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Jairo Costa Jr.
Publicado em 6 de novembro de 2021 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
No local onde caiu o avião que transportava a cantora e compositora Marília Mendonça, uma cachoeira simbolizava, como trágica metáfora, o sentimento de todo o país desde o fim da tarde de sexta-feira (5). Parecia canalizar, em choro caudaloso, as lágrimas derramadas pela morte prematura que interrompeu a carreira meteórica da artista, ícone do chamado feminejo e da sofrência empoderada, cujas canções fizeram com que ela se tornasse fenômeno de sucesso e arrastasse legiões de fãs nos quatro cantos do Brasil. >
A comoção gerada pela perda teve início por volta das 16h, quando surgiram as primeiras notícias sobre queda de um bimotor Beech Aircraft prefixo PT-ONJ, da PEC Táxi Aéreo, que partiu de Goiânia rumo a Piedade de Caratinga, cidade de Minas Gerais situada a 309 quilômetro de Belo Horizonte. Antes de chegar ao destino, a aeronave despencou em uma serra na zona rural do município. Nela, estavam a cantora , o produtor baiano Henrique Bonfim Ribeiro, que trabalhava na equipe dela, seu tio, Abicieli Silveira Dias Filho, além do piloto e copiloto.>
A princípio, foi confirmada apenas a presença de Marília Mendonça no bimotor que a levava para uma série de shows da sua nova turnê. Por volta das 16h30, a assessoria de comunicação da artista afirmou que a cantora e os demais ocupantes da aeronave de pequeno porte teriam sido resgatados e estavam bem. Cerca de vinte minutos depois, a informação foi reafirmada. >
Às 17h15, contudo, a certeza virou dúvida, quando a assessoria de Marília Mendonça disse que tinha perdido contato com o empresário dela e que não havia mais como confirmar o resgate da artista com vida. Antes das 18h, a morte foi divulgada oficialmente pelo staff da cantora e noticiada quase simultaneamente por todos os portais, blogues, sites de jornais, emissoras de rádio e TV, em movimento seguido pelas redes sociais. >
“O Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais informa que nesta sexta ocorreu a queda de uma aeronave de pequeno porte, modelo Beech Aircraft, na zona rural de Piedade de Caratinga. O CBMMG confirma que a aeronave transportava a cantora Marília Mendonça e que ela está entre as vítimas fatais”, afirmou o setor de comunicação social da corporação, em nota. (Foto: Reprodução) Um porta-voz da Polícia Militar que acompanhava o trabalho de resgate na área do acidente ratificou a notícia: “Infelizmente, em que pesem todos os esforços no local, de difícil acesso, a informação que se tem, repassada pelo médico, é que as cinco pessoas que estavam na aeronave vieram a óbito. Continuam os trabalhos”. >
Até o fim da noite de sexta, não havia detalhes sobre as causas da queda, sob responsabilidade da Aeronáutica. A PM disse apenas que a aeronave tentou realizar um pouso forçado e caiu próximo à cachoeira. Nos registros da Agência Nacional de Aviação Civil, o bimotor estava autorizada a realizar serviços de táxi aéreo e tinha capacidade para cinco passageiros. Além dos investigadores da Força Aérea Brasileira, a Polícia Civil de Minas deslocou peritos criminais e delegados ao local. >
Última postagem antes do acidente Duas horas antes do acidente, Marília Mendonça divulgou um vídeo em suas redes sociais com detalhes sobre o início da viagem. As imagens mostram a cantora embarcando no avião e, em tom descontraído e bem humorado, mostrando iguarias da culinária mineira, a exemplo de cachaça, queijo e pão de queijo. A artista publicou também imagens nas quais aparece almoçando dentro do bimotor, acompanhada pela legenda: “Fim de semana de shows em Minas Gerais”.>
A morte gerou uma onda de pesar entre personalidades das mais variadas áreas. Caetano Veloso usou o Twitter para externar a tristeza: “Estou chorando. Acho que nem posso acreditar”, escreveu, em uma série de tuítes. O mesmo tom dominou as manifestações da atriz Tata Werneck, do youtuber Felipe Neto, do apresentador Danilo Gentili e da comediante Dani Calabresa. “Estou arrasada e em choque”, lamentou Daniela Mercury. “Uma menina genial, brilhante. É uma perda irreparável”, postou Gal Costa, enquanto a cachoeira chorava sem parar junto com todo o Brasil.>
