A onda é prateada: 33% dos brasileiros acreditam que vão viver até os 100 anos

Entenda como a Revolução da Longevidade está afetando a economia e o consumo com o crescimento de produtos e serviços voltados para o idoso

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  • Priscila Natividade

Publicado em 21 de agosto de 2022 às 11:00

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/ CORREIO

“Elas são vaidosas, trazem alegria, vestem a roupa com alma”. Depois que fez o primeiro desfile com a presença de modelos com mais de 60 anos usando suas peças, a criadora da marca baiana de moda que leva o seu nome, Madá Negrif, passou a apostar mais em criações para a maturidade. Quase metade (40%) das clientes que passam pela loja, localizada no centro da cidade, está nessa faixa etária e gasta um ticket médio (consumo) de R$ 500.

“Me surpreendi com a alegria daquelas mulheres com 60, 70 anos subindo numa passarela. Então, aquilo me contagiou e eu, na verdade, nunca tinha pensado em trabalhar com aquele público. No momento que eu descobri essa idade, fiquei encantada”, afirma.  Só esse ano, Madá fez dois desfiles com 17 modelos, todas acima de 60 anos. “As clientes mais maduras adoram de uma estampa bonita, valorizam um bom tecido, sabem o que é um linho, apreciam uma peça bordada, trazem isso na memória. Atender, inovar e trazer novidade para esse mercado é prestar atenção”, diz Madá. Madá Negrif está sempre atenta as sugestões e necessidades de moda de suas clientes idosas (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO) Um consumidor que sabe bem o que quer. Se preparou para envelhecer, construiu patrimônio, guardou dinheiro para gastar. É exigente, mas, ao mesmo tempo, reconhece a qualidade de um serviço ou produto e se torna fiel àquela marca que chega e entende suas necessidades com atenção, inclusão e respeito. Esse é o protagonista da revolução da longevidade e a gente vai explicar o porquê.

Em um país onde a população acima de 60 anos vai ultrapassar em 2037 a de entre 0 e 17 anos, chama atenção o fato de que 57% dos brasileiros não sentem a idade que têm e mais: três em cada 10 (33%) acreditam que chegarão aos 100 anos. É o que aponta a pesquisa inédita, Tsunami8 Latam, que mapeou os principais hábitos de consumo de mais de 20 mil latino-americanos com idade acima de 45 anos, afim de apontar os efeitos da Revolução da Longevidade nos negócios, nas pessoas e na vida em sociedade.

O tamanho dessa revolução é mesmo o de uma onda tsunami e ainda por cima, prateada. Aproveitar a vida e acreditar que vai chegar pleno aos 100 anos, abre espaço para um mercado importante. A pesquisa indica que diante de processo de envelhecimento moderado, o Brasil se destaca por iniciar a discussão em prol de um envelhecimento saudável antes das demais nações latinas. Pioneirismo que coloca o país em um movimento de crescimento acelerado em iniciativas inovadoras para a economia da longevidade, como destaca a especialista em Economia Prateada, cofundadora do Data8 e uma das coordenadoras do Tsunami8 Latam,  Layla Vallias. O Data8 é um núcleo brasileiro de investigação de tendências e inovação especializado no consumidor com mais de 50 anos.“Economia prateada é tudo aquilo que pessoas com mais de 50 anos consomem ou vão consumir no futuro. Esse é um conceito da Oxford Economics (2015), um instituto de pesquisa e análise econômica de futuros do Reino Unido, que diz ainda que se a gente juntasse tudo que as pessoas nessa faixa de idade já consomem hoje, seria a terceira maior economia do planeta, só atrás da China e dos Estados Unidos”, explica. No recorte nacional, o Tsunami8 Latam ouviu 2.504 homens e mulheres na faixa etária de 50 a 74 anos, das classes A, B, C e D, de todas as regiões do país. Em um mundo pós-pandemia, os brasileiros projetam que vão priorizar a saúde e desfrutar mais da família e das viagens, além de desejarem obter a estabilidade financeira tanto como vontade pessoal, quanto para ajudar os seus entes queridos. 

