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Roberto Midlej
Publicado em 29 de maio de 2024 às 09:05
Em 1789, começava, bem longe da Bahia, um dos movimentos políticos mais importantes da história: a Revolução Francesa. Nove anos depois, o território baiano foi palco de um reflexo dos ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” disseminados na França. Acontecia aqui o princípio de um levante, que pedia a “igualdade entre pretos, pardos e brancos”, como se dizia na época. O movimento acabaria sendo conhecido como Conjuração Baiana, também chamada de Revolta dos Alfaiates. >
Mas o documentarista baiano Antonio Olavo prefere chamar por um terceiro nome, que batiza o seu novo longa-metragem: 1789 - Revolta dos Búzios, que estreia nesta quinta-feira (30) em Salvador e outras capitais do país, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte. No total, serão 20 salas em diversas regiões. Embora afirme que a denominação do movimento não seja uma questão tão relevante, Olavo explica a sua escolha: “Há mais de 40 anos, o movimento negro abraçou o tema inclusive em suas músicas e desfiles de blocos e optou por usar ‘Revolta dos Búzios’”.>
E o filme explica de onde vêm os ‘búzios’ do nome: é que um dos participantes da revolta dizia, segundo Olavo, que todos os que estivessem de brinquinho na orelha, usassem barba crescida e um búzio na cadeia do relógio seriam do partido da rebelião. “Então, o movimento negro abraçou essa denominação e ainda uma outra, que é ‘Revolta das Argolinhas’, porque dois conspiradores usavam uma argola na orelha”, afirma Olavo.>
Importância>
O cineasta é categórico ao afirmar a importância da Revolta dos Búzios e o compara a outros movimentos políticos nacionais que ganharam até mais relevância que aquele acontecido na Bahia: “Afirmo com tranquilidade que é mais importante até que a Inconfidência Mineira ou que a Insurreição Pernambucana. Essas outras pediam a independência do Brasil e a implantação da República. E ponto, paravam aí. Mas a Revolta dos Búzios ia além, porque acrescentava que pedia uma república ‘democrática’. E mais: era o único desses movimentos que colocava o fim da escravidão entre seus objetivos”, assegura Olavo.>
Pesquisa>
O filme consumiu cerca de 13 anos do cineasta, que fez também todo o trabalho de pesquisa e, oficialmente, não teve uma equipe para isso. “Contei com o apoio de alguns historiadores. Mas eu abracei a pesquisa porque esse é meu estilo, de ‘verticalizar’ meu trabalho”. O material que serviu de base para o filme foram os Autos da Devassa, que registram o processo de investigação da conspiração. Com mais de duas mil páginas manuscritas originalmente, foi publicado em dois volumes em 1998. >
Olavo brinca sobre o uso daquele material para o filme: “Eu costumo dizer que não li os Autos: eu os esquartejei”, ri. Diz ainda que criou uma outra formatação para o documento, já que, nos autos, os fatos não aparecem em forma cronológica, mas, no filme, Olavo prefere contá-los na ordem como aconteceram. Para isso, recorre a dramatizações dos acontecimentos, com cenas filmadas no Centro Histórico de Salvador. >
No entanto, não há diálogos e sequer o rosto dos atores aparece nesses momentos que revelam o que ocorreu nas noites da Revolta. Mas Olavo contou com a participação de atores do Bando de Teatro Olodum para a leitura de trechos dos Autos da Devassa, como Luciana Souza, a Dona Joana de Ó Paí Ó. Nesses trechos, estão reproduções dos depoimentos de homens negros que foram apontados como conspiradores, além de parentes e amigos deles que depuseram. O filme recorre também à leitura dos panfletos que foram distribuídos na época para conclamar o povo a participar da organização do movimento.>
Olavo preferiu não usar entrevistas com especialistas, recurso normalmente usado em documentários históricos, e explica por que: “Gostaria que houvesse historiadores versados sobre o tema para eu entrevistar. Mas não poderia usar entrevistas de pessoas que têm conhecimentos superficiais. A maioria desses grandes historiadores já morreu ou, infelizmente, não está em condição de saúde para dar um depoimento filmado”, lamenta.>
Mas o diretor fez questão de convidar dois músicos: um deles é Mateus Aleluia, ex-Tincoãs que hoje segue carreira solo aos 80 anos. “Contei com esse artista maravilhoso, que musicou um poema que é considerado o hino da revolta dos Búzios. E tive também a participação do rapper Diego 157, que, no início, canta um texto que assino com ele”.>
Olavo está indo a São Paulo para lançar o filme num cinema e retorna para fazer o lançamento em Salvador na quinta-feira, no Cinema do Museu. “Precisamos falar desses homens que participaram da Revolta dos Búzios, mas forma punidos de forma cruel, com açoites, degredo e prisões. Quatro homens negros jovens, de 22 a 36 anos, foram enforcados e esquartejados. E ainda tiveram os corpos deles pendurados nos postes em frente a suas moradias”, observa Olavo.>
SERVIÇO>
Em cartaz no Saladearte Cinema do Museu, Cine Glauber Rocha e UCI Shopping da Bahia>