Regionalismo ou homofobia? Expressões usadas por Davi no BBB levantam polêmica

Pesquisadores se dividem ao analisar falas do baiano dentro do reality show, mas fãs sobem hashtag #LGBTsComDavi

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  • Brenda Viana

Publicado em 16 de janeiro de 2024 às 11:32

LGBTs apoiam Davi Brito dentro do BBB 24
LGBTs apoiam Davi Brito dentro do BBB 24 Crédito: Globo / X, antigo Twitter

Uma discussão protagonizada pelo motorista de aplicativo baiano Davi, 21 anos, e  Nizam, 32, causou polêmica no Big Brother Brasil 24. "Eu sou homem, não sou viado", "seu puto", frases ditas pelo jovem, são comuns de serem ouvidas na Bahia, mas assustaram por conta da conotação preconceituosa.   

A exibição do momento de estresse do morador de Cajazeiras acabou gerando um debate profundo entre os internautas, que chegaram a "cancelar" o jovem acusando-o de ser homofóbico em seu comentário.

O professor e doutor em antropologia Tedson Souza explica que a língua padrão, norma culta, carrega uma bagagem de preconceitos, com vocábulos no masculino, que trazem em si uma história de privilégios e, quando alguém expressa uma gíria, há uma concentração de preconceito no masculino.

"É muito comum que a língua por si só carregue machismo, sexismo, misoginia, racismo, isso está expresso na construção da sociedade há muito tempo, já que o diálogo, a língua, acabam sendo reflexo do que vivemos na sociedade. Davi carrega uma linguagem construída nos guetos de Salvador, e levou para o programa, o que é normal", explica o educador, que também é jornalista.

O antropólogo reforça que diversas gírias e expressões baianas são extremamente homofóbicas, como o famoso "lá ele", que se trata originalmente de "comigo, não. Lá no c* dele". Foi diminuindo ao longo do tempo, se tornando padrão, principalmente entre heterossexuais, mas também é dita entre os membros da comunidade LGBTQIA+.

O debate, para Djalma Thürler, professor e pesquisador do programa de pós-graduação em Cultura e Sociedade, chega ao ponto que quando um homem heterossexual se apropria de uma gíria preconceituosa em um ambiente de discussão acaba eliminando o aspecto político da palavra, excluindo toda uma discussão significativa sobre as implicações sociais envolvendo o fato de ser gay em um país homofóbico.

"É importante frisar que o exemplo que está tomando as redes sociais e opinião pública, não se trata simplesmente de fenômeno semântico [da sua área linguística], há valores culturais mais profundos em jogo nesta guerra de palavras", comenta.

Ele ainda corrobora que é preciso observar o contexto em que a gíria foi utilizada para, só assim, fazer uma análise se foi empregada de forma ofensiva e se promoveu discriminação. Isso porque, para o resto do Brasil, a forma como Davi se comportou e falou, pode ter sido vista como um homem explosivo e que não teve acesso à educação.

A ressignificação de expressões, defende Tedson, foi ocorrendo com a miscigenação da população, também por conta da regionalização das gírias. Ele aponta que na Bahia, palavras ditas em tons jocosos são comuns e aceitas, mesmo que isso possa acabar ferindo alguém. 

No entanto, há quem discorde dessa visão, afirmando que expressões do tipo não devem ser aceitas. Para Nivaldo Lariú, autor do livro “Dicionário de Baianês”, a expressão usada com Davi, na verdade, se trata de uma ‘baixaria’, e não se caracteriza como gíria regional. “Isso não é a linguagem popular baiana, isso é uma falta de educação, baixaria. Você não observa baiano dialogando assim. Essas expressões além de chulas, são muito fortes, e sinceramente não é popular”.

Pedido de desculpas

Após a repercussão da frase entre os colegas de confinamento, Davi usou o momento do raio-x para pedir desculpas pelas expressões usadas. “O motivo de desabafar naquele momento, eu utilizei palavras que não cabiam no momento, mas o restante foi do coração mesmo", disse o motorista de aplicativo, que afirmou que as palavras que ele usou não são bem vistas, mas que é ele está ali para aprender.

Tedson comenta que o confinado do BBB 24 "está acostumado com essa linguagem, mas tem toda uma situação pedagógica, didática dentro do programa, que ele escutou, teve a humildade para aprender e pedir perdão".

O pesquisador Djalma entende que o sistema de ‘desaprendizagem’ seria o melhor caminho, mas que deve estar atrelado à educação formal e não formal. “Esse sistema opera na contra pedagogia, principalmente na desconstrução da ideia de “natureza” ou normalidade”.

Apoio nas redes sociais

Mesmo com o preconceito enraizado e normalizado, muitos gays, lésbicas, transexuais, bissexuais apoiaram Davi, principalmente após o rapaz ter sido alertado sobre o termo ser carregado de preconceito. No Twitter, os usuários da ferramenta subiram diversas hashtags, como #ViadosComDavi, #LésbicasComDavi #LGBTsComDavi.

LGBTs apoiam Davi, do BBB 24
LGBTs apoiam Davi, do BBB 24 Crédito: X, antigo Twitter
Perfil homenageia Davi, do BBB 24
Perfil homenageia Davi, do BBB 24 Crédito: X, antigo Twitter

Para Marcus Pereira, fã do Big Brother e homem gay de Salvador, o comentário de Davi não foi visto, por ele, de forma preconceituosa, já que também expõe sua indignação, revolta, e raiva dessa forma.

"É algo muito nosso, sabe? Não posso cancelar um menino que é baiano raiz e está mostrando nosso dialeto só porque a sociedade fora da Bahia não entende o que a gente fala. É homofóbico? Sim, mas isso não é digno de querer eliminar. Já taxaram ele como explosivo, e é um homem preto. Sabemos o que isso significa", diz.

A arquiteta Luana Costa, outra fã do programa global, entendeu que a fala foi expressada devido à raiz de Davi em Salvador, mas comenta que seria bom se os soteropolitanos pudessem “rebobinar” os costumes, e frear as gírias homofóbicas: “Não é comum para fora da Bahia, e acaba manchando a imagem da gente com essas expressões machistas”.

Já o jornalista reforça que a internet não pode colocá-lo como vilão da história, já que "a vilanização para Davi é sempre o caminho que vai dar ibope, mas não ajuda no aprendizado. O cancelamento é doloroso, não melhora, e não ajuda ninguém a progredir".