“Empresas de bens de consumo, de moda, beleza, do mercado imobiliário já estão vendo e analisando esses consumidores e aí começa um novo processo de desenvolvimento de produtos, serviços e de comunicação, incluindo figuras maduras. Essa virada de chave tem que acontecer para que as empresas se mantenham relevantes nessa nova configuração populacional”, ressalta a especialista. 

Revolução Dá para entender a dimensão desse potencial da economia prateada e também porque esse não é o consumidor do futuro, mas sim, do presente. Segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a esperança de vida do brasileiro, ao nascer, em 12 anos (2010/ 2022) passou de 73,86 para 77,19. Entre os baianos, o índice segue o ritmo de crescimento no mesmo período, ao registrar um aumento de 71,92 para 74,76 anos.

A especialista em Economia Prateada, Layla Vallias ressalta que muita gente olha para o envelhecimento populacional como uma tendência, mas isso, na verdade, já é uma realidade. “A vovó e o vovô de antes não são mais os mesmos e isso impacta diretamente a economia e o consumo. As pessoas estão chegando nessa maturidade, seja com 50, 60, 70, 80, 90 anos, muito melhor do que imaginavam. Essa surpresa do ‘bem envelhecer’ faz com que a perspectiva de vida mude”.

A geração prateada, mais conhecida como Geração Baby Boomer, é composta de nascidos entre 1946 e 1964. Cresceram em um mundo pós-guerra e ainda conforme a pesquisa Tsunami Latam8, cultivam traços como medo da escassez – o que os fez construírem patrimônios. Entre os 8.545 entrevistados com mais de 55 anos dessa geração ouvidos no levantamento, 31% trabalham em uma empresa, 36% são aposentados e 19% trabalham por conta própria.

“O consumidor 60+ hoje tem mais dinheiro do que em outras gerações. Está nas redes sociais, aprende pelo Youtube, faz vídeos. Ainda que seja uma maturidade diversa e cheia de perfis - comportamento, estilo de vida, poder de compra - é uma geração que valorizou sempre o trabalho e a construção de patrimônio, pensou na carreira, tem previdência e está aí vivendo os benefícios dessa atitude”, explica.

A tecnologia é uma dessas oportunidades e um dos pontos que mais chamaram atenção nos resultados obtidos pela pesquisa Tsunami Prateado. No Brasil, o índice de penetração da tecnologia entre a população acima de 55 anos chega a 92%. Ceo e fundador da startup ISGAME, Fábio Ota afirma que esse é um mercado está começando a se abrir para atender o público 60+. A empresa é responsável pela criação do app gratuito Cérebro Ativo, totalmente pensado para atender a esse público. Disponível nos sistemas Aindroid e iOS, o aplicativo já acumula mais de 12 mil downloads.“O Cérebro Ativo está começando a se tornar um hub de jogos para exercícios de memória, raciocínio lógico, concentração e consciência corporal através de realidade aumentada. Nos próximos anos, os videogames podem se tornar ferramentas úteis no engajamento para treinamentos saudáveis e acompanhamento da saúde. No app já temos relatórios com humor, emoções e sono, onde o jogador pode enviar as informações para seu médico”. O segmento de turismo e viagens é outro que vem se movimentando para conquistar esse público. Não por um acaso, o levantamento sobre economia prateada mostrou que entre os temas mais pesquisados nas redes sociais pelos maduros se destacam assuntos como viagens e turismo, cultura e entretenimento, política e educação.  A gerontóloga e sócia gerente da Agência de Viagens Interativa, Eva Pellegrino. Voltada exclusivamente para atender o viajante idoso, ela diz que na comparação entre o primeiro semestre de 2021 e o mesmo período de 2022, houve um crescimento de cerca de 300% na venda de excursões.“Só no primeiro semestre deste ano, vendemos mais de 150 passageiros, quase 30% a mais do que o ano passado inteiro. A cada dia, mais pessoas entram na maturidade. O consumidor 60+ tem mais tempo disponível para aproveitar a vida e está disposto a consumir. É uma parcela da população que já produziu muito para a sociedade, continua produzindo e precisa ser valorizada, respeitada e considerada enquanto público consumidor”.Mais serviços Criadoras do Cube de Assinatura Chic Home Box, Mônica Cecilio e Lusiane Fredrich também estão dispostas a dirigir parte da comunicação do clube especializado em mesa posta, de uma maneira mais especial para o grupo 60+. A Chic Home Box atende a assinantes de todo Brasil e no exterior. Elas são empreendedoras, inclusive, que estão na faixa etária dos 50+/ 60+. O negócio surgiu muito de uma demanda e de um interesse que elas tinham sobre decoração.

