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Divaldo Franco e os autores do além: quem assina os livros psicografados?

Antes de desencarnar, médium baiano deixou um legado de mais de 250 livros espirituais; conheça o mundo dos autores que não estão mais entre nós

  • M
  • Moyses Suzart

Publicado em 15 de maio de 2025 às 05:00

 - Atualizado há 2 anos

Divaldo Franco
Divaldo Franco Crédito: Divulgação

A fé remove montanhas, faz milagres e escreve livros. Antes de desencarnar no último dia 13 de maio, o mestre espírita Divaldo Franco deixou um legado de pelo menos 250 livros publicados dos mais diversos temas que possuem alguma relação com espiritismo. Contudo, ele não estava só na autoria das respectivas obras. Como o próprio médium afirmou em vida, ele era apenas instrumento dos verdadeiros autores. Neste contexto, fica uma dúvida no ar. Você já parou para pensar quem deveria receber os créditos pela obra? Os espíritos ou os médiuns? Bem-vindo ao mundo literário da psicografia, onde as obras são feitas por diversos espíritos: encarnados e desencarnados.

Só para se ter uma ideia, somente na obra de Divaldo Franco, mais de 200 autores do além tiveram algum tipo de participação nos livros publicados, boa parte com 100% de participação. A mais famosa escritora é Joanna de Ângelis, que assina, junto com Divaldo, mais de 70 livros. Outra personalidade histórica que escreveu obras espíritas foi Amélia Rodrigues, que tem 12 livros com Divaldo Franco, além de uma cidade baiana com seu nome.

Vale também ressaltar que, em uma das encarnações, a autora espiritual Ângelis foi nada mais nada menos que Joana Angélica, a heroína e mártir da independência da Bahia e do Brasil. Sua última aparição em carne e osso foi justamente nesta época, mas acabou assassinada no Convento da Lapa, em Salvador, pela tropa portuguesa. A sua primeira publicação desencarnada foi o livro Messe de Amor, lançado em 1964, o primeiro de Divaldo.

Afinal, como esta construção literária entre os dois mundos funciona? Um dos mais conceituados médiuns brasileiros, o baiano José Medrado tem um jeito bem simples e didático para explicar como a conexão entre espírito e médium se transforma em uma obra de arte:

“Pense no médium como um computador. Ele tem suas funções, suas particularidades, memória, entre outras características. O espírito se utiliza desta ‘máquina’ para expressar sua mensagem, seja por meio da psicografia, psicopictografia (pinturas) ou escultura mediúnica. Muitas vezes, estamos conscientes, mas funcionando como um instrumento, como o computador”, explica.

Divaldo era um potente computador que ligava o lado espiritual com o físico. Foram variados espíritos que utilizaram a psicografia como canal para as obras literárias. Victor-Marie Hugo, por exemplo, era poeta, romancista, dramaturgo, jornalista e político na sua última vez que habitou a terra, no século 19. Foi autor de sete obras por meio da psicografia. Manuel Vianna de Carvalho psicografou com Divaldo seis livros, nenhum deles sobre suas profissões em vida: engenheiro militar, bacharel em Matemática e Ciências Físicas. Junto com seus espíritos de luz, Divaldo vendeu mais de 10 milhões de livros.

Divando
Divando Crédito: Divulgação

Chico Xavier

Os autores do além que, por meio dos médiuns, escrevem livros que trazem mensagens de conforto, ensinamentos, contam como é o lado de lá e ganham destaque no mercado literário. Chico Xavier, o principal nome do espiritismo no país, publicou 459 livros ao longo de seus 92 anos encarnado. Sabe de quantos ele foi autor? Teoricamente, nenhum. E isso já rendeu até processo sobre direitos autorais.

Chico Xavier, assim como Divaldo, teve ao longo da vida religiosa diversos espíritos de luz que dividiram os créditos. Entre eles está Humberto de Campos, que curiosamente foi jornalista, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras, até sua morte em 1934. Ele escreveu 44 livros em vida e não parou nem depois de desencarnar. Com ajuda de Chico, escreveu outras 15 obras psicografadas, a primeira logo dois anos após desencarnar. Esta pressa de escrever do espírito rendeu um processo judicial para Chico.

Em 1944, após o livro Reportagens de Além-Túmulo, familiares de Humberto de Campos decidiram entrar na justiça pedindo direitos autorais das obras pós-morte. “Este mal entendido jurídico foi enterrado. Achei bom falar sobre isto, pois ficou esta rusga sobre o fato na época, como se tudo tivesse terminado ali. Ficou na história como se minha família tivesse problemas com o Chico e com os livros que o vovô mandou e foram psicografados. Nunca tivemos. Meu pai morreu há mais de 20 anos e teve um relacionamento muito harmonioso com Chico, sempre se encontravam. Foi tudo um mal entendido”, disse a neta de Humberto de Campos, Patrícia de Campos.

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. Crédito: Reprodução

Espírita e filha de santo umbandista, Patrícia de Campos é contra direitos autorais de obras psicografadas. “Eu acho que toda mensagem psicografada é uma propriedade universal. Não imagino um foco monetário nisto, principalmente quando falamos de mensagens que transmitem amor. Estas mensagens do bem não devem ter domínio nem direitos autorais de ninguém”, completa Patrícia, que acredita na forte relação espiritual entre o avô e Chico Xavier, mas também acha que seu avô está hoje em um plano superior em que não é mais possível conversar com os vivos. “Pelo tempo, creio que vovô está num plano ainda mais distante de nós”, diz.

Apenas uma coisa incomoda um pouco Patrícia, que prefere as obras do avô em vida. Para ela, a popularização do espiritismo no Brasil não foi apenas através de Chico Xavier, mas também do seu avô em outro plano, mas que não recebeu nenhum crédito. Tudo isso se deve à obra "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", o segundo livro de Humberto de Campos como autor espiritual, considerada uma das mais importantes para a doutrina espírita brasileira e que hoje já está na 34ª edição.

