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Agência Correio
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 16:15
A vivência cotidiana do racismo deixa marcas profundas e duradouras no corpo e no cérebro de crianças negras, impactando diretamente sua saúde, aprendizado e desenvolvimento emocional. >
Racismo tem danos imensos na vida da criança
É o que mostra um estudo da Universidade de Harvard, que documenta como o estresse provocado pelo preconceito estrutural pode gerar danos físicos e psicológicos desde os primeiros anos de vida.>
Mesmo quando não são alvos diretos de ofensas, crianças negras sofrem ao presenciar episódios de discriminação, o que ativa mecanismos de estresse tóxico. No Brasil, essa realidade se reflete em dados alarmantes de saúde física e mental, principalmente entre os mais jovens.>
Crianças expostas rotineiramente ao racismo — seja diretamente ou por meio da vivência de suas famílias e comunidades — apresentam maior ativação do sistema de estresse, de acordo com o Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard. Isso gera um quadro chamado “estresse tóxico”, que afeta o cérebro em formação.>
“Quando os sistemas de estresse das crianças ficam ativados em alto nível por longo período de tempo, há um desgaste significativo nos seus cérebros em desenvolvimento e outros sistemas biológicos”, afirma o documento.>
Com o tempo, esse desgaste prejudica áreas do cérebro ligadas ao raciocínio, autocontrole e aprendizado, favorecendo reações impulsivas, ansiedade e dificuldades emocionais. Ainda que esses efeitos sejam muitas vezes invisíveis, o impacto é real e profundo.>
O estresse crônico provocado pelo racismo ajuda a explicar por que a população negra apresenta maior incidência de doenças como diabetes, hipertensão e até mesmo depressão e suicídio.>
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, negros são mais afetados por doenças crônicas e representam a maior parte das vítimas de violência letal. Em 2018, por exemplo, 75,7% dos homicídios registrados no país tiveram como vítimas pessoas negras.>
A psicóloga Cristiane Ribeiro, que pesquisou o sofrimento psíquico da população negra, aponta: “O adoecimento pela vivência do racismo é constante, tanto nos dados de violência quanto nos de depressão e suicídio”.>
Além do impacto direto do preconceito, o racismo estrutural também se manifesta no menor acesso da população negra a serviços de qualidade. Crianças negras, por exemplo, têm menos acesso a creches e concluem menos o ensino médio do que seus pares brancos.>
Na saúde, embora 67% dos usuários do SUS sejam negros, eles recebem menos atendimentos de pré-natal e fazem menos consultas médicas, conforme dados oficiais.>
“Pessoas de cor recebem tratamento desigual quando interagem em sistemas como o de saúde e educação”, diz o relatório de Harvard.>
O estudo também chama atenção para o chamado “racismo indireto”: mesmo quando não atingem diretamente as crianças, experiências de preconceito vividas por pais, mães e cuidadores também prejudicam o bem-estar infantil.>
Esse estresse nos adultos afeta a autoestima, provoca desgaste mental e influencia negativamente a forma como as crianças se desenvolvem, segundo Harvard.>
Cristiane Ribeiro destaca que o olhar preconceituoso — mesmo quando silencioso — pode ser devastador. “Esse olhar te destroça. A gente fala muito da força da mulher negra, mas e o direito à fragilidade? Será que ser frágil também é um privilégio?”, questiona.>
Apesar do cenário preocupante, há caminhos para transformar essa realidade. Harvard defende que políticas públicas voltadas para reduzir desigualdades, treinamento contra preconceito e iniciativas de apoio comunitário podem aliviar os efeitos do racismo.>
Cristiane Ribeiro reforça, à BBC, a importância da representatividade e da inclusão no ambiente escolar. “Se a professora trata o cabelo crespo com o mesmo afeto que o liso, ela muda o mundo daquela criança. A autoestima vira proteção”, afirma.>
Por fim, tanto o estudo quanto especialistas apontam o afeto como ferramenta poderosa. Redes de apoio, convivência com referências positivas e acolhimento nas instituições são capazes de romper ciclos de exclusão e abrir caminhos para o desenvolvimento pleno de cada criança.>