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Doris Miranda
Publicado em 9 de outubro de 2025 às 06:00
César Romero tinha um conhecimento enciclopédico de arte. Mas, isso não queria dizer que seus estudos eram de difícil acesso. Quem o conhecia já sabia que César passava adiante as informações que tinha de um jeito muito descontraído. Aos mais próximos, acrescentava sempre uma graça, uma piada espirituosa, uma fofoca irresistível. Os leitores da coluna semanal que assinava há mais de quatro décadas no caderno de cultura do CORREIO tinham à disposição informações sobre eventos, artistas e estilos que fizeram escola no mundo das artes plásticas. >
Natural de Feira de Santana, César Romero morreu na noite desta segunda-feira (6), aos 75 anos, em sua casa, no bairro da Graça. Segundo amigos, ele, que morava sozinho, estava sendo alimentado por uma cuidadora quando passou mal. Uma unidade do Samu foi chamada para tentar reanimá--lo mas o artista não resistiu. A Polícia Civil investiga a suspeita de que a morte tenha sido causada pelo engasgo. Outra suspeita é que tenha sofrido também um aneurisma. “Ele faleceu ontem [segunda] à noite, por volta das 21h. Ele estava um tanto, vamos dizer, fragilizado ultimamente. Eu até estive na casa dele na semana passada, mas não era nada que se esperasse que pudesse vir a óbito”, relatou o restaurador José Dirson Argolo. Ainda não há informações sobre o sepultamento.>
Cesar Romero
Amigo de César desde a juventude, Argolo lembrou o início da amizade, ainda nos anos 1970, quando os dois eram estudantes - Romero cursava medicina na Universidade Federal da Bahia (Ufba) e Argolo frequentava a Escola de Belas Artes. “Acompanhei toda a carreira dele como pintor, jornalista, escritor. César era um homem de muitos talentos, porque, além de excelente pintor, ele era também um artista gráfico, fazia logomarcas”, disse.>
Crítica sólida>
Além das artes plásticas, César Romero teve uma trajetória diversificada. Além de colunista do jornal CORREIO, escreveu sobre arte em revistas e jornais desde o fim da década de 1970. Ele também foi cantor e gravou discos com interpretações de clássicos da MPB. Em paralelo, como era médico psiquiatra, dividia o tempo para continuar clinicando em consultório.>
Era também muito celebrado como crítico de arte e integrava a Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), a Association International des Arts Plastiques (AIAP) e a International Association of Art, da Unesco, da qual recebeu, em 1979, o título de Personalidade do Ano, Homem Destaque do Nordeste.>
Sempre que podia, escrevia a respeito da profissão: “Os principais pilares do sucesso de um artista visual são. uma galeria de prestígio que o represente; uma caligrafia que o identifique; viver com dignidade do seu ofício e um livro que resuma sua trajetória pessoal e artística”, escreveu na coluna publicada em janeiro de 2024. Na coluna de 14 de abril deste ano, disse: “O artista é um trabalhador como outro qualquer. Apenas lida com um produto peculiar que se realiza no plano sensível. Em meio ao campo do trabalho, o que lhe dá relevo é o produto final e seu poder inventivo no campo da renovação da linguagem artística”. >
Ao longo de quase meio século de arte profissional, César lançou diversos livros, entre eles BRamante, que teve texto de apresentação assinado pelo crítico Jacob Klintowitz. Foi também tema da obra A Brasilidade na Pintura de César Romero, escrita pela filósofa e crítica de arte Mirian de Carvalho. Entre as principais exposições internacionais, destacam-se a Primitive Paintings from Bahia, em Washington (1973), e as coletivas em Hannover, Colônia e Berlim, na Alemanha, e em Barcelona, Madri, Bilbao, na Espanha, e Lisboa, em Portugal, no início dos anos 1980.>
A Secretaria de Cultura da Bahia divulgou nota lamentando a morte do artista plástico, descrito como “uma das mais respeitadas vozes na crítica de arte na Bahia”. Segundo a SecultBA, a Bahia perde “uma potência nas Artes, na Cultura e na poesia feita com traços e cores”.>
Veja obras de César Romero
Geometrismo>
A produção artística de César Romero, em suporte papel, começou com a produção de gravuras, abarcando o período de 1977 a 1988. São litogravuras e serigravuras, com estampas distribuídas nas séries: Imaginárias, Paisagens com Faixas Emblemáticas, Arraias e Faixas Emblemáticas. >
No início dos anos 80, descobriu os Tamboretes das Festas de Largo da Bahia, e se encantou pelo geometrismo pintado nos banquinhos. No período de 1981 a 1992, o artista reinventa e reproduziu em fotografias 215 imagens, o que lhe gerou prêmios em Salões de Artes Oficiais e exposições Individuais em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Santa Catarina e no Distrito Federal.>
A conceituada crítica de arte Matilde Matos, que acompanhou toda a trajetória do feirense, escreveu que “a arte de César Romero se baseia num constante processo de síntese em torno dos seus símbolos”, e que seu trabalho “leva o espectador a decifrar seus motivos, pois afirma seus temas de modo tão exato, que o seu intento prevalece claro”.>