“Meu avô em vida era um homem como outro qualquer, com erros e acertos. Era ateu, foi infiel, batalhou, saiu pobre do Maranhão, foi senador, virou Imortal. Batalhou para crescer. Mas ele, junto com Chico, dá o grande boom para o espiritismo kardecista no Brasil com este livro, um dos mais lidos até hoje. A parceria dos dois foi uma missão conjunta e de muita importância”, opina Patrícia.

Vale lembrar que Chico Xavier ganhou a causa movida pela família Campos. Contudo, ele nunca quis receber os direitos autorais dos livros. Todos foram doados para obras assistenciais, com registro em cartório e tudo. As obras de Divaldo Franco seguem o mesmo protocolo e toda renda é revertida para custear os gastos da Mansão do Caminho, uma instituição filantrópica que fundou em 1952.

O processo de Chico Xavier ganhou tanto destaque no mundo jurídico que teve até livros publicados sobre o caso. Na época, a decisão foi favorável a Chico, pois o direito intelectual vale, no mundo jurídico, apenas em vida. “Nossa legislação protege a propriedade intelectual, em favor dos herdeiros, até certo limite de tempo, após a morte, mas, o que considera, para esse fim, como propriedade intelectual, são as obras produzidas pelo “de cujus” em vida. (...) Não pode, portanto, a suplicante pretender direitos autorais sobre supostas produções literárias atribuídas ao “espírito” do autor”, disse a sentença, na época.

De fato, é difícil atribuir um direito por uma obra pós-morte. Curiosamente, o artigo 7 da Lei 9.610, que protege os direitos autorais e fala sobre obras intelectuais, até fala no termo, mas em outro contexto: “São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. O “espírito”, neste caso, significa talento.

Segundo a advogada Jaqueline Sangalo, mestre em direito autoral, é preciso saber até onde esta participação copia, altera ou utiliza trechos de uma obra originária da pessoa em vida. “É preciso analisar se a obra da pessoa em vida está sendo aproveitada, modificada ou plagiada. É um desafio analisar algo que é inédito ou a quem efetivamente pode ser atribuída a autoria. O que a justiça faz é proteger o autor originário, a obra intelectual da pessoa em vida. Agora, claro, a família pode se sentir lesada, caso a obra psicografada retrate algo que cause algum tipo de constrangimento”, explica.

Espíritos que tiveram participação nos livros de Divaldo
Espíritos que participaram das obras de Divaldo Franco Crédito: Divulgação

Ética

Muito mais que direitos autorais, o médium José Medrado acredita que também é preciso muita ética por parte dos mediúnicos. Para ele, as mensagens e livros que tiveram a autoria de espíritos de luz são quase como um domínio público. “Acredito que toda obra deste tipo poderia ser oferecida para caridade. Defendo que o médium precisa ter sua profissão separada de sua obra espírita e que não se sustente pelo trabalho espiritual. Eu defendo que seja exclusivamente oferecida em prol da caridade, ajudar os necessitados”, diz.

Diferente da obra escrita de Divaldo, o trabalho de Medrado com os espíritos é conhecido como psicopictografia ou escultura mediúnica, cujo valor é revertido para obras assistenciais da Cidade da Luz, complexo multidisciplinar de auxílio ao próximo, sem fins lucrativos. “Faço pinturas sem nenhum dom desta arte. Eu pego o pincel, mas são os espíritos que pintam. A obra é espiritual, de mensagens que trazem paz e amor ao próximo”, completa.

O próprio Divaldo, em vida, criticava a comercialização desenfreada de livros psicografados e vendidos sem nenhum tipo de cunho social. “A respeito desses livros que proliferam, me causam surpresa, quando amigos com quarenta, cinqüenta anos de idade, pessoas lúcidas, pessoas cultas, que nunca foram médiuns, ou, pelo menos, jamais o disseram, escrevem livros até ingênuos, que nem são bons nem são maus, e rotulam como mediúnicos e passam a vender, porque são mediúnicos", disse Divaldo, em entrevista ao Centro Espírita de Caridade Dias da Cruz, no Rio Grande do Sul.

Diante disto tudo e independentemente se o autor está encarnado ou não, o importante é a mensagem que alimenta e inspira o leitor na obra publicada. Allan Kardec, considerado pai do espiritismo, sequer era médium. Na verdade, era um cético que decidiu estudar fenômenos espirituais que ocorriam na França, em 1855, e ficaram conhecidos como 'mesas flutuantes'. Após entrevistar espíritos por meio de diversos médiuns da época, Kardec acabou escrevendo o Livro dos Espíritos, a base para o surgimento do espiritismo. “O corpo existe tão somente para que o Espírito se manifeste”, disse Kardec. Concorda?

Principais escritores espirituais de Divaldo Franco

Joanna de Ângelis: Considerada sua mentora espiritual, é responsável por cerca de 72 obras, abordando temas como psicologia transpessoal, autoconhecimento e espiritualidade.

Manoel Philomeno de Miranda: Autor de 15 livros, focando em temas como mediunidade, obsessão e transição planetária.

Amélia Rodrigues: Responsável por 12 obras de cunho poético e evangélico, centradas na vida de Jesus de Nazaré.

Victor Hugo: O espírito do célebre escritor francês contribuiu com 8 romances de estilo literário marcante e conteúdo humanista.

Rabindranath Tagore: Poeta indiano, autor de diversas obras psicografadas por Divaldo.

Bezerra de Menezes: Importante figura do espiritismo brasileiro, também teve obras transmitidas por Divaldo.