Talento precoce, cantora deixa legado único ao consolidar o 'feminejo' Quando surgiu como promessa da música sertaneja, Marília Mendonça, morta aos 26 anos, era ainda uma pós-adolescente, com talento reconhecido apenas como compositora de canções para duplas de sucesso - Henrique & Juliano, João Neto & Frederico, Matheus & Kauan e Jorge e Matheus -, além de astros como Wesley Safadão e Cristiano Araújo, como ela, morto prematuramente em um acidente de carro em 2015. Sequer sonhava em se tornar um símbolo, com legado relevante para a representação feminina do gênero.>
Tinha somente 19 anos quando decidiu se aventurar na carreira solo em 2014, após emplacar uma série de hits na voz de outros artistas, como Até Você Voltar, Cuida Bem Dela e É com Ela que Eu Estou. No ano seguinte, lançou o primeiro DVD, que trazia como carro-chefe Infiel, uma das músicas mais ouvidas em 2016 e responsável por impulsioná-la ao estrelato. >
Aos 22 anos, se tornou a artista mais ouvida do país. Com voz poderosa e padrão de beleza diverso ao de outras cantoras que gravitam no universo romântico, como Paula Fernandes, Marília Mendonça trazia também canções que traduziam o ponto de vista da mulheres sobre temas como traição e sofrimento. >
Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2017, explicou o eixo de seu trabalho autoral: “Não ia adiantar passar por um sofrimento, ser traída ou trair, e cantar sobre o príncipe encantado” Infiel, por exemplo, foi inspirada em uma tia que havia sido traída pelo marido. Diferente das mulheres do sertanejo, ela tinha obsessão pelo que considerava a realidade dos relacionamentos: retratar os que deram certo e os que deram errado. >
Surgia assim o “feminejo”, vertente do gênero que trazia composições com protagonismo feminino para serem interpretadas por mulheres, temática que se tornou conhecida como “sofrência empoderada”, da qual é considerada a rainha máxima. >
Nascida em 22 de julho de 1995 na cidade de Cristianópolis, interior de Goiás, Marília Dias Mendonça foi criada em Goiânia, onde teve uma infância muito simples ao lado da mãe, Ruth Dias. Sua família frequentava uma Igreja evangélica, onde o talento musical foi revelado. >
Começou a compor aos 12 anos e passou a tocar e cantar na igreja. Para as aulas de violão, contava com a ajuda do avô. Dona de um bar situado ao lado da casa, a mãe de Marília Mendonça, disposta a aumentar a clientela, pedia à filha para que se apresentasse. As aparições atraíram a atenção de gente que transitava na música goiana e enxergou nela um talento promissor para o sertanejo. >
A aposta seria confirmada cerca de uma década depois. Em 2019, a cantora foi apontada como a artista brasileira mais ouvida em um ranking do YouTube, e a 13ª em todo o mundo. No mesmo ano, venceu o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Sertaneja por Todos os Cantos.>
Com Maiara e Maraísa, dupla que despontou no mesmo movimento musical, Marília Mendonça comandou o projeto Patroas, tido como marco do feminejo, ao reunir cantoras relevantes da vertente. O trio lançou um álbum em 2020 e recentemente havia anunciado uma turnê nacional para o pós-pandemia, além de um novo disco, “Patroas 35%”.>
No primeiro ano da pandemia, protagonizou a live mais assistida do mundo, ultrapassando astro internacionais como o grupo coreano de K-Pop BTS e o tenor italiano Andrea Bocelli, o que corroborava a imensa popularidade nas redes sociais. Este ano, lançou um novo álbum solo, Nosso Amor Envelheceu, base para os shows que faria em Minas. >
Do relacionamento com o cantor e compositor Murilo Huff, nasceu o filho Léo, em dezembro de 2019. Para se dedicar inteiramente a ele, a cantora decidiu na carreira. O casal chegou a se separar em julho de 2020, mas reatou em novembro. Antes, namorou Henrique, da dupla Henrique e Juliano. Mas, como tudo em sua esfera pessoal, preferia a discrição. Deixava a vida de estrela onde ela deveria brilhar: nos palcos, telas e discos. >