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Ronaldo Jacobina
Publicado em 20 de dezembro de 2025 às 12:00
Na coluna do último sábado (13), contamos aqui, com exclusividade, sobre a disputa judicial pela maternidade do Pão Delícia, um patrimônio gastronômico da Bahia. O caso, que segue seu curso jurídico, trouxe à mesa um assunto que de tempos em tempos se discute no Brasil: a necessidade ou não de proteção de receitas culinárias com direitos autorais. O tema está nas cozinhas, nos meios jurídicos, acadêmicos e até nos programas de TV. Na novela Mania de Você (Rede Globo - 2024), o tema central da história foi a discussão sobre plágio de receitas que, apesar de ser um debate real na indústria da gastronomia, sua proteção legal é praticamente inexistente ou, no máximo, limitada a produtos. >
Fato é que até agora, não há, nem na legislação brasileira, nem na de nenhum outro país do mundo, direitos autorais assegurados para as receitas culinárias. A justificativa está na própria legislação que considera serem as receitas culinárias, “métodos que descrevem processos para a preparação de alimentos, ou listas de ingredientes”, não cabendo portanto proteção legal. O debate levanta questões como: “Pratos e receitas podem ser protegidos por Direitos Autorais?”, “A Propriedade intelectual pode proteger as criações gastronômicas?”. E nós fomos atrás de quem tem os ingredientes deste prato.>
Especialista em Direito Autoral e sócio da Brasnorte Marcas e Patentes, o advogado Carlos Ricci, explica que a receita em si - os ingredientes e o modo de preparo - ela não é protegida por Direito Autoral. “A Lei 9610, que é a Lei dos Direitos Autorais, não protege a ideia em si, o método ou o procedimento, ela protege sim a forma como você descreveu aquela receita, ou seja, uma narrativa criativa, uma linguagem pessoal, num livro, num vídeo... onde os direitos de fotógrafos, cinegrafistas, por exemplo, estarão garantidos“. Ricci compara a receita culinária a uma “ideia” de uma obra literária. “Você não protege a “ideia” que contém no livro, mas a forma como descreveu, compilou aquelas palavras, isso sim tem a proteção do Direito Autoral”, esclarece.>
Se no plano jurídico, a Lei é clara, nas cozinhas brasileiras o tema divide opiniões. O chef baiano mais premiado no Brasil, Fabrício Lemos, do Grupo Origem, defende que ele, como cozinheiro, é a favor de compartilhar receitas. “É uma questão difícil de ser respondida, mas acho que a gente deve passar o máximo de informações para que as pessoas possam reproduzir em casa, desenvolver paladares etc. Sou a favor de compartilhar receitas”, diz.No entanto, Lemos defende que se possa ter um registro público, sem que seja mais um canal de quaisquer das esferas de governos, para tirar proveito, ou seja, lucrar, com isso. “Acho que seria importante termos um meio de publicarmos nossas receitas, e quem fosse executa-las para fins comerciais, tivessem que pelo menos citar o autor”, diz.>
Plágio>
Fabrício Lemos conta que já viveu uma situação de uso indevido de uma de suas criações por outro chef, e que este sequer deu-lhe o crédito. “Isso me deixou indignado, pela falta de respeito, porque aquilo que crio é fruto de investimentos em viagens, de estudo, de pesquisa, de acordar cedinho para criar. Não nasce da lua. Daí chega alguém e se apropria daquela criação, eu acho feio demais!“.Brasil afora as opiniões são diversas. O chef baiano radicado no Rio de Janeiro, João Diamante, já declarou publicamente ser favorável a criação de algum tipo de regulação para receitas, como nas demais artes; enquanto Janaína Torres, eleita em 2024 a Melhor Chef Mulher do Mundo pelo The World’s 50 Best, já defendeu na imprensa que “receita é que nem filho, cria-se para o mundo”.>
No livro Comer & Beber – Uma História da Gastronomia, escrito pelo chef Alex Atala e pelo sociólogo Carlos Alberto Dória, os autores não há fazem uma defesa explicita da questão dos direitos autorais para receitas, no entanto ressaltam questões inerentes ao tema como originalidade e autoria da culinária brasileira. E assim a temperatura do forno vai assando o Pão Delícia, enquanto a disputa pela autoria desta, e de tantas outras receitas culinárias, vão sendo replicadas nas cozinhas de várias partes do Brasil. De casas e de restaurantes, inclusive estrelados. Com isso, quem ganha somos nós, os apreciadores da boa gastronomia.>