“Estamos em plena atividade gostando demais de receber em casa tanto familiares quanto amigos e valorizando muito uma bonita mesa que possa surpreender e demonstrar a cada convidado o quanto ele é querido e como estamos felizes por recebê-lo. E isto é vivido também por nós, o que acaba orientando muito a curadoria na hora de escolher as peças para nossas boxes”, diz Luisiane. 

Já no caso da dançarina e criadora do studio de dança Dandara Brazil, a aposta foi oferecer além das aulas de dança presenciais, aulas online e mais serviços de aromoterapia.  Dandara tem, atualmente, 15 a 20 alunas por semana e deve ofertar mais serviços direcionados para a saúde mental desses idosos com a Cesta do Autocuidado 60+. 

“O mercado já começa a enxergar esse potencial do idoso com poder aquisitivo para pagar por isso.  Sem dúvida, é uma demanda que cresce bastante, sobretudo, na pandemia. Elas vinham muito ansiosas, tristes, passando pela síndrome do ninho vazio e quando elas começam a fazer essa movimentação os resultados são incríveis. A proposta da cesta é oferecer uma escuta ativa e sensível com meditação e outras terapias integrativas”, ressalta.

Quem está chegando nesse segmento agora é a enfermeira Joelma Lima que iniciou, há pouco mais de um mês, as operações da agência especializada em cuidadores, Cuidant Personal Care. Mesmo com pouco tempo de funcionamento, Joelma diz que já planeja ampliar a oferta de um atendimento mais multidisciplinar que conte com fisioterapeuta, nutricionista e massoterapia. “Estamos começando e essa oferta vai vir de acordo com a necessidade do cliente. O serviço multidisciplinar contribui na qualidade de vida dos idosos, quando a gente oferece esse suporte integrado”.

Onde avançar De acordo com o levantamento mais recente feito pelo Instituto Locomotiva de Pesquisa e Estratégia, antes da pandemia, o mercado da longevidade no Brasil movimentava R$ 1,6 trilhão com o consumo de pessoas acima de 50 anos. A expectativa é que até 2045, o segmento que em 2018 já abrangia 54 milhões de consumidores, possa chegar a 90 milhões nos próximos 23 anos. Seis em cada 10 dos maduros (64%) são responsáveis por toda ou maior parte da renda da casa.

O Brasil vai envelhecendo. Ainda que essa oferta de serviços e produtos seja diversificada, o consumidor maduro se queixa da invisibilidade do potencial da economia da longevidade. Isso porque, na pesquisa Tsunami8, entre os latinos com idade acima de 65 anos, metade afirmou não haver ofertas adequadas à sua idade (50%). O maior desejo é encontrar ofertas segmentadas em alimentação, educação, tecnologia e vestuário.

A especialista em Economia Prateada, Layla Vallias, reconhece que existe, sim, na mesma proporção desta onda prateada de oportunidades, um caminho longo a ser percorrido. De uma forma geral, o mercado ainda reproduz um estereótipo da velhice como algo muito frágil, de uma velhice dependente, reclusa, rabugenta ou vai para uma questão muito do vovozinho e da vovozinha que só gosta do Roberto Carlos. “Porém, quando a gente se dá conta de que vai ser o sexto país em envelhecimento no mundo, percebemos que ainda precisa se fazer mais coisas, principalmente, no que diz respeito a políticas públicas para os idosos e mais oferta de produtos e serviços”.

Outro desafio está na contradição da economia prateada, conforme acrescenta Layla. “Com a longevidade, quem tem dinheiro vai envelhecer bem, quem não tem vai envelhecer mal. É muito dolorido, problemático, ainda mais na periferia onde grande parte das famílias é mantida por aposentadorias. No entanto, enquanto vemos essa contradição, existem oportunidades para trabalhar produtos e serviços que ajudem a pessoas que estão na base da pirâmide a viver melhor. A gente precisa acelerar na base desse mercado”, defende.