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Carolina Cerqueira
Publicado em 11 de setembro de 2021 às 07:00
- Atualizado há 2 anos
“É só uma fase”. Você já deve ter escutado alguém usar essa frase para se referir à adolescência. Mas, será que essa etapa da vida, assim como a infância, não merece um pouco mais de atenção e cuidado? Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada nesta sexta-feira (10) aponta que sexo, drogas e transtornos mentais são pontos comuns entre os adolescentes baianos. Segundo especialistas, o resultado aponta um sinal de perigo e requer orientação e acolhimento.>
Na Bahia, seis em cada dez estudantes de 13 a 17 anos já experimentaram bebida alcoólica alguma vez na vida (60,6% do total). A maioria é do sexo feminino (64,9%) e estudantes da rede privada (61,1%). Dos que provaram álcool, 32,6% fizeram isso antes dos 13 anos. Já 35% dos estudantes adolescentes do estado fizeram sexo - 40% deles antes dos 13 anos. Os dados são da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), realizada pelo IBGE em 2019 e divulgada nesta sexta. O levantamento foi feito em 157 escolas públicas e privadas da Bahia, com 5.986 estudantes. >
Mas, o estado não segue a mesma tendência em relação às drogas ilícitas - bem menos consumidas por aqui. A Bahia foi o estado onde os estudantes entre 13 e 17 anos menos declararam já ter experimentado esse tipo de substância alguma vez na vida: apenas 5,5%. A proporção é praticamente igual entre homens (5,6%) e mulheres (5,5%) e um pouco maior entre os estudantes da rede privada (6,2%) do que na pública (5,4%). Entre as capitais do país, Salvador tem o segundo menor percentual de estudantes adolescentes que já experimentaram drogas ilícitas (9,1%).>
A psicóloga clínica Amanda Brito, que atende adolescentes, define essa fase da vida como desafiadora e explica como comportamentos negativos podem ser desencadeados.“A adolescência é uma fase em que os jovens têm uma tendência maior a comportamentos disruptivos e transgressores. Isso pode se manifestar na forma de curiosidade e vontade de experimentação. Mas, o uso de drogas, assim como o início da atividade sexual, pode significar muitas vezes uma vontade de pertencimento, com o famoso ‘se todo mundo faz, eu também quero fazer’, ou também uma estratégia de fuga da realidade e das emoções”, explica.Aos 17 anos, Sofia**, estudante de um colégio particular de Salvador, confirma o que diz a psicóloga. Ela conta que começou a consumir álcool aos 14 anos e que já fez uso de maconha. “O cigarro e as drogas ilícitas costumam ser consumidas um pouco mais tarde do que o álcool. No começo, a gente tem muito preconceito, mas depois vai ficando tão normal, vamos vendo todo mundo usar e acabamos experimentando. A maioria já usou pelo menos maconha, mas conheço gente que já experimentou quase tudo”, relata.>
Política sobre drogas Sofia conta que sempre encontrou bebidas alcoólicas em festas de 15 anos, gincanas do colégio e reuniões entre os amigos. As drogas ilícitas não ficam para trás. A estudante diz que a droga é tratada com tanta naturalidade pelos colegas que as substâncias são manipuladas e consumidas até mesmo nas salas de aula.“Já teve um escândalo no meu colégio em que duas pessoas foram expulsas por isso. O pessoal passava droga no meio da sala de aula, dentro de uma embalagem de biscoito. Uma menina usou na hora do almoço e depois foi para a aula e aí os professores perceberam”, lembra a menina.A psicóloga alerta para os perigos. “Esses adolescentes podem desenvolver quadros de dependência, o que já se enquadra como transtorno mental. Mas, qualquer tipo de uso, mesmo que não seja contínuo, pode trazer prejuízos. O jovem ainda está em um período de reorganização cerebral e de criação de identidade. Qualquer consequência disso nessa fase será ainda mais difícil de lidar”, pontua.>
Sofia ressalta uma outra consequência que as drogas, sejam lícitas ou ilícitas, podem trazer: a perda de controle em relação às próprias atitudes. “Uma amiga minha, com 14 anos, foi beber pela primeira vez e ficou bêbada. Ela passou mal, caiu, bateu a boca e começou a sangrar. Precisou inventar uma outra história para os pais. Essa festa foi em um píer e as pessoas alcoolizadas até pularam no mar”, conta.>
Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD) e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança da Bahia alerta que, no Brasil, há uma falha em relação à política de informação sobre substâncias tóxicas.“É preciso informar os adolescentes, apresentar evidências científicas. A política normalmente adotada nas escolas é do pânico moral em relação às substâncias psicoativas e isso, em alguns casos, pode inclusive incentivar a transgressão, ao invés de educar sobre os efeitos e danos causados pelo uso precoce das substâncias”, ressalta.Tem idade certa para o sexo? Se o uso de drogas ilícitas não é tão comum entre os baianos, não se pode dizer o mesmo da vida sexual. Segundo a pesquisa, 35% dos estudantes adolescentes do estado já praticaram sexo (a maioria é de meninos e que estudam na rede pública). Desses, quatro em cada dez fizeram isso antes dos 13 anos.>
“A gente não pode precisar qual é a melhor idade para iniciar a vida sexual, isso varia muito e depende de cada indivíduo. O que a gente precisa é, desde cedo, orientar esses jovens, de forma educativa, sobre o próprio corpo, sobre consentimento, sobre questões de saúde para que haja informação e maturidade para quando eles decidirem iniciar as atividades sexuais”, pondera a psicóloga Amanda Brito.>
Sofia revela que teve a sua primeira relação sexual aos 17 anos, mas que sabe que isso não é o mais comum: “Minhas amigas começaram a fazer as preliminares aos 14, 15 anos. Faziam de tudo, menos a penetração, achando que isso não era sexo. E isso nas festas, em banheiros, escadas e com várias pessoas diferentes”. Ela afirma que nunca teve conversas com os pais sobre sexo e nem aulas de educação sexual, mas sabe que é essencial. “Muitas meninas mais novas acabam se envolvendo com caras mais velhos e isso nem sempre dá bom. Acontecem muitas coisas de abuso e às vezes as pessoas envolvidas não têm nem noção do que está acontecendo. Os meninos acham que não tem problema insistir e as meninas acham que é normal ceder. Discutir sobre relação sexual, estupro e relacionamento abusivo, por exemplo, é algo extremamente necessário”, opina Sofia. Além da violência física, também acontece a violência verbal, psicológica e moral. “Às vezes acontecem vazamentos de nudes, mas no ano passado vazaram prints de conversas de um grupo de meninos da minha escola. O conteúdo era cheio de xingamentos e ofensas às meninas, de caráter sexual até, falando sobre o corpo delas. Foi um escândalo e todo mundo se mobilizou através das redes sociais contra eles”, conta. Para a educadora sexual Magali Tourinho, é por isso que o sexo deve ser tratado com naturalidade e os adolescentes precisam receber orientações sobre educação sexual.“No adolescente, por conta das transformações do corpo e do próprio cérebro, é natural que eles comecem a querer explorar a sexualidade. E aí, se isso não é tema de conversa dentro de casa e na escola, ele vai buscar isso na internet e na pornografia, que trazem contextos totalmente diferentes da realidade, o que prejudica o adolescente e leva consequências até a vida adulta”, ressalta.“Para a maioria dos brasileiros, falar sobre sexualidade é antecipar a vida sexual. E esse é justamente o ponto. A curiosidade é o que mais leva os adolescentes a entrarem nesse universo e o perigo está na curiosidade sem informação. O sexo não é algo ruim e condenável, mas precisa ser feito no tempo certo e da forma certa. Quando o adolescente recebe orientação sobre o tema, vai pensar duas ou três vezes antes de iniciar a vida sexual”, completa.>
Ela destaca que não há idade certa para começar a falar sobre sexo e que cada realidade demanda uma ação diferente. “A partir de 13 anos, a gente já pode tranquilamente falar sobre isso. Mas é importante dizer que isso pode ser feito em qualquer fase da vida, desde que com as devidas adequações. Se uma menina menstrua é preciso falar sobre isso, na verdade, até antes, para prepará-la. E é muito comum a gente ter nas escolas públicas adolescentes que com 12 ou até nove anos já tiveram relações sexuais”, pontua.>
