidor pode recorrer à Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-BA) ou a órgãos de defesa. “O aluno que tiver impedimento de participar de atividades em razão da inadimplência deve se munir de provas acadêmicas - protocolos da faculdade, negativas de solicitações acadêmicas, etc, e pode buscar o Procon. Também é possível procurar o Poder Judiciário no caso de danos morais”, afirma o coordenador-técnico do órgão, Filipe Vieira.
Os meios de cobrança de ordem judicial podem ocorrer por parte da escola. “A cobrança deve buscar a manutenção do vinculo com o aluno”. A instituição pode cobrar juros. Porém, se o aluno achar abusivo, vale negociar ou procurar o Procon.