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Diego Santos, conhecido como Negro Drama, é rapper e evitou o crime por causa dos Racionais
Alexandre Lyrio
Publicado em 29 de fevereiro de 2020 às 07:05
- Atualizado há um ano
Diego dos Santos, o Negro Drama: 'Não acreditei no que vi' (Foto: Marina Silva/CORREIO) Dê uma guia pra Diego e ele faz miséria. Seja um saco de “negobom”, Mendorato ou uma banca na feira, ele jamais sai de férias. O cara é correria e nunca deu 1x0 nos donos das mercadorias. Até que chegou o dia, o belo dia em que Diego tomou uma cerveja da sua própria guia. Está tudo registrado, tudo gravado no vídeo que viralizou. Saiba a partir de agora, sem rimas, o que aconteceu na noite em que Diego chorou.
Quem estava lá sentiu o drama. A passagem de Mano Brown pelo Circuito Barra/Ondina causou comoção, criou uma catarse coletiva entre os fãs do líder dos Racionais MC´s. O ambulante Diego Dart Cleisson Borges dos Santos, 34 anos, apenas passava pelo local com um isopor. Até então era um vendedor de cerveja como outro qualquer, mas aconteceu uma reviravolta depois que ele protagonizou uma das cenas mais comoventes do Carnaval.
Para começar, além de fã do rapper mais celebrado do Brasil, Diego também é rapper e atende artisticamente por um nome sugestivo: Negro Drama. A alcunha faz referência a uma das músicas mais conhecidas do disco Nada Como Um Dia Após o Outro.
Morador de Fazenda Coutos 3, no Subúrbio Ferroviário, Drama nem imaginava que Mano Brown faria uma participação no Carnaval naquela noite. Tanto que passou direto no Trio Afropunk, que àquela altura se aproximava do Morro do Gato. “Não achei que ia vender muita coisa ali”, lembra. Mas aí ele ouviu a voz rouca de Brown ao longe. “Pensei: ‘Colé, mano, é a voz de Mano Brown! Será que algum som tá tocando Racionais?’ Voltei na hora”. Quando se aproximou, Diego, contrariando a própria música que lhe empresta o nome, deu rosto e coração à multidão. Ali o drama dele, sem a faceta da tragédia, ganhava visibilidade. Em imagens de vídeo registradas pelo produtor cultural Zé Enrique Iglesias (@zeenrique), que fazia um trabalho para o Afropunk, Drama parece não acreditar no que estava vendo. E, de fato, não acreditou logo de cara. “Brooooown! Broooooown! Brooooown”, gritava, incrédulo. Até que o vocalista da banda baiana Afrocidade larga a frase que confirma tudo: “Mano Brown tá na casa ou não tá, família?”. Então, o Negro Drama do nosso Carnaval, o camelô que “não é ninguém” do reggae de Edson Gomes, vira protagonista ao levar as mãos à cabeça numa espécie de desespero às avessas.
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Em seguida, resolve colocar em prática um dos versos da música: “Tim, tim, um brinde pra mim!”. Meteu a mão no isopor, pegou uma cerveja, abriu e tomou. “A gente tem que prestar contas da mercadoria, né? É tudo anotadinho. Mas na hora eu pensei: ‘Na boa, a patroa vai me perdoar, mas eu vou tomar uma cerveja’”, narra Diego. Na quinta-feira, Mano Brown postou o vídeo nas redes sociais. “Estar na Bahia é como estar no colo da minha mãe. Não sei como retribuir à altura”.
Rimas No dia a dia, Diego diz que vive, de fato, como o Negro Drama da música, “entre o sucesso e a lama”. Não ganha dinheiro com rap. “A gente participa de eventos, batalhas de Mc´s e mostra nosso trabalho onde pode. Escrevo letras, faço minhas rimas, mas nunca tive condições de gravar nada. Queria que meu rap ecoasse e chegasse aos ouvidos da juventude negra”, afirma Drama, que mostrou talento dando uma palhinha com um dos seus raps, batizado de “Eixo”.
O Negro Drama de Fazenda Coutos diz que faz quase de tudo para garantir seu sustento de forma lícita: “Se for para carregar umas latas de entulho estamos aí”. Ele conta que desde a infância sempre trabalhou na feirinha do bairro para ajudar a família.
Criminalidade Negro Drama é o mais velho de uma família de sete filhos. Um dos irmãos, conta, está preso. “Infelizmente ele acabou se envolvendo (no crime), né?”, admite Diego, que diz ter se livrado desse destino graças às músicas dos Racionais. “Com os Racionais aprendi que o crime não compensa”. Negro Drama: sempre no 'corre' do Carnaval, ruas ou feiras (Foto: Marina Silva/CORREIO) Na comunidade de Fazenda Coutos, Diego é visto como um sujeito extremamente tranquilo. “Fala Drama! Aí é menino bom, viu? Vi crescer aqui na feira”, disse o feirante Sidnei Pinheiro, 45. O tempo inteiro está cercado de amigos, outros tantos negros que vivem o drama das poucas oportunidades, mas não se rendem aos encantos da “negatividade”. Todo mundo “veste preto por dentro e por fora. Guerreiros, poetas, entre o tempo e a memória”, cita novamente os Racionais.
Um dos amigos, Wesley de Jesus, 28, acha que, naquela noite de Carnaval, Diego recebeu uma recompensa de Deus. Isso porque, uma semana antes, ele teria salvado uma vida. Um rapaz apareceu com um dos pulsos cortados. Jorrava sangue. Drama acolheu e levou para a emergência. “Por isso foi agraciado. Salvou uma vida. Uma vida vale mais do que o mundo inteiro, irmão! E eu vi Drama salvar uma vida”.