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Camisinha fica pra escanteio: 40% não usam preservativo>
A pesquisa do IBGE aponta que cerca de 40% dos estudantes baianos que afirmaram fazer sexo não usam camisinha. Além disso, Salvador é a cidade do país com mais adolescentes que já ficaram grávidas (13%). Segundo dados da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), 15,6% dos bebês nascidos em 2021 têm mães adolescentes. >
A ginecologista, obstetra e professora adjunta da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Márcia Machado, conta que a gestação na adolescência provoca mudanças físicas e emocionais em jovens que já estão em uma fase de muitas transformações por conta dos hormônios. Algumas delas desenvolvem transtornos alimentares e sintomas emocionais, como a depressão.“Isso pode gerar consequências sexuais e emocionais para toda a vida. Também aumenta o risco de hipertensão na gestação e nascimento de bebês com baixo peso. Outra consequência importante é o abandono ou atraso escolar por conta da maternidade”, afirma.Para a psicóloga Amanda Brito, o diálogo entre pais e filhos é essencial, assim como a ajuda de um profissional para orientar as ações. “É preciso dizer que a expectativa não deve ser se tornar o melhor amigo do filho. É possível e mais saudável ter uma boa relação, uma abertura e, ao mesmo tempo, manter o papel de imposição de limites, de orientação e de referência. Muitas vezes as atitudes dos pais vão desagradar os filhos e isso é natural”, destaca.>
“O adolescente está em um processo de busca de referências e as figuras familiares têm papel importantíssimo. O jovem está o tempo todo absorvendo o que a figura dos pais transmite. Se houver dificuldade de diálogo, é preciso buscar especialistas, um profissional”, finaliza.>
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Secretarias desenvolvem ações educativas>
Palestras, debates e materiais didáticos, entre outras ações para conscientizar os adolescentes têm sido as apostas do governo nessa seara, segundo o responsável pela Coordenadoria da Educação Ambiental e Saúde da Secretaria Estadual da Educação (SEC), Fábio Barbosa. Ele destacou o Programa Saúde na Escola, do governo federal, como uma iniciativa que tem dado resultados. Na Bahia, o programa é coordenado pelas secretarias da Educação e da Saúde. “São 13 ações, incluindo o trabalho com a covid-19. Temos mais de 11 mil unidades escolares pactuadas neste programa na Bahia, com 2.192.313 de estudantes beneficiados”, diz Barbosa.O planejamento contempla a promoção das práticas corporais, da atividade física e do lazer nas escolas; prevenção ao uso de álcool, tabaco, crack e outras drogas; direito sexual e reprodutivo e prevenção de IST/Aids. >
Outras iniciativas são o Projeto de Prevenção à Gravidez na Adolescência e o Projeto Saúde na Escola, do governo do estado. A ideia é parecida com o programa nacional, mas é mais flexível, deixando a cargo das escolas escolher quais temas abordar e ações desenvolver. As abordagens também envolvem questões éticas e morais. >
A coordenadora de Inclusão e Transversalidade da Secretaria de Educação de Salvador, Jaqueline Araújo, afirma que as escolas municipais também participam do Programa de Saúde na Escola. “Quando estávamos 100% presencial eram realizadas oficinas e palestras nas escolas. Agora, por conta da pandemia, temos disponibilizado podcasts, cards, e lives para estreitamento da relação entre as escolas e equipes de saúde”, afirma Jaqueline. >
“Temos também parceria com a Secretaria Municipal de Saúde para realização de ações voltadas para o Setembro Amarelo, que realizaremos na segunda quinzena de setembro. E estamos em processo de adesão ao Programa Vem Viver, que abordará questões sobre promoção da cultura de paz e valorização da vida. É um trabalho que envolverá também as famílias dos estudantes”, explica. As ações, de acordo com cada especificidade, atingem todos os segmentos da educação (do infantil à educação de jovens e adultos).>
*Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro**Nome fictício>