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Conhecido em todo mundo, ativista polonês morreu em 2017, doando seu legado para os baianos. Contudo, museu que seria uma exigência nunca foi feito
Moyses Suzart
Publicado em 21 de maio de 2022 às 07:00
Ninguém sabe ao certo se é lenda ou se aconteceu, de fato. Uns garantem que sim, outros duvidam, pois ninguém consegue provar. Em Nova Viçosa, extremo-sul da Bahia, um velho barbudo de sotaque europeu teria se jogado em cima de um trator que derrubaria algumas árvores para ampliação de uma rodovia. Este velhinho morava no meio do mato, não curtia muito o convívio com gente e fazia obras de arte com madeira retirada de queimadas e desmatamento. Este homem era Frans Krajcberg, um dos maiores ativistas e artistas do mundo, que perdeu os pais no holocausto da Segunda Guerra e fez de sua vida e obra um manifesto contra a destruição do mundo.
Frans nasceu na Polônia, em 1921. Durante a Segunda Guerra, precisou fugir para a União Soviética, se separando dos seus pais. Mais tarde, descobriu que seus familiares morreram nos campos de concentração nazistas. Iniciou seu processo artístico na Europa pós-guerra, mas foi no Brasil que ele se tornou um ativista e artista, transformando a arte em caos conceitual. Desde então, viajou pela floresta amazônica, morou no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e decidiu fixar morada na Bahia entre 1972 e 2017, ano de sua morte.
“Não sei o que era mais cruel. A miséria da infância ou a miséria da guerra. Eu quis fugir do homem. O pior é que em todo lugar que você coloca o pé, encontra o homem, muitas vezes cruéis. Quando cheguei no Brasil, de repente, encontrei um calor humano que não existia na Europa. Depois, descobri a vida. Qual a vida? A natureza. Comecei a observar e dançar com ela de tanta alegria de ver uma flor crescer. Foi minha maior alegria depois de tanto sofrimento que passei”, disse Krajcberg, no filme Frans Krajcberg: Manifesto, da cineasta Regina Jehá.
Desde então, sua arte e luta pela natureza se tornaram uma só. Entre fotografias, vídeos, pinturas, fotografias e esculturas, o que mais chama atenção são os troncos de árvores, muitos carbonizados, transformados em arte e protesto, como se houvesse uma ressurreição daquela natureza morta. “Sua obra é um longo processo de tudo que ele passou em vida, como perseguição, guerra, fuga e, sobretudo, a luta pelo meio ambiente. Toda esta vivência está inserida na sua arte, que é única”, disse Luiz Freire, doutor em História da Arte, pela Universidade do Porto, Portugal.
Para Luiz, a obra de Frans é atual, engajada e deveria ser conhecida por todos. “As implicações do seu trabalho continuam em pauta e engajadas na causa do meio ambiente. Ele traduziu a destruição ostensiva da natureza. Da destruição de uma árvore, veio a morte. Na sua obra, ele traz a vida em forma de protesto. É uma obra de grandeza imensa e nem precisava falar sobre ele. Frans tem um reconhecimento no mundo todo”, assegura Luiz, que lamenta ainda não ter o museu que Frans sempre sonhou em Nova Viçosa, extremo-sul da Bahia.
“É um legado que tornou a Bahia mais especial ainda, pois é um trabalho de reconhecimento mundial. Sua obra precisa estar no Sítio Natura, pois seu sonho era transformar o lugar não apenas em museu ou uma reserva ecológica. Ele gostaria que fossem as duas coisas”, completa.
Era justamente isto que Frans sonhava. No seu terreno de 50 hectares, ele queria um centro de encontro e consciência ambiental. Ele, inclusive, nunca quis vender suas obras. Ele cansava de dizer que Nova York, Suíça, Alemanha e diversos países ofereceram um lugar para que fosse feito um museu com suas obras, que seriam compradas. Ele negou e preferiu doar para o Estado da Bahia, de graça. Para ele, o Sítio Natura seria um exemplo de museu a céu aberto, misturando consciência ecológica e arte.
“É um assunto muito sério, pois envolve museu, centro de preservação e sustentabilidade. É preciso ter um planejamento para que este lugar se torne uma referência em todo mundo. Imagine ter um lugar natural com as obras de Krajcberg? Qualquer lugar no mundo gostaria de ter o que a Bahia tem”, disse Juarez Paraíso, membro da Academia de Letras da Bahia.
O artista plástico e diretor do museu Palacete das Artes, Murilo Ribeiro, conviveu com Krajcberg e diz que a obra de Frans e a natureza andam juntas e precisam se manter assim. "Além de um bom e querido amigo, tenho por ele e sua obra uma grande admiração. Considero sua obra uma das mais importantes do mundo, pela originalidade, riqueza plástica e pela proposta pioneira, das mais consistentes, em ecologia e preocupações com o meio ambiente”, assegura.
O museu Frans Krajcberg deveria ser bem semelhante ao Sítio Roberto Burle Marx, no Rio de Janeiro. Este museu ecológico foi idealizado pelo próprio artista Plástico Marx e desde 1985 é vinculado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O lugar dá uma ideia de como seria o museu de Frans: Edificações naturais, lagos, jardins, coleções de arte, além de uma vasta fauna e flora.
“Como estrutura, talvez fosse da grandeza do museu ao céu aberto de Minas Gerais, Inhotim. Porém, no aspecto conceitual, seria como o museu de Burle Marx, onde a arte e a ecologia permanecem juntas. É válido algumas obras saírem para exposições e divulgações, mas elas precisam ficar permanentemente no Sítio Natura, que precisa ter o contraste entre a natureza preservada, morta e retificada pelo conceito artístico e cultural de Krajcberg”, completa Luiz Freire.
Saiba mais sobre Frans Krajcberg
Frans Krajcberg: Manifesto (2019) Documentário feito pela cineasta Regina Jehá mostra a vida de Frans desde a Segunda Guerra, sua causa ambiental e morada em Nova Viçosa, BA. Onde ver: Filme disponível no catálogo da Claro TV.
Krajcberg, o poeta dos vestígios (1986) Sob o olhar do cineasta Walter Salles, a obra conta a vida e obra do artista polonês.Onde ver: Indisponível nas plataformas atuais, mas com frequência o MUBI e canalcurta exibem.
Frans Krajcberg: por uma Arquitetura da Natureza Exposição no Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia (MuBE), em São Paulo, reune mais de 100 esculturas do artista, todas elas emprestadas pelo Governo da Bahia e retirada do Sítio NaturaOnde ver: Terça a domingo, das 11h às 17h, em São Paulo